Rendição da 148ª Divisão de Infantaria alemã à FEB

Ao comemorarmos os feitos da Força Expedicionária Brasileira (FEB) nos campos da Itália, é uma satisfação lembrarmos da última missão em combate de nossos Pracinhas: a rendição da 148º Divisão de Infantaria Alemã às tropas brasileiras. Segundo o General Mark Clark – Comandante do V Exército de Campanha – “Foi magnífico o final de uma atuação magnífica”.

 
Coronel Rosty e Tenente Artêmio 

Introdução

Em primeiro de setembro de 1939, com a invasão da Polônia pela Alemanha de Hitler, eclodiu a 2ª Guerra Mundial. Em seus aspectos destruidores, essa guerra estendeu- se em todas as direções, atingindo as nossas costas marítimas, quando submarinos alemães e italianos torpedearam nossos navios mercantes, levando para o fundo do oceano centenas de vidas inocentes.

O Brasil foi forçado, então, a entrar na guerra ao lado das Forças Aliadas, contra as potências do eixo (Alemanha, Itália e Japão), criando, em 1943, a Força Expedicionária Brasileira (FEB), sob o comando do General João Baptista Mascarenhas de Moraes. Superadas as dificuldades dos preparativos, a FEB navegou para o front italiano com 25.334 homens, distribuídos em cinco escalões, desembarcando em Nápoles e iniciando a ação no dia 16 de setembro de 1944.

Deuse início uma longa jornada de derramamento de sangue, heroísmo e sacrifícios, quando os Pracinhas provaram sua coragem, iniciativa e capacidade combativa, igualando-se aos melhores soldados do mundo. Os soldados brasileiros avançaram enfrentando, estoicamente, a neve, o gelo, a lama e o fogo certeiro do aguerrido soldado alemão.

Assim, após dramáticos reveses, conquistaram Massarosa, Camaiore, Monte Prano, Barga e Monte Castello. Seguiramse Castelnuovo di Vergato, Montese, Zocca, Colechio e Fornovo di Taro. Nessa última região, a FEB cercou e aprisionou a 148ª Divisão de Infantaria Alemã, sob o comando do General Otto Fretter Pico. A paz foi assinada em 08 de maio de 1945 – o Dia da Vitória.

A Rendição da 148ª Divisão de Infantaria Alemã

A rendição da 148ª DI Alemã teve inicio após a conquista de Montese. Os alemães ainda resistiram por cinco jornadas naquela localidade. As vitórias dos aliados sucederam-se nos combates de Vergato, Tolé e Monte Adone, as quais provocaram o completo desmantelamento de suas defesas na linha Gengis-Kan.

A ocupação de Zocca indicou uma nova etapa na Ofensiva da Primavera – o aproveitamento do êxito – que resultou na conquista do médio Panaro pela Divisão Brasileira. A fim de cortar a retirada do inimigo, o comandante da FEB criou o “Grupamento Coronel Nelson de Mello” e decidiu aproveitar grande parte das viaturas orgânicas da Artilharia Divisionária para o transporte da infantaria brasileira. A ocupação de Vignola marcou o início da ação.

Concretizada a perseguição ao inimigo, o comandante da 1ª Divisão de Infantaria de Exército (1ª DIE) recebeu mensagem do IV Corpo de Exército para agir com rapidez e impedir que forças inimigas escapassem para o Norte.

Ao estabelecer contato com o inimigo, na região próxima à localidade de Fornovo di Taro, a FEB manteve encurraladas as forças do 3º Reich, que continuavam tentando romper as linhas de cerco com a intenção de uma retirada para o Oeste e, posteriormente, para o Norte, até chegar ao passo de Brenner, na fronteira italiana com a Áustria.

Nos arredores de Fornovo di Taro, na frente da 148ª DI alemã, estavam as tropas do 1º Batalhão do 6º Regimento de Infantaria (6º RI), enquanto o 11º RI se deparava com a retaguarda do contingente alemão.

O comando da FEB ordenou o ataque, bombardeando o inimigo com a artilharia brasileira, enquanto os alemães revidavam com seus canhões. Na tarde do dia 27 de abril, o comandante do 6º RI, Coronel Nelson de Mello, aceitou o oferecimento do padre de Neviano di Rossi – Dom Alessandro Cavalli – para ser o mediador entre os contendores, solicitando que as tropas alemãs se rendessem, a fim de evitar mais derramamento de sangue.

O vigário percorreu 6 km a pé por estradas e colinas, até chegar ao comando inimigo estacionado em Respício. Avisou sobre o cerco das forças brasileiras e usou de todos os argumentos possíveis e imagináveis para mostrar aos alemães que eles não tinham alternativa a não ser a rendição.

Após muita insistência, e negando as informações solicitadas, o pároco convenceu o comando alemão a se render. A maioria dos oficiais alemães se mostrou inclinada à rendição, mas queriam garantias. Finalmente, um oficial alemão idoso disse ao pároco: “Pastor, faça o favor de dizer ao comandante brasileiro que escreva as condições da rendição e depois volte aqui, que nós esperamos pelo senhor”.

Depois de contatos com o General Mascarenhas, foi então enviado um ultimatum aos alemães. O conteúdo do documento, escrito em italiano pelo padre, era um apelo ao bom senso das tropas cercadas, já sem munição e sem meios de reação: “para poupar sacrifícios inúteis de vidas, intimo-vos a render-vos incondicionalmente ao comando das tropas regulares do Exército Brasileiro, que estão prontas para vos atacar. Estais completamente cercados e impossibilitados de qualquer retirada. Quem vos intima é o comandante da vanguarda da Divisão brasileira que vos cerca. Aguardo dentro do prazo de duas horas a resposta do presente ultimatum.” Nelson de Mello – Coronel Comandante do 6º RI.

O vigário retornou com a seguinte resposta dos alemães: “Depois de receber instrução do comando superior, seguirá resposta”. Assinado: Major Kuhn. Não restava outra opção ao Coronel Nelson Tratativas da Rendição de Mello senão insistir que os alemães se rendessem, mantendo o cerco e o fogo cerrado de artilharia para barrar os contraataques inimigos.

Na noite do dia 28 de abril, teve início o processo de rendição, quando o Major Kuhn, representando o General Fretter Pico, apresentou-se no Posto de Comando brasileiro, sediado em Colechio, acompanhado de um sargento intérprete e de um tenente das milícias da S.S. portando uma bandeira branca. Interpelado pelo Major Carlos Gross, Comandante do 1º Batalhão do 6º RI, sobre o que levou o seu comandante a tomar a decisão de rendição, respondeu o Major Kuhn: “Meu comandante disse que a guerra está perdida, que temos muitos feridos sem atendimento, que estamos gastando os últimos cartuchos para sustentar o fogo nesse momento e não temos comida. Queremos aproveitar a oportunidade de nos render aos brasileiros, porque sabemos que seremos bem tratados”.

Os entendimentos foram realizados no PC do 6º RI e se processaram sob a sinfonia descompassada do troar dos obuses brasileiros. Logo após, o Coronel Nelson de Mello deixou o PC e se deslocou para o Quartel General (QG) da Divisão, a fim de comunicar a decisão do comandante da 148ª DI alemã, sendo autorizado pelo General Mascarenhas de Moraes a receber a rendição incondicional.

Tratativas da Rendição

Os entendimentos duraram da meia noite até às 5:30h do dia 29 de abril. Ficou estabelecido que a artilharia brasileira cessaria fogo. As unidades alemãs se apresentariam às 13:00h, entregando, inicialmente, seus feridos, única exigência dos alemães, que foi aceita pelo comando da FEB, por questões humanitárias.

O General Mascarenhas de Moraes enviou para Colechio os seus Chefes de Estado-Maior e da 3ª Seção – Coronel Lima Brayner e o Tenente- Coronel Castelo Branco, a fim de relacionarem o material capturado (Relatório da Rendição).

No horário marcado, apontou na estrada, ao sul de Ponte Scodogna, a primeira coluna de 13 ambulâncias inimigas repletas de feridos, que foram tratados e evacuados para Modena. Os demais combatentes se apresentariam aos postos de coleta de prisioneiros, sendo, mais tarde, conduzidos aos campos de concentração organizados em Ponte Scodogna e Felegara.

Cerca de 20 mil homens, a maioria da 148ª DI, além de integrantes da 90ª Divisão Panzer Granadier e de italianos da Divisão Bersaglieri (San Marco e Monte Rosa), foram encaminhados para grandes áreas descampadas da região de Ponte Scodogna.

Os soldados alemães, em grandes filas, depuseram as armas, observados pelos pracinhas brasileiros. Posteriormente, foram removidos para os campos de prisioneiros de guerra em Modena e em Florença, mantidos pelo Exército Norte-Americano.

Enormes pilhas de armamentos e munição se formaram. Mais de dois mil e quinhentos veículos de todos os tipos e cerca de quatro mil cavalos foram entregues durante a rendição. Os comandantes das Divisões que se renderam ficaram por último, com a finalidade de manter a decisão de que todos se entregassem, pois havia dissidentes que não concordavam com a capitulação.

No final da tarde de 29 de abril, após supervisionar todos os procedimentos e dando por encerrada a rendição das tropas alemãs e italianas, o primeiro comandante a se entregar foi o General Mário Carloni, com seus 18 oficiais do Estado-Maior.

O General Zenóbio da Costa o conduziu até o QG do V Exército de Campanha, em Florença. Finalmente, às 18 horas do dia 30, foi a vez da rendição do comandante da divisão alemã com os 31 oficiais de seu estado-maior. O General Otto Fretter Pico foi entregue ao General Falconiére da Cunha para ser conduzido até a presença do General Mascarenhas de Moraes e, posteriormente, seguir para Florença.

O inacreditável aconteceu! Uma divisão inteira dos mais destemidos e experientes combatentes germânicos, que lutaram no Afrika Korps e na frente russa, rendeu-se aos Pracinhas da FEB. A mesma tropa que combatemos no vale do rio Serchio, no batismo de fogo e no revés de Sommocolônia, agora se rendia incondicionalmente a nós, no vale do rio Pó.

O Alto-Comando aliado ficou surpreso, um feito inédito e glorioso executado pela FEB. A 148ª Divisão de Infantaria foi a única unidade alemã que se rendeu integralmente antes do armistício de dois de maio, no teatro de operações italiano. Na Itália, deixamos 451 mortos (oito da FAB), dos quais 13 eram oficiais. Fizemos 20.573 prisioneiros, sendo dois oficiais-generais, 892 oficiais e 19.679 praças.

Conclusão

O General Mark Clark, Comandante do V Exército de Campanha, a respeito da manobra de nossa Divisão Expedicionária, no vale do rio Pó, disse: “foi magnífico o final de uma atuação magnífica”.

Os pracinhas da FEB foram protagonistas de muitos feitos heroicos nos Teatros de Operação da Itália, garantindo, dessa forma, nossa liberdade e democracia ao custo do sangue de nossos militares. De regresso à Pátria, o soldado brasileiro, mais uma vez, trouxe a certeza de que soube representar sua geração.

Naquela grave contingência histórica com que se defrontou o Brasil, igualou-se àqueles que, nos Montes Guararapes ou nas vizinhanças das fronteiras do Sul e do Oeste, testemunharam a firmeza de nossas convicções e o valor do nosso homem.

O prestígio e a consideração internacionais não são uma dádiva, mas uma conquista que impera até os dias de hoje. Oferecemos ao povo italiano e ao mundo mais do que uma contribuição: uma certeza de nossa cooperação nos momentos mais difíceis.

Será sempre motivo de justo orgulho para o EB e, ao mesmo tempo, um poderoso estímulo e uma perene fonte de confiança nas possibilidades de nossos homens e mulheres fardados. E foi assim que “a cobra fumou”, há mais de 70 anos, na Itália!

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