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Prestígio e dinheiro atraem índios para a carreira militar

Ele nasceu em Yauaretê, vila próxima a São Gabriel da Cachoeira, a principal cidade do extremo norte do Estado do Amazonas, com 38 mil habitantes, e se alistou no Exército como soldado em 1º de março de 2008.

Hoje ele vive com a mulher, também indígena, da etnia Kuripaco, na aldeia da família dela em São Joaquim, a 326 quilômetros ao norte de sua terra natal.

Cardoso trabalha em uma base vizinha à aldeia, o Pelotão Especial de Fronteira de São Joaquim – a unidade militar brasileira mais isolada da selva amazônica. A pequena vila militar não tem telefone e fica a quatro dias de barco de São Gabriel da Cachoeira.

Sua história representa uma opção social bastante cobiçada por indígenas das 14 etnias que habitam a região do alto rio Negro, no Amazonas: entrar para o Exército.

O emprego militar não só é uma boa fonte de renda como dá um certo prestígio social ao indígena em sua comunidade.

"É muito comum ao indígena, ao final do tempo de serviço militar, retornar como uma liderança natural em sua comunidade", disse o general Luiz Sérgio Goulart Duarte, comandante da 2ª Brigada de Infantaria de Selva.

Hoje, dos cerca de 1.400 militares que defendem a fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela, 70% são indígenas, segundo Duarte. Os maiores centros de recrutamento são as cidades de São Gabriel da Cachoeira, Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro.

Técnicas indígenas

No Pelotão Especial de Fronteira, a cultura e as habilidades de sobrevivência dos povos nativos do alto Rio Negro são um diferencial entre os "militares índios" e oficiais e praças nascidos em outras regiões do país.

Cardoso costuma até dar "aulas particulares" para oficiais recém chegados à região. O aluno mais recente foi um tenente interessado em aprender a nadar em rios da Amazônia.

"Nadar no rio é muito diferente de nadar em piscina. Ele nem sabia nadar, era igual a uma pedra. Ele combinava uns horários comigo e a gente treinava as técnicas. Natação, flutuação e nado submerso".

O nado dos indígenas – parecido com o nado de peito, mas sem afundar a cabeça na água – foi uma das técnicas incorporadas pelo Exército para operações de combate na selva.

"O tenente perguntou se podíamos treinar na chuva e a gente treinava na chuva. Ensinei a ele que, quando o rio estava cheio, ele podia se segurar nos galhos das árvores que estavam encostando na água", disse.

Cardoso se diz orgulhoso do "aluno". Após uma temporada em São Joaquim, ele conseguiu passar e se formar no curso do Centro de Instrução de Guerra na Selva – um dos mais duros treinamentos para formar militares de elite no país e também reconhecido internacionalmente.

Contudo, segundo Cardoso, o conhecimento indígena não fica apenas na teoria.

Em um episódio recente, ele participava como operador de rádio em uma patrulha de reconhecimento de fronteira no rio Aiari. Seu grupo de militares não conseguiu retornar no prazo de oito dias à base e ficou sem comida.

"O suprimento (de alimentos) acabou e a gente teve que se virar. Veio à minha mente que tinha frutas na mata. Eu e um sargento fomos procurar. Algumas frutas não são comestíveis e eu ajudei o sargento a pegar as comestíveis", afirmou.

Carreira

Contudo, apesar da grande contribuição dos índios ao Exército, a maioria não consegue chegar ao oficialato e permanece em patentes mais baixas.

Não há, por exemplo, oficiais generais puramente indígenas – embora alguns descendentes de índios tenham conseguido chegar a essa patente.

Segundo Duarte, a dificuldade de ascensão do índio na hierarquia do Exército está relacionada ao fato dos concursos públicos para oficiais e sargentos não fazerem distinção entre índios e não índios. Como grande parte dos indígenas ainda enfrenta deficiências na formação educacional tradicional, poucos têm acesso às escolas de formação militar.

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