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Reflexões sobre a Paralisia Estratégica

Nota DefesaNet

Texto republicado pela importância para o Brasil no momento atual. Fundamental para entender alguns movimentos da Guerra Híbrida atualmente em curso no Brasil.

O Editor

Prof. Fernando G. Sampaio

1. Os Estados Unidos são, atualmente, a potência econômica, militar e tecnológica líder do mundo. Não se sabe quanto tempo esta situação vai persistir. Porém, à luz do conhecimento histórico, estas fases de dominância por uma potência líder podem durar até um século, ou mais. Dado o domínio em ciência, tecnologia e cultura, somos de opinião que a posição atual dos Estados Unidos, que se consolidou depois da implosão da antiga União Soviética, é um dado com que temos que contar como permanente, pelo menos, no horizonte de nossa geração.

Portanto, somos obrigados a seguir políticas e a fazer planejamentos estratégicos dentro de um mundo essencialmente unipolar quanto ao poder dominante, em que pese a análise geopolítica nos mostrar que existem, num horizonte médio de tempo(aproximadamente meio século), acentuadas modificações quanto ao peso relativo de outrospaíses, nomeadamente, a China Popular, a Democracia Hindu e, talvez outros países de médio porte, em que não se pode excluir o Brasil, se o nosso país conseguir reencontrar um Projeto Nacional, que, por enquanto, não mais existe.

2. Nesta quadra geral, tomamos como tema para reflexão, hoje, o processo pelo qual os Estados Unidos conduzem suas guerras contra outros países, o que está desconectado completamente, da questão da Guerra contra o Terror Global, que é a verdadeira Quarta Guerra Mundial, que não tem limites no tempo para terminar e que se trava em todo o planeta.

3. Os Estados Unidos, já que possuem a disponibilidade econômica-científica e militar, resolveram, quando se trata de atacar outro país, seguir as seguintes principais linhas:

1º – o ataque preventivo é, agora, aceitável.

2º – este ataque deve conduzir a uma paralisia estratégica.

4. O que é paralisia estratégica? Podemos defini-la como um uso de alta tecnologia bélica, destinada a destruir, o mais rapidamente possível, a possibilidade de um governo comandar suas forças militares, pela destruição do próprio centro de governo e de todo o sistema de comunicações, controle e inteligência do país atacado.

A paralisia estratégica é, pois, uma expansão dramática da antiga guerra relâmpago (blitzkrieg) da doutrina alemã, que visava um ataque decisivo contra a frente adversária, para – por meio de pinças, penetrar profundamente na retaguarda, destruir o apoio administrativo/logístico e o sistema de comando da força oponente.

Agora, trata-se de penetrar no sistema organizacional do país inteiro e provocar o colapso não de uma frente e a captura de um ou outro corpo de exército, mas da captura de um país inteiro.

5. A Paralisia Estratégica é, pois, a culminância dos princípios de Sun Tzu sobre ganhar as batalhas quase sem combater, pela dominação moral sobre o adversário. É, também, a culminância da guerra de manobra, pois permite derrotar inimigos até numericamente superiores e profundamente entrincheirados e organizados no terreno, cegando-o, pela destruição do sistema de inteligência e alto-comando.

6. Os proponentes desta estratégica destruidora foram os coronéis John Boyd, já falecido e o ainda ativo coronel John Warden III, atualmente na reserva da Força Aérea Norte-Americana. Conhecido nas rodas estratégicas como “ O Senhor dos Anéis”, Warden atuou como planejador nas campanhas do Golfo Pérsico, que foram, respectivamente, a atuação de forças sob o comando da ONU para atacar as tropas invasoras do Iraque no emirado do Kwait e a posterior campanha que todos temos bem viva para destruir o regime ditatorial de Sadam Hussein e modificar totalmente o quadro institucional dentro do Iraque e o quadro estratégico e geopolítico da região, por razões que depois poderemos abordar.

7. O êxito alcançado em pouco tempo e com poucas mortes tanto nas tropas atacantes como sobre as adversárias e, ainda, o pequeno número de mortes entre a população civil, são as características mais evidentes deste tipo de emprego do poder principalmente aéreo e de altíssima precisão.

Com efeito, todo o cerne da paralisia estratégica está na capacidade das armas muito letais e extremamente precisas que os Estados Unidos dispõem atualmente em seu arsenal e que nenhum outro país do mundo pode contrabalançar.

Para termos uma idéia mais precisa do que significa isto, reproduzimos o quadro seguinte de um artigo do próprio coronel Warden:

As aeronaves dotadas de stealth realizaram menos de 2% das surtidas de combate… mas atacaram mais de 40% da base de alvos fixos. Fonte: reproduzido de “Transformação da Força Aérea” – Passado, Presente e Futuro,Major General David A Deptula, USAF (2º trimestre de 2002): 11-19

8. Como se observa, 43% da base de alvos atacados na primeira campanha do golfo, foram destruídos por apenas 2% de aviões atacantes, os famigerados “aviões invisíveis” (ao radar convencional).

A este ataque com tripulações humanas, existe uma suplementação de destruição ocasionada por mísseis de cruzeiro e alguns ataques e outras ações ofensivas efetuados por aviões-robôs experimentais. Percebe-se que os americanos estão, agora, capacitados a destruírem a infra-estrutura adversária com poucos ataques de muita precisão em curto espaço de tempo.

Eles impõem, portanto, ao adversário, aquilo que já abordamos em uma palestra de anos atrás, isto é, a aceleração do tempo. Com suas tropas tem possibilidades de operar, seja pelo ar, seja por terra ou pelo mar, durante 24 horas, o impacto da destruição ocasionado, de forma contínua, impede a força atacada e o seu governo, de obterem uma pausa qualquer, – mesmo a noite – para poderem se recompor, quer física quer mentalmente.

É esta combinação que conduz a desmoralização, portanto, a perda do moral de combate (e daí, instala-se o espírito de derrota e rendição) e a impossibilidade de reparar, eficazmente, o aparelho físico de comando, transportes, logística e comunicação para exercer, de fato uma ação militar contra o ofensiva americana.

O tenente-coronel David S. Fadok, escrevendo também para o já citado “Aerospace Journal” acentua: “ juntas, as teorias de paralisia de Boyd e Warden representam um deslocamento fundamental na evolução de idéias do poder aéreo estratégico, da ênfase na guerra econômica para a ênfase na guerra de controle.” (A busca da paralisia estratégica pelo poder aéreo, AJ, 1º trimestre de 2001, p. 24).

Observem que o coronel Fadok fala claramente na questão da busca do controle. Ao contrário do bombardeio estratégico, introduzido maciçamente na 2º Guerra Mundial, que visava destruir a produção de combustíveis, fábricas de equipamento militar e sistemas ferroviários e outros meios de comunicação, agora, o que se busca, essencialmente, é obter o controle sobre todo um país.

Para controlar este país, ou qualquer outro: “ a paralisia estratégica nem é uma estratégia de aniquilação nem de desgaste, mas um terceiro modo de fazer a guerra. Ela não busca uma decisão rápida por meio da destruição das forças armadas inimigas em combate. De maneira semelhante, não busca uma decisão por cansaço, mediante a exaustão do inimigo pela alternância contínua entre os polos de batalha e manobra.

Em contraste com ambas, busca uma decisão rápida por meio da incapacitação inimiga, fundindo a batalha e a manobra. Ultrapassa a batalha contra as forças armadas inimigas em benefício do ataque àquilo que sustém e controla essas forças armadas. A paralisia estratégica nem é pura batalha nem é pura manobra, mas uma fusão singular das duas: uma “batalha de manobra” contra o potencial de fazer a guerra.

Para resumir, observamos que a paralisia estratégica é uma opção militar com dimensões físicas e morais que tem a intenção de incapacitar, em vez de destruir o inimigo. Ela busca o efeito político máximo ou benefício político máximo possível com o mínimo custo ou esforço militar necessário. Além disso, tem por objetivo uma decisão militar rápida por meio de uma batalha de manobra dirigida contra a capacidade física ou mental que tem o adversário de manter ou controlar o seu esforço de guerra, para diminuir sua vontade moral de resistir…” (Fadok, artigo citado, p. 25/26).

9. Observamos que a doutrina americana é voltada, portanto, não é como na antiga “Blitzkrieg” alemã, isto é, contra as forças armadas. Ela é voltada para destruir o aparato de governo, o alto-comando militar é para destruir a moral geral, quer dos políticos, quer dos militares, quer da população, procurando anular sua vontade de resistir e cedendo, com o mínimo desgaste, ao posterior avanço militar terrestre, que se segue à ofensiva aérea, por aviões invisíveis, aviões-robôs, aviação convencional e mísseis de cruzeiro e outros. Isto tudo é suplementado por distribuição via aérea de folhetos incitando à rendição, emissões de estações de rádio que difundem noticiário na língua local para influir sobre a moral e para desinformar o inimigo e por ações profundas na retaguarda, por forças especiais (comandos).

Quando chega o momento da ofensiva terrestre final, esta se torna fulminante, ainda mais que executada dia e noite, e o dispositivo militar atacado desaba, com pouca batalha e, conseqüentemente, com poucas mortes entre atacantes e mesmo entre as forças atacadas, considerando a natureza e o volume de operações.

Isto é o que observamos nas duas campanhas militares americanas no Golfo Pérsico e, em ambas, observamos, igualmente, que a teoria de Warren e Boyd funcionou perfeitamente, em especial, pelo abatimento moral, que é criado, explorado e ampliado, pela força desta ofensiva altamente tecnológica.

10. O esquema, a seguir, tomado de “Resposta Militar “a Quarta Geração de Guerra: Afeganistão”, do tenente-coronel Greg Wilcox e coronel G. I. Wilson, respectivamente, do Exército e do Corpo de Fuzileiros Navais, EUA, in “Military Review”, revista da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército dos Estados Unidos, 1st Quarter, 2004, p.46:

11. Observe-se que a chamada “essência do conflito moral”, por John Boyd é fortemente apoiado em sociologia e psicologia. Ele deixa claro que o domínio das chamadas ciências humanas é, hoje, essencial, para o tipo de guerra altamente tecnológica que os Estados Unidos travam. Assim, todo o espectro dos conhecimentos humanos, as ciências exatas, a tecnologia e as ciências humanas, são voltadas de forma consciente e organizada para travar e vencer a guerra, como até então nunca se tinha visto.

Ainda assim, Boyd argumenta, que estes princípios são muito antigos e lembra que os mongóis, a maioria de forças guerrilheiras e igualmente, algumas forças anti-guerrilheiras, utilizaram estes princípios, que é gerar uma ameaça, fomentar a incerteza sobre onde estas ameaças se concretizarão, para, assim, fomentar um clima geral de desconfiança e suspeita, que acaba se voltando contra as próprias lideranças políticas e militares, destruindo, no decurso do processo o que ele chama de “conjunto orgânico”, isto é, a totalidade de um sistema nacional para se opor a um inimigo. Ele é muito claro: o alvo é o comando, o mecanismo de ação e a paralisia, pela aceleração temporal do conflito e o resultado que se busca é o colapso moral e, conseqüentemente, a alteração da política do governo atacado, isto é, fazer com que ela passe de beligerante para a rendição.

12. No artigo “Guerra de Quarta Geração”, da MR, já citado, os coronéis Wilcox e Wilson, deixam claro: “ introduzir-se nos ciclos de observação, orientação, decisão e ação do inimigo, em todos os níveis, sendo o mais sutil, menos evidente, mais irregular e mais rápido – e mesmo assim, parecendo ser o contrário” (p. 47).

O que vem a ser esta introdução nos ciclos de controle do inimigo?

Isto é o já famoso e conhecido “Ciclo OODA de Boyd”, cuja esquematização reproduzimos a seguir, conforme o Aerospace Journal do 1º trimestre de 2001, p. 29 (cel. Fadok ):

A essência deste esquema é fazer entender que quem quer que, de forma repetida, oriente, decida e aja da forma mais rápida e com exatidão, sabendo o que deseja obter, superará o inimigo e obterá a vitória.

Boyd diz que o seu ciclo, implementado, permite “dobrar o oponente contra ele próprio e torna a reação do inimigo imprópria para a situação real que está enfrentando, já que, pela rapidez e ambigüidade da ação, ele não é capaz de compreender, exatamente e em tempo útil, o que está sendo realizado na batalha para derrotá-lo. O ponto fundamental, nesta ação toda para conseguir vantagem na velocidade e na precisão, neste ciclo OODA – e portanto, o ponto básico para obter a vitória, é ser dono de uma orientação geral que seja ao mesmo tempo, eficiente e eficaz.

13. Para isto, diz Bod, é essencial possuir uma Orientação Correta. O que ele quer dizer com isto?

Que as imagens mentais que construímos sobre a realidade e que são configuradas pela nossa experiência pessoal, heranças genéticas e tradições culturais, em especial as dominantes, permitem-nos examinar o mundo de um determinado número de perspectivas de tal modo que possamos gerar imagens ou impressões mentais que correspondam a realidade deste mundo.

Não se pode, portanto, alimentar utopias, fantasias, sonhos e visões parciais, dogmáticas ou ideológicas, pois isto deforma a percepção, conduz a seguir orientações não adequadas à realidade do mundo, e conseqüentemente, geram a derrota. Diz Boyd: “ Se isto for bem feito (a imagem do mundo, na realidade) torna-se a chave para vencer, em vez de perder. Se for extraordinariamente bem feito, isto se torna a marca do gênio. “ (Fadok, p. 29)

14. Abrimos aqui um parêntesis para reflexão sobre como está teoria de guerra, na realidade, pode ser aplicada ao mundo da política, particularmente, no caso atual do Brasil. Sem orientação que corresponda a realidade do Mundo Globalizado, as ações políticas serão empreendidas de tal sorte que levarão à derrota, se aplicando isto, particularmente, aos problemas de inserção nos Blocos Econômicos (questão da CE e da Alca) e nas Guerras Econômicas (atual questão da soja com a China, por exemplo).

15. Voltando ao esquema anterior e ao cerne da teoria de Boyd, vejamos o que ele quer dizer com o seu pensamento. Ele sustenta, na verdade, que pode-se representar todo o comportamento humano racional, seja de indivíduos seja de organizações, até mesmo países, como um ciclo que é contínuo e que inclui quatro principais tipos de tarefas que são distintas, mas complementares:

1º – observação

2º – orientação

3º – decisão

4º – ação

Observemos que no centro do processo de Orientação, está o círculo da ação criativa e destruidora. Isto pode ser interpretado de duas formas, aqui:

1º – criação é a visão organizacional

2º – destruição é o ato de se livrar do obsoleto

No caso militar:

1º – criação: forças adequadas e domínio do controle

2º – destruição: fazer o domínio do controle atuar sobre a mente do adversário, destruindo o seu controle e levando ao colapso de comando ( e moral ).

Boyd argumenta que nós podemos obter supremacia se tivermos, como vimos, no processo de criação/destruição, agindo de conformidade com o mundo real, tal como ele se apresenta em nosso tempo, em nossa época. Diz ele: “Os descompassos entre o mundo real e nossas imagens mentais desse mundo geram respostas inadequadas.

Estas, por sua vez, produzem confusão e desorientação, que, então, diminuem tanto a precisão quanto a velocidade do subseqüente processo de tomada de decisão. Se não forem corrigidas, a desorientação expande-se uniformemente pelo nosso ciclo OODA, isto é, observação, decisão e ação, até que ele se torne, afinal, armadilha mortal”. ( Fadok, p. 30 )

O ciclo OODA nos mostra, ainda, que é a orientação, que tem como base fundamental nossa visão (adequada) do mundo, que permite controlar, por um lado a observação, pois saberemos o que observar e introduziremos novas informações e visões sobre nosso alvo (ou objetivo). Por outro lado, a orientação, assim alimentada, controla, também a decisão, já que fornece a imagem mental adequada para que esta decisão conduza a uma ação que seja eficaz.

Como se observa, esta ação desencadeada sobre o meio ambiente (seja ele o campo de batalha ou a nação administrativa interna ou ainda, as relações internacionais, etc) produzirão, ou não, uma interação, que vai retroalimentar o que temos que observar (resultados da ação + orientação anterior) permitindo o ajuste das imagens mentais para o desencadeamento de novas ações que produzam interação e sejam, desta forma, eficazes para satisfazer aquilo que nós desejamos (ou seja, de acordo com nossa orientação, que deve produzir imagens mentais adequadas para com a realidade).

16. É vital, neste processo, chamar a atenção para um ponto em que o Brasil sofre estrangulamento:

INFORMAÇÕES NOVAS – Nossos ciclos de informações (universidades e imprensa) são muito pobres e reagimos, muito, baseados em nossa experiência passada (informações antigas), herança genética e tradições ou ambiente cultural (pobre). Estas reflexões são importantes e devem ser feitas por todos nós com profunda seriedade. Não quero cansá-los, mas gostaria de chamar a atenção, aqui, para um livro de grande importância, no entanto, talvez, já meio esquecido.

Trata-se de “Uma Era de Descontinuidade: orientações para uma sociedade em mudança”, de Peter F. Drucker, Zahar Editores, 1974, onde o conhecido analista afirma: “o fim da continuidade… nossa época, como todos nós concordaríamos, é uma época de mudanças importantíssimas, na política e na ciência, na visão do mundo e nos mores, nas artes e na guerra… e na economia… ” (p.15).

Diz mais: “Nas economias tradicionais o único risco é a falta de informações sobre o passado e sobre o presente; e o objetivo da política econômica é a minimização do risco. Mas, quando admitimos o crescimento, admitimos a incerteza, quer dizer, supomos que os recursos atuais estão vinculados a um risco genuíno porque estão obrigados a construir um futuro diferente e impossível de ser conhecido.” (p. 170). Ele nos diz muito mais e poderíamos ir longe nestas reflexões, mas nos afastaríamos da questão em foco, que é a guerra, como praticada atualmente pelos Estados Unidos.

Entretanto, não podemos deixar de frisar que, hoje, mais do que nunca, o pensamento não pode ser setorial. Estamos vendo como a aplicação do conhecimento humanístico é aproveitado para ganhar a guerra. Isto é uma enorme lição, que devemos aprender, sob pena de sermos eternos perdedores, neste Mundo Globalizado. Druck lembra que: “devemos construir o futuro e não defender o passado” (p.171). e ainda lembra mais: “ atualmente, o instrumento de controle é antes o conhecimento do que a “propriedade” tradicional. ( p.171).

Não é demais citar e recomendar que se leia o famoso Simon Kuznets, cujo “Crescimento econômico: ritmo, estrutura e difusão” (Abril Cultural, Coleção Os Economistas, SP, 1983), possui todo um capítulo intitulado “A difusão do crescimento econômico moderno” (cp. nono), onde chama a atenção que este crescimento se dá, com o salto para a sociedade afluente, devido ao progresso do conhecimento e não, frisa ele, por causa do capital ou do trabalho. É o salto nos conhecimentos, na inovação ( na ciência, tecnologia, cultura ), que propicia o crescimento da produtividade e daí, a afluência e a distribuição subseqüente da renda.

OBSERVEM que tanto Drucker quanto Kuznets empregam palavras, tratam de conceitos, discutem os problemas de:

a) visão do mundo e mores ( costumes );

b) incerteza e construção do futuro;

c) salto nos conhecimentos (informações novas).

ESTES SÃO OS MESMOS PRINCÍPIOS BÁSICOS QUE OS AMERICANOS APLICAM, SEGUNDO AS TEORIAS DE BOYD E WARDEM PARA GANHAR AS GUERRAS. Isto só serve para mostrar a necessidade premente de possuirmos o que nós chamamos de “pensamento geopolítico e estratégico para o século XXI”.

17. Boyd diz que: “nossa concepção de guerra tem por objetivo deixar o inimigo impotente, negando-lhe tempo para colocar-se mentalmente à altura das circunstâncias da guerra, que se desenvolvem rapidamente e, naturalmente, são incertas. Nossas operações militares tem por objetivo, assim:

1º – criar e perpetuar um estado de coisas altamente fluido e ameaçador para o inimigo e;

2º – desestruturar ou incapacitar sua habilidade de adaptar-se a este ambiente. Para isto quatro qualidades fundamentais são essenciais para o bom êxito:

a) iniciativa

b) harmonia

c) variedade

d) rapidez

Além disso, tomando emprestado Sun-Tzu, insiste em que a pessoa pode usar o atrito para configurar o conflito a seu favor, criando e explorando os atritos que o oponente enfrenta: Então ele relaciona esta idéia de minimizar os atritos entre as forças amigas e maximizar os atritos entre as forças inimigas, utilizando suas qualidades fundamentais de iniciativa de iniciativa, harmonia, variedade e rapidez.” (Fadok, p 28).

O objetivo destas ações é produzir o seguinte quadro:

Como se faz isto? Em primeiro lugar, o comandante amigo minimiza seu próprio atrito, pela combinação de iniciativa e harmonia de resposta. Com esta diminuição, ele obtém um ganho, que é acelerar o seu próprio ciclo, tornando a ação mais veloz. Em seguida, ele precisa maximizar o atrito entre o inimigo e ai utiliza, então, a variedade aliada a rapidez das respostas, ao que o inimigo fizer.

Este atrito sobre o ciclo do inimigo vai terminar por tornar lento ou até muito lento o ciclo de decisão e ação de respostas dele. Como resultado, esta “manipulação do atrito” conduz a confusão e desordem no campo inimigo e no final, produz pânico e temor ( a célebre expressão, pouco entendida. Medo e Pânico ou Medo e Terror ) e com isto, conduz ao colapso da moral e cessa a resistência, que é o resultado desejado.

18. Com isto, Boyd afirma que é possível “controlar o tempo”. Para o inimigo, o tempo corre lentamente e para a força amiga, atacante, o tempo corre acelerado. O resultado final, desta incorporação da noção de tempo como arma, é a possibilidade de destruir o adversário rapidamente, e portanto, com poucas mortes e com pouco dano colateral, portanto, sem destruir o país, como na 2º Guerra Mundial, mas apenas as estruturas fundamentais, conforme o esquema dos anéis:

 

1 – liderança

2 – elementos orgânicos essenciais

3 – infra-estrutura

4 – população

5 – forças desdobradas

Diz o coronel Fadok que: “analisando o inimigo como sistema, Warden sustenta que se pode decompor todos os entes estratégicos em cinco partes componentes. O elemento mais crucial do sistema – o anel mais interno – é a liderança. Estendendo-se para fora, a partir do centro, com importância decrescente para o funcionamento global para o sistema, estão os anéis de elementos orgânicos essenciais, infraestrutura e população e, finalmente, forças desdobradas. Em cada anel existe um COG, isto é, aquele ponto onde o inimigo é mais vulnerável e onde o ataque terá mais chance de êxito, de ser, enfim, decisivo, pois representa, enfim, o eixo de todo o poder e movimento para anel específico.” (Fadok, p.33)

O que fica claro é que o ponto decisivo é sempre a liderança. No caso particular das campanhas do Golfo, como sabemos, os ataques iniciam com o envio de mísseis de cruzeiro muito precisos, que atacam o QG de Sadam Hussein e as centrais de comunicações, matando, destruindo ou anulando, parte significativa do alto comando e os sistemas de rádio-telefonia.

Isto ocasiona paralisia física total do sistema como um todo e pressão intolerável, diz ele, sobre a liderança, já que ela está parcialmente destruída e sem ter elementos para exercer o comando e o controle sobre suas próprias forças. Este tipo de ação vai ocasionar a mudança involuntária/voluntária no sistema de defesa do inimigo, que é o objetivo da guerra:

19. É importante voltar a frisar a importância da aceleração do tempo, que, no aspecto tático, vai proporcionar um grande impulso para o avanço posterior à decapitação estratégica dos anéis. A velocidade que as tropas atacantes podem possuir, no caso americano, aliada `a destruição da coordenação, comando, controle, comunicação e inteligência do inimigo, permite uma série de vantagens, O capitão Mark McNeilly, em “Sun Tzu e a arte da guerra moderna” (Record, RJ. 2003, p. 136), em seu capítulo sobre deslocar-se com rapidez para vencer a resistência, nos apresenta o seguinte esquema, de alto valor:

A destruição estratégica, abre, no campo de batalha, a possibilidade de diminuir os recursos empregados. Isto é, o montante de tropas atacantes é menor do que as tropas em defensiva, ao contrário dos ensinamentos clássicos, que mostravam que para Velocidade Proporciona choque e surpresa. superar posições defensivas era necessário dispor, de até 3 ou 5 vezes maior efetivo e poder. É que no quadro desorganizado, proporcionado pelo ataque estratégico anterior dentro da teoria de Warden/Boyd, a velocidade permite:

1º – utilizar menos recursos

2º – explorar oportunidades

3º – explorar as fraquezas

4º – obter efeito de choque grande

5º – obter a surpresa (o inimigo está sem comando e informações –inteligência)

6º – cria-se um grande momentum, que leva de roldão a defesa e provoca desmoralização e rendição, com pouco combate.

Diz o capitão MacNeilly: “na guerra, a velocidade é essencial… além do mais, a própria natureza da guerra é uma mudança constante, que testa a capacidade de um líder e de um exército para reagir, adaptar-se e aproveitar-se dela” (p. 135). Isto é, cada vez mais possível ao comando americano, porque ele está capacitado a destruir o sistema inimigo, de dentro para fora. Destoando a liderança, destrói-se, também, a “vontade nacional” e, com isto, torna-se inútil a capacidade militar, já que ela fica desconectada desta vontade nacional, que se torna propensa à rendição.

Observamos que os americanos estão dominando, também, o conhecimento cibernético, que é, em última análise, a capacidade de controle e comunicação, o homem, nas sociedades e nas máquinas. O professor Charles R. Dechert, em “O impacto social da cibernética” (Block Editores, Rio de Janeiro, 1970), já se dizia que: “o computador não está de modo algum no âmago da Cibernética. O cerne do assunto é algo que pode aparecer muito esotérico, mas, não obstante, é de inestimável importância. Isto é, é uma capacidade recém descoberta de compreender a natureza da informação… (p. 15)

Esta obra nos proporciona, ainda, o seguinte esquema, que vai ajudar a clarificar e entender – melhor ainda – o ciclo OODA de Boyd:

Por outro lado, o seguinte esquema nos permite observar, com outra perspectiva mais ampla, aquele sistema reducional dos anéis, que Warden criou para orientar o sistema de ataque americano contra uma nação, para paralisá-la e dominá-la em curto espaço de tempo:

O esquema nos permite observar, ainda, que paralisando o centro e alguns dos sub-centros, pela teoria de Boyd/Warden, é possível dominar o país, sem ter que destruí-lo completamente, o que significa que a guerra pela paralisia estratégica é, de certa forma, mais humana ou menos sanguinária e geradora de miséria e destruição que as formas anteriores de guerra. E, em tal sentido, é uma melhoria. Exceto para as nações que são alvo dos ataques preventivos da potência dominante, é claro.

20. Como conseqüência desta ordem de conhecimentos e da aplicação da teoria da destruição dos centros decisórios, o coronel Fadok, diz que os americanos obtiveram as seguintes lições/conclusões, já logo depois da Operação Tempestade no Deserto (campanha do Kwait): “um refinamento ulterior de sua teoria de estratégia aérea ocorreu logo depois da Tempestade do Deserto. Warden colheu da Guerra do Golfo, diversas lições que influenciaram seu pensamento.

Entre as mais relevantes estavam:

1º – a importância dos ataques estratégicos e a fragilidade dos Estados em nível estratégico;

2º – as conseqüências fatais de perder a superioridade aérea estratégica e operacional;

3º – os efeitos arrasadores da guerra em paralelo, quer dizer, o ataque quase simultâneo aos centros de gravidade ( COGs ) em todo o teatro de operações;

4º – o valor da tecnologia stealth (aviões ditos invisíveis à maioria dos sistemas de radar);

5º – o valor do armamento de precisão e sua influência para redefinir os princípios de massa e surpresa;

6º – a predominância do poder aéreo como força principal, em nível operacional e estratégico, na maior parte dos conflitos, mas não em todos eles, no próximo quarto de século ou meio século. ” ( Fadok, p.34 ).

Outros estudiosos chamaram a atenção para outros aspectos, também muito importantes. O coronel Pat Pentland, enfatizou que: “os fatores sócio-culturais determinam tanto a forma, ou estrutura, do inimigo, quanto o processo, ou dinâmica, pelo qual opera” (ob,.cit.p.34).

Esta última declaração é muito importante, pois significa o reconhecimento implícito da questão do chamado “choque das civilizações”. A estrutura e a dinâmica das forças iraqueanas eram culturalmente muito atrasadas e, muito embora, tenham obtido êxito na guerra contra o Irã, isto se deve ao fato de serem, ambos, potências locais com o mesmo tipo básico de cultura e que podiam, assim, prever as reações, os métodos, enfim, a estratégia e as táticas que um operava contra o outro.

Já no caso do enfrentamento com os americanos, a liderança do Iraque (notadamente Sadam Hussein) não sabiam contra o que estavam abrindo hostilidades e o nível de capacitação americana para estudar não só o emprego de suas forças armadas, mas também, a capacidade de estudar antropologicamente o adversário e atuar sobre suas fragilidades estruturais e dinâmicas, permitiu-lhes obter êxito total e rápido na guerra.

21. Entretanto, a paz não foi construída, pela simples razão que atacando o Iraque, os Estados Unidos tem objetivos estratégicos, quer sobre o fluxo de petróleo no Oriente Médio, quer a montagem de bases próximas da região da Ásia Central, o futuro bloco de conflitos, onde existe a maior reserva não explorada de petróleo no mundo (antigas repúblicas soviéticas) e de onde tal petróleo, por oleodutos (e futuros gasodutos), se escoa tanto para a China Popular como para a democracia Hindu.

Por outro lado, ainda, o ataque americano a um país muçulmano, fez com que o mesmo Mundo Muçulmano e suas lideranças mais xenófobas e fundamentalistas, vejam o mundo sob uma ótica de choque civilizacional. Neste sentido, eles se ressentem – profundamente – e mais uma vez, do poder do Ocidente e, por sito, embora vitoriosa, a campanha do Iraque vai terminar por reativar e ampliar a Quarta Guerra Mundial em curso, que é a do Terror Global, conforme já definimos em palestra anterior.

Devemos lembrar que o historiador Carrol Quigle, em obra de 1961, lançada no Brasil em 1963 – A Evolução das Civilizações – (Ed. Fundo de Cultura, RJ), já dizia: “ a Civilização Islâmica culminou no Império Otomano e foi desmantelada por intrusos da Civilização Ocidental, na primeira metade do século atual.” Daí porque a AL-Qaeda e outros falam em refundar o Califado, mas isto seria um assunto para outra palestra conferência.

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Apêndice – A doutrina de Warden para a guerra atual e futura.

De: A nova força de segurança americana – Cel. John A. Warden III, USAF – in Aerospace Power, Maxwell AFB, US – 4º tri/2000.

Sumário da Nova Força de Segurança Americana

Características de força desejadas . As forças militares dos Estados Unidos devem ter as seguintes características

• Capacidade de conduzir operações em torno do planeta com pouco ou nenhum tempo de aviso prévio

• Capacidade de levar a efeito operações bem sucedidas sem depender de bases no exterior

• Uma série de capacidades ofensivas e defensivas que nenhum agressor real ou potencial tenha sequer uma pequena chance de derrotar.

• Capacidade de impor paralisia operacional e estratégica a qualquer adversário em 24 horas ou menos

• Mistura de armas letais e não-letais que tenham precisão de impacto e precisão de efeito (caiam onde devem cair e produzam apenas os danos necessários para alcançar os objetivos)

• Capacidade de capitalizar a tecnologia para que a tarefa a ser feita o seja em tempo mínimo, com o mínimo risco e com tão poucas pessoas expostas ao fogo inimigo quanto o possível

• Capacidade de ser altamente assimétrico em relação aos adversários potenciais. Novo tratamento. Os avanços na tecnologia e a necessidade de ter uma força global capaz de derrotar qualquer agressor futuro permitem e exigem um novo tratamento de dimensionamento e aquisição na força

• Não é possível predizer que inimigos potenciais aparecerão ou que capacidades terão; assim, a estrutura de força dos Estados Unidos não pode mais ser baseada em resposta a uma ameaça como era durante a guerra fria

• A mais alta probabilidade de derrotar um adversário futuro virá de ter múltiplas plataformas e armas de ataques (e defesa) que utilizem a tecnologia mais moderna. Os inimigos potenciais terão pequena ou nenhuma chance de desenvolver defesas apropriadas

• Para aproveitar a tecnologia mais moderna, precisamos abreviar os ciclos de desenvolvimento de armas (não mais de 1 a 3 anos, como no caso do SR-71, U-2, F-117 , Boeing 777 e GBU-28)

• Em 2010 os Estados Unidos podem ter um mínimo de 8 a 10 novas plataformas de armas importantes (no ar, em terra, no mar e no espaço) e um número maior de novas armas (bombas, raios e outros instrumentos). O impacto dessa força em um oponente pode ser muitas vezes maior do que é possível atualmente.

• Cada novo sistema de plataformas terá apenas um pequeno número de “veículos” (não mais de 20 a 30, na maior parte dos casos). Linhas de produção pequenas e para utilização uma única vez signific am que muitas companhias novas podem participar, porque não precisam de muito espaço, sobrecustos e compromissos financeiros por décadas, que são os requisitos da indústria de defesa hoje em dia. Pequenos números são possíveis porque cada um dos novos sistemas é altamente produtivo — muitas vezes mais produtivos do que a maior parte dos sistemas atuais

• O custo de um amplo acréscimo na capacidade acoplado a um significativo decréscimo no tempo de reação será menor, em termos anuais, do que os das forças de hoje (inclusive plataformas, pessoal, manutenção de bases, aquisições, etc.) e será uma percentagem decrescente do produto interno bruto

• O desenvolvimento e a colocação em campo dessa força pode ser feito mas, apenas, com novo tratamento da estratégia e das aquisições. Isto também exige uma transformação cultural — a capacidade de caminhar do conceito de força nascido na era industrial para outro nascido na era dos computadores e não medido pelo número de coisas ou pessoas que há nela, mas pela sua capacidade de afetar um adversário

• A Nova Força de Segurança Americana cria o futuro.

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