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General Santa Rosa: Governar não é ação entre amigos


Chico Alves
Colunista UOL

Um presidente inacessível a seus colaboradores mais qualificados, por causa da intervenção de jovens que filtram o acesso a ele; o planejamento estratégico do país deixado de lado por falta de apoio do Ministério da Economia; a principal autoridade da República cada vez mais isolada pela coleção de amigos que se tornaram inimigos.
 
Esse é o cenário descrito pelo general da reserva Maynard Santa Rosa, que demitiu-se da Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo Bolsonaro no início de novembro. Um dos nomes mais respeitados pelos oficiais superiores das Forças Armadas, ele concedeu à coluna a primeira entrevista desde que deixou a SAE.
 
Na conversa, expôs o descaso com que o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, tratou o planejamento que traçou. "Torço para que o governo dê certo, mas se acontecer vai ser por acaso", prevê.
 
O plano de sete prioridades que apresentou em janeiro ao presidente acabou não indo a frente, apesar do "ok" de Bolsonaro no documento. "Ele assinou sem entender bem o que estava assinando", acredita Santa Rosa.

O general diz que a forma como ele e o general Santos Cruz deixaram o governo não fará com que a cúpula das Forças Armadas deixe de apoiar a gestão atual, mas acredita que "enfraquece um pouco aquela esperança do estamento militar na recuperação do pais.

UOL – Por qual motivo o sr. decidiu deixar a Secretaria de Assuntos Estratégicos?
 
Maynard Santa Rosa – Isso foi o resultado de um processo relativamente longo. Porque, quando chegou esse ministro novo, o doutor Jorge Oliveira, na Secretaria-Geral, ele trocou todos os quadros mas não mexeu na minha Secretaria de assuntos estratégicos. Em compensação, passou a estrangular a secretaria. Por exemplo, os nossos trabalhos não tinham sequência, ele não dava prosseguimento. Nós ficamos impedidos de ter acesso ao presidente, porque não havia oportunidade.
 
Depois, começou um processo lateral de cooptação dos nossos talentos, alguns civis de muito boa qualidade técnica foram sendo cooptados para cargos melhores no governo, no próprio palácio, quase todos. E não foram substituídos. Os nossos processos propondo substitutos não prosseguiram.
 
O sr. reclamou com o ministro Jorge Oliveira?

 
Eu pedi para falar com o ministro. Inicialmente, ele levou quase 30 dias para fazer uma primeira reunião. Depois dessa reunião, que não teve agenda, eu pedi para conversar com ele e a secretária marcou para dez dias depois. Disse para o ministro, na nossa conversa, que isso significava que ele tinha uma agenda muito atarefada e eu não ia mais atrapalhá-lo, não ia buscar contato com ele, ia mandar tudo por escrito. E assim foi feito.
 
Até que por último ele resolveu fazer uma reunião comigo e em sequência com os meus subordinados, que eram chefes de secretarias, mas sem me avisar. Quando aconteceu isso, na minha entrevista com ele disse que agradecia a oportunidade que me deram de ver o país de cima, uma oportunidade muito boa para estudar as questões do país, mas eu considerava que dadas as circunstâncias não contava mais com a confiança do governo. Sendo assim, não tinha mais o que fazer, que ele podia agradecer ao presidente por mim, e disse: "Tô fora". E saí.
 
Ele assustou-se, porque não imaginava que fosse acontecer isso. Daí a meia hora, quando fez a reunião com esses quatro companheiros subordinados, eles pediram para sair também. Ele foi de uma grande inabilidade. É muito educado, mas tem uma personalidade enigmática. A gente não sabe se ele está gostando ou não do que estamos falando. Como ele se interpôs como intermediário entre nós e o presidente. Queria controlar a minha agenda e vi que ficar enxugando gelo não adiantava. Creio que ele fez isso devidamente avalizado pelo presidente. Então, nessas circunstâncias, eu saí.
 
O sr. não teve acesso direto ao presidente Bolsonaro?
 
No início, sim. Depois foi ficando mais difícil, porque o presidente se cercou de um grupo de garotos que têm entre 25 e 32 anos que fazem uma espécie de cordão magnético em torno e filtram o acesso. Então, começou a ficar difícil. Mas como o ministro Jorge é do círculo próximo ao presidente, imaginamos que seria facilitado o nosso trabalho, porque por meio dele faríamos a interlocução. O que não aconteceu.
 
Quem são os "garotos" que filtram o acesso?
 
É o Filipe Martins (Filipe G. Martins, assessor especial da Presidência da República) e essa turminha que controla as redes sociais. Tem mais outros. Eles não alegam nada, simplesmente protegem e não chega na agenda do presidente.
 
Como avalia a contribuição de Filipe G. Martins para o governo?
 
Ele tem capacidade, tem potencial, mas não tem experiência. Não era ele que deveria dirigir a política de Relações Exteriores do Brasil. Deveria ser o Ministério de Relações Exteriores. Mas, infelizmente, é isso que está acontecendo. Isso faz com que o presidente não tenha uma visão do cenário condizente com a necessidade estratégica do país.
 
Quais as atribuições da Secretaria de Assuntos Estratégicos e em que estágio o país está nesse campo?
 
A nossa Secretaria tem por finalidade uma função de Estado, foi criada para isso. É pensar o futuro do país, estabelecer as metas sinérgicas e de efeito estratégico para propor ao presidente. Quando o ministro chegou, dentro desse contexto de estrangulamento da SAE, ele conseguiu um decreto que alterou a destinação legal da secretaria. Deixou de ser uma assessoria do presidente e passou a ser uma assessoria dele. Mas como a redação foi ambígua, porque preservou a destinação original, então nós ignoramos isso e continuamos trabalhando para o Estado e não para o governo. Finalmente, ele resolveu controlar a minha agenda e aí não foi possível.
 
Quais as propostas que em janeiro o sr. levou ao presidente Bolsonaro e foram aprovadas?
 
Levantamos aquilo que estava em atraso que precisava ser atualizado e vinha sendo postergado. Por exemplo, o Brasil tem o melhor sistema do mundo de processamento de urânio enriquecido, desenvolvido por cientistas da Marinha. No entanto, nós continuamos importando urânio enriquecido para as usinas e os fármacos que são radiativos nós importamos todos, mesmo tendo a melhor tecnologia do mundo. Colocamos como meta industrializar esse processo já existente.
 
Outra meta estratégica: quando a Argentina lançou no ano passado o nano satélite com foguete argentino e botou em órbita, nós, que sempre estivemos dez anos à frente da Argentina, passamos para trás. Estabelecemos a uma meta de ainda no governo Bolsonaro colocarmos um satélite em órbita com foguete nacional.
 
Vimos também o descaso que se tem com as moléstias tropicais, porque os laboratórios do Primeiro Mundo não investem porque eles não têm necessidade. Quem tem é o Hemisfério Sul. Temos capital intelectual, recursos técnicos e não é muito caro. Colocamos isso como parte da agenda estratégica.
 
Também vimos que nosso sistema de prospecção mineral no Brasil é uma caixa preta, que dá ensejo a alguns espertalhões, tipo Eike Batista, de ficarem ricos e um tesouro incomensurável que nós temos, que tem potencial para resolver a questão da dívida e até contribuir para o fundo atuarial da Previdência pública e não é trabalhado. Colocamos como meta um plano nacional de mineração. Verificamos que o Brasil só mapeou 30% do território. Mesmo assim, somos o sexto produtor mundial de urânio, o segundo de cobre e por aí vai É um trabalho barato de fazer. é apenas questão de foco e investimento. Colocamos isso como uma meta.
 
Tratamos também de defesa de ataques cibernéticos e formas de indução de um mercado interno na Amazônia.
 
Qual entrave impediu que esses projetos fossem em frente?
 
Passamos a enfrentar resistência do Ministério da Economia, do Ministério da Infraestrutura, não tivemos apoio. Queríamos incluir esses programas no Plano Plurianual, para poder garantir a implementação, que mesmo que houvesse atrasos. Foi feita, então, uma manobra postergatória de modo que quando terminou o prazo para o PPA nenhum desses projetos foi inserido.
 
O sr. falou com o ministro Paulo Guedes sobre isso?

 
Não tive oportunidade de falar diretamente com o ministro Paulo Guedes, porque existe uma inversão. O sistema de planejamento estratégico do Brasil infelizmente foi perdido. Em 20 anos, que o Brasil deu o salto de 37ª economia para 7ª economia por causa do planejamento integrado. Quando veio o processo de democratização, os governos foram perdendo o planejamento "top-down" (de cima para baixo), foram descentralizando. O xeque-mate foi o Fernando Henrique criar o Ministério do Planejamento. A antiga Secretaria de Planejamento da Presidência desapareceu e o presidente hoje tem menos poder do que o ministro da Economia. Então, quando se precisa de algum cargo, tem-se que ir de pires na mão pedir ao ministro da Economia. Quando precisa de recursos, a mesma coisa. Há uma inversão. Esse sistema que existe hoje "bottom-up" (de baixo para cima) teria que ser invertido. Isso foi uma das causas da resistência lá no governo. Ninguém quer perder o poder.
 
Houve resistência também do ministro Jorge Oliveira?
 
Não é só o ministro. No caso dele é uma questão de alcance e percepção. Ele não entendeu direito o papel da SAE. Mas ele não foi o maior problema. O problema foram as resistências de alguns outros ministros, como o da Infraestrutura, e a falta de apoio do centro de governo. Então, nós vamos continuar na mediocridade, o PIB aumentando muito pouco, quando temos potencial de crescer até 4%.
 
Por quais motivos o plano não foi à frente, mesmo depois da assinatura do presidente Bolsonaro?

 
Ele assinou sem entender bem o que estava assinando. Ele tem boa intenção, é um idealista, mas não tem uma consistência estratégica. Ele precisa ouvir quem tem. Não está havendo essa possibilidade.
 
A saída do governo em situações adversas do sr. e do general Santos Cruz pode fazer com que os militares deixem de apoiar o governo?
 
Não creio que tenha influência direta, não. Isso apenas enfraquece um pouco aquela esperança do estamento militar na recuperação do país e na decolagem que estava se imaginando. O Santos Cruz, devido às operações que ele fez no Haiti e depois no Congo, tornou-se um cara muito respeitado no mundo, tanto que de vez em quando o secretário-geral da ONU liga para ele para pedir opiniões. Ele não é conhecido no Brasil, mas no mundo é.

Ele saiu por razões pequenas, que nada tinham a ver com assuntos de Estado. Simplesmente porque queria controlar as verbas da Secom e o Carlos Bolsonaro queria direcioná-las. Ele não aceitou e terminou se indispondo.
 
O presidente é honesto, é idealista. Falta um pouco de consistência. Ele vai ter que entender mais para a frente que governar é muito mais que uma ação entre amigos. Isso, infelizmente, ele vai entender a duras penas. os amigos se transformam em inimigos e os inimigos se mantêm ativados. Então, vai crescendo a polarização contrária e ele vai ficando isolado. Como ele é inteligente, pode ser que ele acorde e passe a direcionar a coisa como devem ser.
 
O que achou da fala do ministro Paulo Guedes sobre a volta do AI-5?
 
Foram arroubos. O Chile foi apanhado de surpresa pela campanha terrorista que foi feita. O que foi comentado tem a ver com esse cenário. O que aconteceu no Chile é um ensaio para a grande ação que está sendo programada para o Brasil. Começou no Chile, mas houve na Bolívia e Colômbia. Imagino que o ministro Paulo Guedes tenha externado preocupação em relação a esse cenário caótico, uma conflagração.
 
Mas ele falou claramente em adoção do Ai-5…
 
Acredito que o ato institucional foi citado como símbolo. AI-5 não existe mais.
 
Como o sr. acha que vai ser a influência de Lula, agora em liberdade, nas eleições municipais do ano que vem?

 
O que a gente tem observado é que nos redutos eleitorais do PT, como é o caso da Bahia, ele está tendo decepções. Ele é uma liderança que passou. Não creio que vá afetar em nada. Eu, particularmente, considero que essa decisão do Supremo é inaceitável, consagra a impunidade e contraria frontalmente 90% da opinião pública. Foi um ato irresponsável.
 
O sr. não acha que se o Judiciário se guiar somente pela opinião pública corre o risco de fazer justiçamento em vez de justiça?
 
O que a opinião pública quer é que o criminoso cumpra a sua pena Veja: em alguns redutos, como no interior da Bahia, partiu-se para o justiçamento, que é uma aberração, por falta de credibilidade no processo de Justiça. Tem acontecido linchamentos quando pegam bandidos, por uma questão de se consagrar a impunidade.
 
Não acha que algumas falas mais agressivas do presidente Bolsonaro influenciam em casos assim?
 
Acho que é mais arroubo, não creio que tenha consistência para isso.
 
Qual a sua expectativa para a continuação do governo?
 
Torço para que o governo dê certo, mas se acontecer vai ser por acaso. Não há uma integração, uma ação planejada. Poderá dar certo pela qualidade dos ministros, pelo empenho do pessoal que está focado em suas áreas específicas. Não por uma questão de planejamento.
 
O que poderia levar o governo a retomar o planejamento?

 
Está previsto que o Brasil vai entrar na OCDE, é uma intenção do governo. Se isso acontecer, uma das cláusulas essenciais da OCDE é que ative o centro de governo, integração dos ministérios com a visualização do cenário que se quer construir e a implementação de programas para atingir essas metas de longo prazo. Aí vai ter que existir um planejamento estratégico. Isso vai obrigar os burocratas a despertarem para essa necessidade. Por um canal transverso vamos fazer o que tem que ser feito.
 
O sr. ficou magoado com sua passagem pela SAE, acha que faltou consideração?
 
Não houve uma consideração. Mas é direito de uma pessoa não ter consideração. Assim como tenho direito de não atender o telefonema do secretário dele. Não quer dizer que eu esteja revoltado. Uma coisa é a sua conveniência. Outra coisa é o interesse do país.

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