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Chernobyl e Fukushima

Witold Lepecki

Enquanto o mundo segue acompanhando, tenso, o combate às consequências do acidente de março em Fukushima, no Japão, é oportuno lembrar que há um quarto de século se conseguia estancar, após nove dias de esforços extraordinários, o escape maciço de radioatividade do reator de Chernobyl (URSS), acidentado em 26 de abril de 1986.

Nos 60 anos que decorreram desde a operação da primeira usina nucleoelétrica, foi construído mais meio milhar. Nesse conjunto, e ao longo desse tempo, acidentes nucleares severos, com liberação de radioatividade, restringiram-se a três: Three Mile Island, Chernobyl e Fukushima. Em Three Mile Island (EUA, 1979) a radioatividade liberada ficou restrita ao interior da usina. Em Chernobyl e Fukushima houve liberação para o exterior – no primeiro caso, maciça e descontrolada; no segundo, controlada e muitíssimo menor que em Chernobyl.

Recapitulemos. Chernobyl usava um reator conhecido pela sigla RBMK, que tinha um projeto peculiar: os projetistas soviéticos abriram mão da construção de uma contenção em torno do reator, ao contrário do que ocorria nos reatores ocidentais. A desastrosa sequência de eventos teve origem num teste, mal planejado e mal executado, que acabou levando o reator a operar em condições não previstas em projeto. No decorrer do teste, quando ficou evidente para a equipe de operação que algo de grave estava acontecendo, foi acionado – corretamente – o mecanismo de emergência de desligamento do reator.

Acontece que as condições de operação não usuais a que os operadores levaram o reator tiveram um efeito inesperado: as barras de segurança, ao começarem sua inserção, acionadas pelo sinal de desligamento, antes de extinguirem a reação em cadeia, provocaram a aceleração da reação. Esta levou a uma explosão de vapor na totalidade dos cerca de 1.500 canais de refrigeração (a água) que percorriam verticalmente o grafite do reator, destruindo totalmente o combustível e incendiando a massa de grafite. Por sua vez, a tampa de concreto no topo do reator, de centenas de toneladas, foi arremessada pela explosão de vapor e, ao retornar, ficou em posição inclinada sobre o reator escancarado, sem voltar a tampá-lo. Radioisótopos provenientes do combustível destruído foram ejetados descontroladamente para a atmosfera, já que não havia a clássica contenção dos reatores ocidentais.

As medidas imediatas de mitigação do acidente atingiram, porém, os seus objetivos: o incêndio foi extinto, salvando adicionalmente os três reatores contíguos; a população foi protegida da radiação imediata por meio da evacuação; a liberação de radioatividade cessou (como ressaltado na introdução).

Relatório publicado pelo International Nuclear Safety Advisory Group (Insag), o órgão de alto nível da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) encarregado da segurança nuclear, concluiu que o acidente teve como causas erro de projeto; licenciamento e execução inadequados do teste; erros de operadores; falta de transparência no processo de condução de todas as fases do projeto e execução da usina, com falta de fiscalização formal do público; last but not least, falta da assim chamada cultura de segurança na usina.
Foram tomadas inúmeras medidas na então URSS e no âmbito internacional para evitar a repetição desse tipo de erros. Foram criados a Associação Mundial de Operadores de Usinas Nucleares – World Association of Nuclear Power Operators (Wano); a Convenção Internacional de Segurança Nuclear, da qual o Brasil é signatário, que se destina a promover a transparência e fiscalização da segurança nuclear entre governos; serviços especializados de assistência pela AIEA para avaliar a cultura de segurança – começando com um projeto pioneiro aqui, no Brasil, na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto.

Essas amplas medidas corretivas foram eficazes, evitando a repetição, em nível mundial, de qualquer acidente severo no quarto de século que se seguiu. Foram necessários um terremoto e um tsunami de magnitude extraordinária para causar novo acidente severo (isto é, decorrente de circunstâncias fora da base de projeto), desta vez no Japão, na Central Fukushima Dai-ichi.

As usinas que sofreram acidente grave com dano ao núcleo foram as 1, 2 e 3, da central de 6. Os mecanismos de desligamento automático em caso de sismo funcionaram como o projetado, extinguindo a reação nuclear em cadeia. Após o seu fim, entretanto, os radioisótopos contidos nos elementos combustíveis continuam a emitir radiação, gerando "calor residual", que diminui ao longo do tempo, mas nunca chega a zero: é removido por equipamento que necessita de energia, fornecida pela usina ou pela rede elétrica externa. Na indisponibilidade destas, por geradores a diesel de emergência. No caso, as primeiras ficaram indisponíveis por causa do terremoto (9 na escala Richter!); os dieséis foram inundados pelo tsunami (ondas de14 metros de altura!). Passaram a se aplicar, então, medidas de emergência previstas em norma para tais acidentes severos: geradores a diesel móveis, refrigeração do calor residual pela inundação do reator com água de fontes externas, etc. (O hidrogênio que explodiu foi gerado por essa água em contacto com o combustível danificado.)

O processo está ainda em curso. Assim, a análise e a retirada de lições aprendidas estão apenas começando. É cedo, portanto, para tirar conclusões específicas do acidente de Fukushima aplicáveis a outros reatores, em particular aos brasileiros (existentes, em construção ou planejados). A nossa comunidade técnico-científica, juntamente com a internacional, está participando da laboriosa tarefa de análise e aprendizado pós-Fukushima. O desempenho positivo em termos de segurança apresentado até hoje pelas usinas de Angra só terá a lucrar com isso.

ENGENHEIRO NUCLEAR, DOUTOR EM FÍSICA DE REATORES, FOI MEMBRO INSAG DA AIEA
 

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