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AEROMOT – Uma nova chance para voltar a voar


Publicado Jornal do Comércio – 31 Março 2014


Patrícia Comunello


A única fabricante de aviões do Estado e uma das três do País espera o que pode ser a última chance para reativar a produção. A direção da Aeromot, com galpão industrial próximo ao Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, levou à Secretaria Estadual da Segurança Pública pedido de aquisição de dez unidades do motoplanador Ximango, modelo mais popular da marca no País e com mais de 30 exemplares vendidos aos Estado Unidos. A oferta atenderia às ações de vigilância para combate ao abigeato e a crimes na Fronteira. Um eventual sinal positivo pode salvar a empresa da falência. A Aeromot está em recuperação judicial desde 2009.

O diretor-presidente da indústria, o engenheiro aeronáutico Claudio Barreto Viana, reuniu-se, em fevereiro, com Carlos Roberto Sant’Ana da Rosa, secretário executivo do Gabinete de Gestão Integrada da Segurança Pública e assessor direto do titular da pasta, Airton Michels. Sant’Ana informou que encomendou ao Batalhão de Aviação da Brigada Militar (BAV) um laudo técnico. “Solicitei um estudo para apontar a viabilidade técnica. Pode até surgir demanda, mas não posso dizer nada”, ponderou Sant’Ana, lembrando que é preciso atender a requisitos de compras públicas. O combate ao roubo de gado e monitoramento das áreas fronteiriças são prioridade do plano de segurança. Para custear eventual aquisição, o governo gaúcho poderia acionar verbas de programas federais para equipar as polícias.

Barreto Viana assinala que a retomada da operação depende dessa encomenda. “Isso viabilizará até a atração de investidores”, admite o executivo, que hoje tem contrato para fornecer tecnologia a chineses. O comandante do batalhão aéreo da BM, major Márcio Galdino, citou que o Ximango é uma “plataforma econômica e viável”. “Voamos mais de 5 mil horas com os equipamentos. É uma aeronave espetacular”, define Galdino, lembrando que sabe das dificuldades da fabricante. Esta semana a comissão da BM visitará as instalações da empresa.

A proposta da Aeromot inclui imageador térmico (Flir). O recurso permite gerar fotografias em tempo real para envio a equipes em terra. Em segurança pública, uma vantagem do motoplanador seria o baixo custo operacional, cerca de R$ 350,00 a hora-voo. Um helicóptero pode chegar a R$ 1 mil. “Buscamos um programa que tenha ‘substância’, para reabrir a produção. Teremos uma solução gaúcha para um problema gaúcho”, entusiasma-se Barreto Viana, formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e que fundou a empresa em 1967.

O engenheiro Barreto Viana, como é chamado por amigos e profissionais da aviação, trocou a carreira na Varig para desenvolver tecnologia e serviços e fabricar aviões. O grupo tinha três braços — Aeromot Indústria, a Manutenção e a Aeroeletrônica. As duas últimas foram vendidas nos anos 2000. A Aeromot Manutenção é hoje a Aeromot Aeronaves e a Aeroeletrônica virou AEL Sistemas. “A menos que ocorra um milagre, será decretada a falência da Aeromot”, preveniu o executivo.

Hoje, aos 79 anos, Barreto Viana percorre uma saga desde 2006 para recuperar o negócio. Segundo o fundador (e fontes que acompanham as origens da crise confirmam), a turbulência começou com a valorização do real a partir de 2004, que encareceu a disputa no mercado externo. Dos 178 Ximangos produzidos, 59 equiparam escolas de formação de pilotos norte-americanas, incluindo a da Força Aérea do país. Antes da crise, Barreto Viana diz que a fábrica chegou a faturar até R$ 10 milhões anuais.

Em 2006, a gaúcha foi escolhida para fornecer dez motoplanadores para fazer a segurança nos Jogos Panamericanos, em 2007. Barreto Viana alega que a demora na contratação pela União inviabilizou entregar o pedido a tempo. O coordenador da Câmara Temática da Segurança da Copa 2014 no Estado e que chefiou a aviação no Panamericano, Kleber Senisse, explica que especialistas em aviação elegeram os equipamentos. “O Ximango é uma plataforma de observação de múliplas aplicações, com autonomia de duas a três horas de voo”, cita Senisse.

O secretário estadual de Desenvolvimento e Promoção do Investimento, Mauro Knijnik, afirma que será uma perda à economia gaúcha o eventual fim das atividades da fabricante. “Conheço o fundador, homem de bem, de grande mérito, pois introduziu essa atividade no Estado”, reconheceu o secretário. “A ideia é total e absoluta de ajudar, mas tem de obedecer a requisitos legais”, explicou Knijnik.

Venda de imóvel serviria para quitar dívidas e reativar fabricação

Com processo de recuperação judicial instaurado em 2009, a Aeromot soma débito estimado em R$ 17,2 milhões, incluindo tributos. A fatia alvo da negociação com credores (o passivo fiscal não pode ser repactuado) soma R$ 7 milhões, segundo o advogado da empresa, Roberto Martins. O plano aprovado em 2011 apostava na retomada da produção para gerar receita e saldar dívidas. Com atividades muito reduzidas, a saída foi propor a venda do imóvel para obter recursos e quitar o passivo, explica Martins. A proposta teve aval da assembleia de credores, entre eles os trabalhistas, que envolvem cerca de cem ex-funcionários.

O pedido de autorização da Vara de Falências para venda do patrimônio foi feito dois meses antes do término do cronograma para reverter as dificuldades em 2013. “O plano segue em total e irrestrito cumprimento. Fizemos a requisição da venda, pois sabíamos que o prazo se esgotaria sem o efetivo pagamento pelo fluxo de caixa da operação”, explica Martins. Segundo o diretor-presidente da fabricante, Claudio Barreto Viana, a operação restrita gera uma pequena receita mensal, obtida com manutenções e fabricação de peças de reposição para unidades que continuam a voar no País e no exterior (os Estados Unidos têm a maior frota em operação) e que cobre salários de menos de dez funcionários remanescentes.

O potencial de valorização do imóvel, considerando a localização na Avenida dos Estados, próximo ao Aeroporto Internacional Salgado Filho, é a aposta para obter capital e criar condições de retomar a atividade em outro local, com prédio locado. “A alienação é parte do plano de enxugamento das operações e possibilitará o pagamento de credores”, reforça o advogado. O diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre Alfredo Gonçalves confirma que os ex-empregados aceitaram a intenção de venda, como saída para honrar a dívida.

“Nossa luta é para que o juiz libere”, expressou o diretor. “Era bom que a Aeromot se recuperasse. Muitos ex-funcionários gostariam de voltar a atuar”, diz o sindicalista. Ex-empregados migraram para polos de aviação como o de São Paulo, principal do País. No segmento da Capital, restaram colocações em serviços de manutenção, como nas oficinas da TAP e Azul. “A Aeromot era a empresa de ponta. Hoje tem a AEL”, compara Gonçalves. A única fabricante de aviões chegou a gerar 500 postos de trabalho no grupo.

Ximango será usado em segurança na Copa

As duas unidades de Ximango do Grupamento Aéreo da Polícia Militar (Graer) da Bahia foram escaladas para a vigilância da Copa do Mundo na região de Salvador, uma das 12 subsedes do Mundial no Brasil. Agora surge também a chance de unidades do Batalhão de Aviação da Brigada Militar aplicarem o recurso. O subcomandante do batalhão, major Márcio Galdino, explica que os motoplanadores terão de passar por manutenção, com confecção de novas peças de reposição, que mobiliza a empresa de manutenção e o batalhão. “Se conseguirmos o reparo, vamos empregar na Copa”, revela Galdino.

O comandante do Graer baiano, Lázaro Raimundo Oliveira Monteiro, comenta que as duas unidades foram compradas em 2004, após o grupo conhecer os modelos durante demonstração feita pelo batalhão gaúcho, cuja escola de formação de pilotos tem alunos espalhados pelo País e aplicou os motoplanadores nos exercícios. “Usaremos na patrulha de estradas e acessos a Salvador. É uma máquina muito eficiente pela envergadura e relação custo benefício”, ressalta Monteiro. Um dos Ximangos já havia sido empregado na segurança do sorteio das chaves da competição, em dezembro passado, na Costa do Sauípe. O motoplanador mostra maior eficiência para cobrir longas áreas e fazer vigilância, apoiando ações mais ostensivas com helicópteros.

Outros grupamentos aéreos militares pelo País têm exemplares da aeronave parados nos hangares por falta de manutenção, efeito cascata da paralisação da fábrica. “Identificamos muito plantio de maconha no Pará com o motoplanador. Foi coqueluche de pilotos quando chegou”, ressaltou Francisco José Souza, do Grupamento Aéreo de Segurança Pública do Pará (Graesp). Na Bahia, contrato com uma empresa com mecânica certificada para consertar os aviões deu condições para manter a pequena frota. O coronel do Graer apontou o aparelho de imageamento térmico, o Flir, acoplado na base do avião, como vantagem para geração em tempo real de cenas que estão sendo captadas das alturas. O Flir, desenvolvido pela Aeromot nos anos 2000 a partir de projeto com recursos da Finep (governo federal), foi incluído no pacote ofertado ao governo gaúcho.

No segmento de aeroclubes do Estado, a expectativa é grande sobre uma chance de retomada da fabricante. O Ximango faz parte da época em que o governo incentivava o setor, repassando aeronaves de diversos modelos. O antigo Departamento de Aviação Civil (DAC), hoje Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), adquiriu 25 unidades do modelo e repassou a escolas em comodato. O presidente do aeroclube de Alegrete, Fernando Guerra, conta que tem um motoplanador desde 2005, com apenas 180 horas de voo, mantido sob cuidados, mas que não voa por dificuldades de manutenção. “É uma excelente aeronave, que já fez a volta ao mundo, sem incidentes. Não há melhor prova”, valoriza Guerra, que lamenta o fechamento de dezenas de aeroclubes no Interior por falta de apoio. “Eles formavam pilotos, hoje o governo só enxerga a aviação comercial.”

Indústria pode reforçar ações para montar polo aeroespacial gaúcho

A Aeromot teve seu tempo de ouro. Forneceu peças para a Embraer (uma das três maiores fabricantes de aviões comerciais no mundo) por décadas, ofertou aviônicos do Super Tucano, da Força Aérea Brasileira (FAB), e desenvolveu e fabricou poltronas para aeronaves da Boeing, antigas Varig e Vasp e aéreas internacionais. “A Aeromot tinha um ambiente muito bom de trabalhar, com muita liberdade para desenvolver”, recorda o diretor da Faculdade de Ciências Aeronáuticas da Pucrs, Elones Ribeiro, que atuou na empresa nos anos de 1990. Dirigentes da indústria apostam que novas encomendas e captação de investidores podem devolver atração sobre profissionais formados no Estado. “Isso ajudaria no esforço do governo para montar um polo do setor”, acredita o diretor-presidente da Aeromot, Claudio Barreto Viana.

Ribeiro recorda que a empresa fez parte do projeto do jato AMX, da FAB. “A Aeromot era muito forte, não só pelo Ximango. Também prestava serviço para a Embraer, que tinha um controle rigoroso de qualidade”, recorda o diretor. A empresa chegou a montar drones (veículos aéreos não tripulados) para a Marinha. Ribeiro considera que a fábrica teve tradição em treinar e empregar profissionais formados nas universidades locais.

A pasta de Desenvolvimento se move em torno do projeto de fabricação de microsatélite, com AEL (da israelense Elbit), Digicom e Getnet. Só para estudos a demanda é de R$ 43 milhões. A tentativa de obter mais verbas da Finep acabou frustrada. O secretário Mauro Knijnik negocia aportes do Bndes, com quem se reuniu na sexta-feira passada, no Rio de Janeiro. “Se tivermos sinal verde, atrairemos fornecedores”, ambiciona Knijnik. O diretor do curso da Pucrs opina que a Aeromot poderia reforçar o polo.

O diretor-geral da ESPM-Sul, Richard Lucht, engenheiro aeronáutico de formação, avalia que falta maior convicção dos governos estaduais e federal sobre o impulso ao setor, cujo trunfo é a inovação permanente, mas que precisa de investimentos. “O setor aeroespacial e aviação são a joia da coroa do governo dos Estados Unidos, e, para preservar indústria e fornecedores, há esforço deliberado mesmo em tempos de mercado contraído”, contrasta Lucht. Mais do que apoiar a retomada da Aeromot ou o projeto de microsatélite, o diretor-geral da ESPM-Sul sugere a integração ao polo de São José dos Campos, maior do País, onde fica a Embraer. O engenheiro mecânico e professor da Ulbra Nestor Rancich, remanescente da Aeromot, cita que a “cultura aeronáutica” está no DNA local. “Mas um investidor que se interesse pela Aeromot precisa ter certeza das perspectivas de produção.”

Nota DefesaNet – Matéria relevante:

AVIÃO DA AEROMOT VAI SER FABRICADO NA CHINA Link

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