Relatores da ONU pedem que Brasil reconsidere estratégia de segurança

Jamil Chade

Numa iniciativa rara, dez relatores da Organização das Nações Unidas (ONU) se uniram para emitir um comunicado duro contra as autoridades brasileiras, pedindo que a intervenção federal no Rio de Janeiro seja repensada e exigindo respostas diante do assassinato de Marielle Franco, vereadora carioca do PSOL. Os peritos ainda enviaram uma carta ao governo brasileiro e deram 60 dias para que esclarecimentos sejam apresentados.

Nesta segunda-feira, 26, um comunicado dos relatores indicou que é "profundamente alarmante o assassinato de Marielle Franco, mulher negra e proeminente defensora de direitos humanos, que criticou o uso da força militar no Rio de Janeiro". "Marielle era uma crítica feroz do decreto de 16 de fevereiro de 2018 que autoriza a intervenção federal em questões de segurança pública no Estado do Rio de Janeiro", alertou o comunicado.

"O assassinato de Marielle é alarmante, já que ele tem o objetivo de intimidar todos aqueles que lutam por direitos humanos e pelo Estado de direito no Brasil", disseram os relatores. "Nós pedimos às autoridades brasileiras que usem este momento trágico para revisar suas escolhas em promoção de segurança pública e, em particular, para intensificar substancialmente a proteção de defensores de direitos humanos no país", pedem.

Os relatores lembram que a vereadora integraria a comissão que vai acompanhar a intervenção das Forças Armadas no Rio de Janeiro. "Segundo informações recebidas pelos relatores, poucos dias antes de sua morte, Marielle denunciou o uso da força da Polícia Militar na favela de Acari, na região norte da cidade do Rio", apontou.

O comunicado também aponta que, no último final de semana, "oito pessoas supostamente morreram durante uma operação policial em uma favela no Rio de Janeiro". "Segurança pública não deve jamais ser feita às custas de direitos humanos", afirmaram os especialistas. "Respostas repressivas que miram e marginalizam pessoas pobres e negras são inaceitáveis e contra-produtivas."

"Nós pedimos às autoridades que ponham fim à violência, reafirmem publicamente o papel fundamental e legítimo das mulheres defensoras de direitos humanos e condenem a violência e a discriminação que são promovidas contra elas", complementaram.

Os relatores ainda pediram a "realização de uma investigação rápida e imparcial dos assassinatos, ressaltando que a execução de Marielle é um sintoma assustador dos atuais níveis de violência no País".

"Marielle foi uma extraordinária defensora de direitos humanos. Ela defendeu os direitos dos negros, das populações LGBTI, das mulheres e dos jovens das favelas mais pobres do Rio. Marielle será lembrada como um símbolo de resistência para comunidades marginalizadas historicamente no Brasil", os relatores concluíram.

O governo brasileiro, temendo uma pressão internacional, orientou seus embaixadores pelo mundo a tomar a iniciativa de explicar aos diferentes governos e instituições que a morte da vereadora estava sendo alvo de investigações e que o Palácio do Planalto condenava de forma veemente o crime.

Forças Armadas fazem a maior operação em favela desde o início da intervenção no Rio¹

As Forças Armadas realizam nesta terça-feira (27) uma operação de grandes proporções em favelas do Complexo do Lins de Vasconcelos, na zona norte do Rio de Janeiro. Esta é a maior ação armada realizada desde o início da intervenção no Rio em número de militares envolvidos – ao todo são 3.400.

O objetivo da operação é tentar prender criminosos procurados e localizar armamentos e drogas escondidos. O Complexo do Lins é dominado pela facção criminosa Comando Vermelho. Não houve confronto até às 6h.

Além dos militares, 350 policiais civis e 150 policias militares participam da ação. Segundo o Comando Conjunto, a Polícia Militar está fazendo o cerco à favela enquanto policiais civis entram na área para cumprir mandados com apoio de combatentes das Forças Armadas.

A ação acontece um dia após o Comando Conjunto da intervenção anunciar que as Forças Armadas também passarão a reforçar o patrulhamento ostensivo nas ruas do Rio de Janeiro. Tanto o reforço como a operação no Complexo do Lins ocorrem em paralelo a um esforço feito nos bastidores para reorganizar os órgãos policiais do Estado.

A intervenção federal foi decretada no dia 16 de fevereiro. Desde então, as Forças Armadas participaram de operações em ao menos nove favelas. A maior mobilização de tropas até então havia ocorrido no dia 23 de fevereiro, quando os militares entraram nas favelas Vila Kennedy, Coreia e Vila Aliança, na zona oeste do Rio.

Até então, o único confronto entre militares e criminosos havia ocorrido no Jardim Catarina, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio. As primeiras unidades que chegaram ao local foram recebidas a tiros por traficantes do Comando Vermelho. Mas a resistência acabou quando reforços chegaram e fizeram o efetivo das Forças Armadas na operação chegar a 1.000 homens.

Coronel assassinado

Em outubro do ano passado, o coronel da Polícia Militar Luiz Gustavo Teixeira, 48, que comandava o 3º Batalhão da PM do Méier foi assassinado a tiros por criminosos dentro de um carro de polícia descaracterizado próximo ao Complexo do Lins. O crime desencadeou uma série de operações das forças de segurança na região.

No final do mês passado, já durante a intervenção federal, o complexo voltou a ser palco de operações da Polícia Militar, mas sem o apoio das Forças Armadas. A região tem uma Unidade de Polícia Pacificadora desde 2013.

Planejamento

A escolha dos locais de ações das forças de segurança é feita a partir de informações de inteligência, segundo fontes ligadas à intervenção. A ideia seria tentar impedir o fortalecimento de determinados grupos criminosos ou estabilizar áreas propícias a se tornarem palco de disputas entre grupos criminosos.

Com as operações em favelas e o início do patrulhamento de rua feitos pelas Forças Armadas, os interventores federais esperam aumentar a sensação de segurança na cidade.

Segundo o Datafollha, 76% dos moradores do Rio são favoráveis à intervenção federal na segurança pública. A pesquisa, publicada no domingo (25), revela ainda que metade dos entrevistados (52%) acredita que o panorama vai melhorar ao fim desse processo. No levantamento, 17% disseram ser contra a intervenção e 5% não se manifestaram. O instituto ouviu 1.012 pessoas entre quarta (20) e sexta-feira (22) da semana passada. A margem de erro é de três pontos percentuais.

Militares ouvidos pelo UOL afirmaram ter consciência de que as ações ostensivas não vão ter sucesso a longo prazo se, nos bastidores, a intervenção não consiga melhorar a capacidade de operação das polícias – aprimorando processos de gestão e combatendo a corrupção. Eles disseram, porém, que as ações nas ruas e nas favelas são importantes porque ajudam a ganhar o apoio da população e a dissuadir criminosos a cometer alguns tipos de crimes.

¹com Luis Kawaguti / UOL

 

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