O que você precisa saber sobre a ocupação do Complexo do Ocupação do Alemão para não ser um idiota?


O que você precisa saber sobre a ocupação do Complexo do Ocupação do Alemão para não ser um idiota?


 

Coronel Fernando Montenegro
Veterano das Forças Especiais do Exército
Comandante da Força Tarefa Sampaio na Ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha

 

Um dos grandes esforços do ex-Presidente Lula ao assumir a presidência do Brasil foi investir na visibilidade internacional. Isso fazia parte de uma estratégia de construção de narrativas que permitissem atrair capital estrangeiro.

Para isso, foi realizado um enorme investimento na mídia internacional. Jornalistas foram seduzidos a escrever artigos generosos e capas de revistas mostravam a estátua do Cristo decolando; enquanto isso diversos autores estrangeiros, muitos economistas, foram “estimulados” a escrever livros dizendo que o Brasil era a “bola da vez”.

No ano de 2007, logo após os jogos Pan Americanos do Rio de Janeiro, Lula conseguiu garantir que o Brasil sediasse a Copa 2014 de futebol da FIFA e em 2009 oficializou os Jogos Olímpicos da Rio 2016. No intervalo entre essas duas confirmações, o Rio de Janeiro também ratificou que abrigaria os 5º Jogos Mundiais Militares, organizado pela terceira maior organização desportiva do mundo, o Conselho, Internacional do Esporte Militar (CISM-Conseil International du Sport Militaire).

OK, então agora você deve estar pensando o que isso aí tem a ver com a operação em que o Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro protagonizou invadindo a Vila Cruzeiro usando os carros de combate da Marinha? Para quem assistiu ao vivo pela TV, com a narrativa do Rodrigo Pimentel na Globo, mais parecia um ataque de um Batalhão de Infantaria Blindado do Exército.
 

Para quem não se lembra, a cinematográfica invasão do dia 25 de novembro de 2010 foi precedida de uns dez dias de ataques desencadeados pelos criminosos do Comando Vermelho na cidade. O terrorismo criminal de confrontação ao Estado foi decorrente da transferência de um dos líderes da facção criminosa para um presídio de segurança máxima.

Centenas de viaturas foram incendiadas, instalações militares e policiais foram atacadas e algumas dezenas de pessoas foram mortas em tiroteios. A megalópole carioca praticamente paralisou; o terror generalizado levou o comércio, escolas e vários segmentos ao fechamento e a população se trancou em casa com medo de sair às ruas.

Essa onda de ações terroristas do crime organizado desencadeou uma forte reação na comunidade internacional e as instituições que avalizaram o Brasil como sede dos maiores eventos desportivos do planeta nos anos seguintes  passaram ventilar a ideia de cancelamento das competições e a questionar a real capacidade do país de garantir a segurança dos atletas e demais participantes do evento.

Assim sendo, a extinção dos eventos iria significar um enorme desgaste político e, pior ainda, uma gigantesca perda de investimentos externos nas obras “faraônicas” de infraestrutura e instalações desportivas que já vinham sendo desencadeadas em decorrência disso.

 

Como já foi confirmado posteriormente pela Operação Lava Jato e outras da Polícia Federal, essas obras foram uma grande “usina” de corrupção, em que tudo foi deixado para última hora para que fosse realizado com dispensa de licitação. Não é à toa que John Coates, Vice Presidente do Comitê Olímpico Internacional, reclamou diversas vezes dos atrasos e desrespeitos às especificações.

Mas a imprensa brasileira (apenas interessada em garantir os direitos de transmissão) e os políticos brasileiros (interessados no “Caixa 2” adquirido com a corrupção), faziam questão de dizer que eram apenas exageros.

O resultado foram superfaturamentos absurdos, com alguns criminosos presos. Infelizmente, a justiça que cada vez mais se desmoraliza quando solta os criminosos ricos devido aos seus caríssimos advogados que têm livre trânsito comprando os tribunais das estâncias superiores.

Na minha opinião, a principal finalidade da mega-operação de guerra foi dar uma satisfação à opinião pública internacional, colocando toda a máquina do Estado em função disso, numa inédita sinergia das Forças Armadas com as polícias estaduais. Outra peculiaridade foi a forma inusitada como a imprensa abordou a operação desde o início; é tradição que a imprensa carioca critique qualquer ação policial ou das Forças Armadas quando há embates com a criminalidade, sempre associando as atividades a excessos ou truculência e atribuindo qualquer pessoa atingida por balas perdidas à polícia.

Nessa operação do Alemão, os elogios foram a pauta o tempo todo. Após as ações dos militares e policiais e da cobertura da imprensa brasileira, a opinião pública internacional foi convencida que poderia ser seguro fazer os eventos no rio de Janeiro, os eventos foram garantidos e a roubalheira da corrupção também.  E foi assim que ocorreu.

Depois da invasão dos Complexos da Penha e do Alemão, os policiais conduziram operações de busca e apreensão por cerca de um mês enquanto o Exército permaneceu fazendo o cerco de uma área com 17 Km de perímetro e população estimada em 400 mil pessoas. Na sequência, permanecemos ocupando por 19 meses durante 24h por dia, sete dias por semana. Tivemos um enorme desgaste para garantir segurança daquela população carente que vivia sob um regime de terror imposto pelo tráfico. Os indicadores de segurança atingidos na região foram os melhores da cidade.

Ocorre que os objetivos estabelecidos nos níveis políticos de decisão para a ocupação não eram nem um pouco convergentes com os objetivos nos níveis táticos, operacionais e estratégicos que os militares abraçaram visando o bem estar da população. Enquanto os três protagonistas do Poder Executivo (nos níveis Municipal, Estadual e Federal) se preocuparam apenas em garantir que os eventos ocorressem no Brasil pelas razões já mencionadas, deixaram de realizar um planejamento adequado na transição depois da nossa saída na região.

Nós do Exército, após mais de um ano e meio de ocupação, acabamos sendo substituídos por policiais inexperientes, recém saídos do curso de formação, mal equipados e ocupando estruturas improvisadas de contêineres sem segurança nenhuma; e sem segurança, os projetos sociais e outras possíveis melhorias desandaram e se perderam.

A irresponsabilidade e ganância dos políticos brasileiros mais uma vez foi confirmada. Nem mesmo os caríssimos teleféricos que foram inaugurados enquanto estávamos lá funcionam mais. A certeza da impunidade acaba sendo o maior estímulo para que gangsters continuem ocupando posições de protagonismo na política carioca e dando péssimo exemplo, basta ver o resultado das eleições de 2020.

Para mim, fica nítido que houve emprego político das Forças Armadas visando garantir a realização das competições no Rio de Janeiro. Políticos não se sensibilizaram com o enorme desgaste pessoal para os militares que participaram da missão de longa duração enquanto os políticos negligenciaram suas funções focando apenas na corrupção.

A mesma coisa se repetiu pouco tempo depois, quando as Forças Armadas ocuparam o complexo da Maré, novamente com enorme desgaste para os militares, inclusive perdas de vidas e sem nenhum resultado relevante.  Até quando isso vai se repetir?

 


Livro vencedor do concurso literário Press Awards 2015 dos Estados Unidos.
 
Um dos principais comandantes do Exército Brasileiro na operação de pacificação dos complexos de favelas do Alemão e da Penha e um jornalista especializado em segurança expõe vários aspectos inéditos e ocultos da operação usando uma narrativa ficcional com ritmo eletrizante. O enredo é repleto de violência, humor, sexo e traições prendendo a atenção do leitor do início até o final completamente inesperado.

https://www.chiadoeditora.com/livraria/comando-verde

ou

https://www.amazon.com.br/Comando-Verde-Fernando-Montenegro/dp/9895122454
 

Nota DefesaNet

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