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Espionagem expõe linha tênue entre segurança nacional e liberdade civil

Pablo Uchoa

Enquanto o governo brasileiro manifesta sua indignação com a coleta de informações potencialmente sensíveis sobre seus ativos de petróleo e mineração, perguntas cruciais sobre a espionagem americana e canadense continuam sem resposta.

Afinal, o Brasil foi vítima de espionagem industrial por parte das agências de inteligência desses países? Ou figurava, para surpresa das autoridades brasileiras, em uma lista supersecreta de alvos considerados chave para a segurança do hemisfério?

Qualquer das duas hipóteses possivelmente será incômoda para o Planalto.

Mas o esclarecimento pode implicar uma tênue diferença entre operações válidas e operações que violem a missão central dos serviços de inteligência, de focar seus esforços em questões de segurança nacional.

Tanto a agência de inteligência dos Estados Unidos quanto a do Canadá insistem que não fazem espionagem industrial ou comercial: não utilizam informações obtidas através de meios secretos em benefício de companhias de seus países.

Entretanto, nenhum dos dois países esclareceu satisfatoriamente a razão pela qual suas agências de espionagem monitoraram a Petrobras e o Ministério das Minas e Energia, responsáveis por gerenciar alguns dos ativos mais valiosos do Brasil.

Falando especificamente sobre o caso americano, o professor do centro legal da Universidade de Georgetown, em Washington, Timothy Edgar, disse à BBC Brasil que não crê que a Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) agisse sem um mandato discutido e aprovado em instâncias muito superiores.

"Não cabe somente à NSA decidir que operações de monitoramento de inteligência estrangeira eles vão conduzir", disse o especialista.

"Seria preciso haver um nível muito alto de decisão ou discussão sobre o tipo de operações que você quer conduzir, e isso certamente não seria feito no nível da NSA. Teria de ser em um nível muito mais alto."

Que interesses?

Ex-diretor de privacidade e liberdades civis da Casa Branca, sob o presidente Barack Obama, Edgar chefiou o setor encarregado de buscar o equilíbrio entre segurança nacional e liberdades civis nas iniciativas de ciberinteligência americanas.

Ele é um dos especialistas que contribuem com o Senado americano nas atuais discussões sobre a revisão das atividades da NSA.

O professor nota que a contrapartida do enorme sistema de inteligência americano – que consome recursos da ordem de US$ 75 bilhões por ano e conta com uma extensa rede exposta pelas denúncias do ex-funcionário da NSA Edward Snowden – é um sistema de fiscalização que "submete todo o processo a uma série de regras muito específicas".

Anualmente, o governo americano estabelece, em um documento confidencial, as suas prioridades nacionais de inteligência. Nela, figuram tópicos relacionados ao terrorismo internacional, à proliferação de armas de destruição em massa eao tráfico internacional de narcóticos, entre outros.

Mas também podem ser consideradas prioridades de inteligência informações sobre líderes políticos e militares de outros países, principalmente aqueles percebidos como adversários dos EUA no campo internacional.

Apesar da recente aproximação entre Washington e Brasília, muitos analistas avaliam que não seria uma surpresa que o Brasil estivesse dentro dessas prioridades de monitoramento.
 

Dotado de ativos estratégicos econômicos em abundância, como o petróleo e o gás natural, o país tem buscado exercer influência geopolítica concentrando-se no hemisfério sul emergente, e frequentemente se opõe aos EUA em temas como a guerra na Síria e a estratégia de contenção do programa nuclear iraniano.

Porém, Edgar ecoa a linha do governo americano ao dizer que "os EUA não realizam espionagem industrial".

"Se há razões de segurança para coletar informações no Brasil, a prática será legítima se for realizada sob as linhas gerais das prioridades de segurança. Se for para fins industriais, seria basicamente uma violação da política americana", ele diz.

Pulga atrás da orelha

Mas o que o especialista chama de "nexo legítimo de inteligência" é precisamente o que tem faltado nas manifestações públicas do governo americano – e agora canadense – sobre o tema.

As suspeitas de espionagem industrial foram reforçadas no domingo, depois que o programa Fantástico, da TV Globo, veiculou denúncias de que também a agência canadense de inteligência mapeou as comunicações telefônicas e por email do Ministério das Minas e Energia (MME).

A reportagem, feita em conjunto com o jornalista Glenn Greenwald, observou que o monitoramento dos dados foi realizado em uma área de grande interesse comercial para as empresas canadenses, o setor brasileiro de mineração.

"A denúncia de que (o) Ministério (de) Minas e Energia foi alvo de espionagem confirma as razões econômicas e estratégicas por trás de tais atos", manifestou-se a presidente Dilma Rousseff através da sua conta do Twitter.

O ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo Machado, convocou o embaixador canadense para transmitir o "repúdio do governo à violação da soberania nacional e dos direitos de pessoas e de empresas" no Brasil, segundo o Itamaraty.

As agências americana e canadense, e mais as de Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, trocam informações e realizam operações conjuntas através de uma rede conhecida como Five Eyes (os cinco olhos).

Mas as informações repassadas ao programa não indicam ter havido qualquer operação conjunta para escutar o conteúdo das comunicações do MME.

"Obviamente, os canadenses são aliados muito próximos dos EUA, mas não acho que participaríamos de uma operação conjunta com os canadenses a não ser que houvesse uma razão muito forte do ponto de vista americano", afirma o professor Timothy Edgar.

"Se os canadenses estiverem tentando coletar inteligência para melhorar as chances das empresas canadenses em negócios no Brasil, não seria do nosso interesse e não vejo por que a NSA os ajudaria nisso."

Revisão

O retrato ainda nebuloso dos "comos" e "porquês" da espionagem contra o Brasil motivou a presidente Dilma Rousseff a cancelar uma visita de Estado a Washington, marcada para outubro. A decisão esfriou as relações Brasil-EUA a níveis inéditos desde a tensão bilateral em torno do programa nuclear iraniano em 2010.

Enquanto isso, o Congresso americano discute legislação para elevar a transparência e a prestação de contas da NSA.

O presidente Barack Obama prometeu que a revisão buscará acalmar "aliados", como o Brasil, assegurando que cada peça de informação seja coletada pela NSA somente quando possa contribuir para completar o quebra-cabeças de segurança nacional, que é sua missão completar.

O processo provavelmente incluirá tentativas de incrementar o controle das agências de inteligência e sobre o conteúdo que coletam.

A multiplicação do sistema, com a contratação de milhares de funcionários terceirizados como Edward Snowden, abre brechas para que informações críticas sobre indivíduos, empresas e nações caiam em mãos de mal-intencionados.

Essa foi uma preocupação manifestada pela presidente Dilma Rousseff, que notou que Snowden "estava havia só três meses na empresa que prestava serviços à NSA" e dizia ter acesso aos dados de indivíduos, autoridades estrangeiras, como ela, entidades e empresas.

"Trabalhei no governo Obama tentando melhorar as salvaguardas dos nossos sistemas classificados. Francamente, não acho que chegamos nem perto do que deveríamos", disse Timothy Edgar.

"Não acho que as lideranças e a comunidade de inteligência estejam conscientes da facilidade para uma pessoa com um pouco de conhecimento de informática, que tenha acesso a redes classificadas, obter mais informações do que precisam para fazer o seu trabalho."

 

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