Coup d´Presse – O que vai sobrar do Exército Brasileiro?

Nota DefesaNet

Iniciamos duas séries especiais:

1 – Coup d´Presse – contendo publicações da imprensa contra as Forças Armadas, sempre com intuito de desinforma e desestabilizar,

E iniciamos e a segunda:

2 – Coup d´FHC com as ações conduzidas pelo ex-presidente com o objetivo de desestabilizar o Brasil e o Governo Constituído e as Forças Armadas.

O Editor

Denis Russo Burgierman

Época

09 Julho 2020

 

Vai ficar na História que, quando o Brasil enfrentou a pandemia de 2020, coube ao Exército Brasileiro operar uma intervenção no Ministério da Saúde, expurgando os epidemiologistas que trabalhavam lá, desarticulando seu plano de ação e trabalhando para adulterar dados, ocultando mortes, para esconder o fracasso governamental no combate à pandemia.

É um vexame para as Forças Armadas brasileiras, uma mancha irremovível na trajetória de uma instituição que tem a missão de zelar pela segurança da nação. Em vez disso, está atrapalhando a ação social para se proteger de uma doença mortal. O absurdo da situação é agravado pelo ridículo: generais ficam dando pitos na imprensa para exigir que seja noticiado o número de pessoas curadas, em vez de focar tanto nas mortes. Piada de república bananeira.

A intervenção no ministério não é a única missão vergonhosa que as Forças Armadas aceitaram nesta crise. O Laboratório do Exército parou tudo o que estava fazendo para gastar milhões de reais de dinheiro público na produção em massa de cloroquina, um remédio ineficaz para a Covid e perigoso para o coração, mas útil para a propaganda política de Jair Bolsonaro.

Está sobrando cloroquina no mundo, por causa dos maus resultados do remédio no tratamento da doença – o Brasil até ganhou alguns milhões de doses grátis do governo americano, que assim não precisou jogar no lixo. Ainda assim, em meio à escassez que vivemos, os militares brasileiros torraram recursos públicos para produzir 18 anos de estoque de um remédio inútil.

E não parou aí: aí eles pegaram esse estoque sem fim e marcharam para territórios indígenas, desrespeitando o isolamento decretado por esses povos para distribuir não só um remédio que não serve para nada, mas também muito provavelmente o vírus. Cloroquina é especialmente perigosa longe de instalações hospitalares, porque ela induz arritmias cardíacas e portanto deve ser usada apenas com monitoramento cuidadoso com eletrocardiograma. Ou seja, as Forças Armadas estão agindo a serviço do marketing político de maneira que coloca a segurança dos povos nativos em risco.

Se, durante uma ameaça deste tamanho à segurança da nação, a ação das Forças Armadas é tão patética, não é ilegítimo repetir a pergunta que a revista liberal britânica The Economist fez dez anos atrás: afinal, para que serve o Exército Brasileiro? Do que mesmo ele está nos protegendo? Com um orçamento de 85 bilhões de reais para a Defesa, sem nenhuma guerra à vista (peste já está bom), será que não é o caso do país discutir com mais profundidade a atribuição de seus militares?

Os sinais de que há algo errado estão bem evidentes. Hoje há dentro do governo Bolsonaro cerca de 3 mil militares da ativa, acumulando dois empregos públicos que a prudência manda que fiquem separados: é melhor não dar poder político a quem carrega um rifle, e vice-versa. Ou você tem a força ou tem a caneta. Porque senão fica difícil para a sociedade se defender de seus auto-proclamados defensores.

No governo, os militares acumulam missões que têm a ver com controlar informação e esconder a verdade. Por exemplo, coube ao General Mourão a intervenção no Conselho da Amazônia, que ele mesmo admitiu que era uma iniciativa para “retomar a narrativa”, diante da má fama do atual governo brasileiro na questão ambiental.

Enquanto conquistam poder político, os militares ganham benesses. Em meio a uma imensa reforma na Previdência que reduziu direitos de toda a população civil, os membros das Forças Armadas conquistaram o privilégio de serem os únicos brasileiros com direito a salário integral do Estado depois da idade de aposentadoria (que eles chamam de reserva). Com isso, o Estado brasileiro gasta 17 vezes mais com a previdência de um militar do que gasta com um civil. A classe militar é a que tem o maior rombo previdenciário, com o qual a população inteira tem que arcar.

Para além da conversa orçamentária, que seja possível destacar 3 mil pessoas de uma grande organização estatal para que elas desempenhem outra função no governo é prova meio inegável de que está faltando o que fazer no quartel. Imagine se 3 mil professores da rede pública ou 3 mil médicos do SUS deixassem suas atribuições para trabalhar no governo: educação e saúde colapsariam. Como é possível que as Forças Armadas, que têm orçamento de ordem de grandeza semelhante, possam prescindir de tantos dos seus servidores?

Isso só faria sentido se ela não estiver prescindindo: se ocupar o governo seja justamente a missão dessas pessoas. Se é esse o caso, é uma missão ilegal, e deveríamos estar preocupados. Fôssemos uma democracia sólida, estaríamos. Nos EUA, por exemplo, houve escândalo no mês passado quando um general apareceu numa foto com o presidente Trump, logo após a polícia dispersar manifestantes contra ele. A foto deu a sensação de que a força do exército estava a serviço do presidente. O general pediu desculpas, desagradando o presidente. É que ele sabe que coloca o Exército todo em risco ao passar a sensação de que as Forças Armadas estão engajadas em um projeto político.

 

Já em democracias mais frágeis, esse risco parece não incomodar tanto os militares. É o caso da Venezuela, que tem número semelhante ao do Brasil de militares aparelhando os ministérios e as empresas estatais. Nicolás Maduro comprou com dinheiro público mais de mil generais: como confiar que essas forças armadas vão permanecer leais ao país quando Maduro sair do poder?

Dilema parecido se impõe ao Brasil. Depois que Bolsonaro passar, como confiar em generais que embarcaram num projeto político ilegal e toparam inclusive missões de marketing político?

Minha sensação é a de que só há duas possibilidades à nossa frente: uma ditadura, que é o nome que se dá ao regime em que quem tem a força das armas tem o poder político também. Ou uma reforma muito profunda nas Forças Armadas brasileiras, talvez inspirada em reformas semelhantes que outros países fizeram depois de um vexame.

A Alemanha, por exemplo, que, depois de sofrer com o militarismo, virou o único país do mundo onde um militar tem não só o direito, mas a obrigação de recusar uma ordem errada, ilegal, imoral ou partidária. Fizeram isso justamente para que o exército não vire de novo um braço armado e acrítico para qualquer tiranete que se apossar do governo.

O primeiro passo, antes de reformar as Forças Armadas, é dar a elas uma missão clara. Suspeito de que, na era que está começando, de doença, pobreza e morte, essa nova missão terá que ter mais a ver com cuidado do que com propaganda e repressão. Olhando as estatísticas das Forças Armadas, percebo uma oportunidade óbvia para mudar. Hoje, só 7% do contingente militar brasileiro é formado por mulheres. Talvez mudar essa estatística vexaminosa, de cima para baixo, seja a forma de corrigir outros vexames por tabela.

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