Frederico Aranha – Rússia Ganha a Guerra por NAGORNO KARABAKH (ARTSAKH)

A RÚSSIA GANHA A GUERRA POR NAGORNO KARABAKH (ARTSAKH)

 

Frederico Aranha
Pesquisador independente
Advertência: tradução livre

 
Enclave de  Nagorno-Karabakh(Artsakh)

 

>  Região montanhosa com cerca de 4.400 quilômetros quadrados;

> Habitada tradicionalmente por cristãos armênios e turcomanos muçulmanos;

> Nos tempos soviéticos era uma região autônoma no seio da República do Azerbaijão;

> Reconhecido internacionalmente como parte do Azerbaijão, embora a maioria da população seja da etnia armênia;

> As guerras de 1988-1994 (Acordo de Trégua) e inúmeros choques posteriores provocaram mais de 45.000 baixas e perto de 1 milhão de pessoas deslocadas;

> Forças separatistas apoiadas pela Armênia capturaram na guerra de 1990 frações de território em torno do enclave no interior do Azerbaijão;

> O impasse político e a tensão perduram desde a trégua de 1994;

> A Turquia apoia abertamente o Azerbaijão;

> A Rússia tem bases militares na Armênia.

 

 

Territórios tomados do Azerbaijão pela Armênia na guerra de 1994.

 
Consoante as condições do acordo de cessar fogo de 09 de novembro de 2020, a Rússia obteve uma notável vitória diplomática e política com o término dos combates pelo enclave Nagorno-Karabach. Embora seja prematura uma análise definitiva dos resultados do pacto que entrou em vigor a 00:00 hora do dia 10 de novembro,  pode-se afirmar que a diplomacia russa fulminou os ganhos políticos que a Turquia porventura esperava obter apoiando a ofensiva azeri contra a Armênia e contra a República de Artesaque (Republic of Artsakh ou Nagorno Karabakh), vislumbrando oportunidade ímpar para consolidar sua influência no Azerbaijão e por extensão no Cáucaso, criando uma esfera de ingerência no espaço dominado historicamente pela União Soviética e geopoliticamente agora pela Rússia e, em menor grau, pelo Irã. Desde a trégua de 1994, a disposição da Rússia tem sido administrar diplomaticamente o impasse entre os dois países – ex-Estados da União Soviética, evitando com isso operações militares de parte a parte e ao mesmo tempo empenhando-se em persuadir a Armênia para que devolvesse as províncias azeris que rodeiam o Alto Karabakh.  Não se pode olvidar os objetivos estratégicos da Rússia, pois herdou da União Soviética bases militares na Armênia, que pretende manter. 

O Presidente Putin, na entrevista concedida em 17 de novembro p.p., expôs a posição da Rússia no affaire (1). A Armênia devolveria as províncias azeris conforme um plano em duas etapas: seriam entregues por primeiro cinco delas fronteiriças ao Azerbaijão; na segunda fase as duas províncias que servem de corredor de ligação entre Nagorno Karabakh e Armênia. O Ministro de Relações Exteriores da Rússia Lavrovjá informara em abril deste ano a existência do plano, eventualmente apoiado pela anterior liderança armênia (2).

O cientista político Guillermo Polido explica (3) que el liderazgo armenio de después de 2018 se fue apartando de dicho marco, empeñandose en una suerte de plan propio que pasaba por la independencia de Artsaj, y una política militar que iba a resistirse la entrega de las provincias azeríes tomadas en la guerra que finalizó en 1994.  A Rússia afastou-se não de todo da mediação devido à postura da Armênia crescentemente contrária aos seus planos, no entanto sabia da significativa superioridade militar do Azerbaijão e dos vínculos azeris com a Turquia e tinha plena consciência  que a atitude armênia seria aproveitada pelos turcos para incitar um conflito no Cáucaso. Passou a guardar equidistância do conflito, não tomando partido para não comprometer o delicado equilíbrio político.  A Turquia  aproveitou-se deste aparente fracasso diplomático russo para alinhar-se agressivamente ao lado do Azerbaijão, incentivando uma ação militar como solução para  resolver o conflito de Nagorno Karabakh. Polido (cit.) afirma queeste juego de intereses y oportunidades, explica la frialdad rusa frente a Armenia durante la guerra. Ocorre que Putin deixou clarona referida entrevista (1), que o Azerbaijão tinha, em tese, o direito de agir para recuperar territórios que a comunidade internacional reconhece como azeris. 

O Presidente Putinpropôs em 09 e 10 de outubro p.p., em plena conflagração, um plano de paz: a Armênia devolveria ao Azerbaijão as sete regiões disputadas e os refugiados azeris que foram obrigados a abandonar a cidade de Shusha (no Nagorno Karabakh) poderiam regressar.  O plano foi rejeitado cabalmente pelo primeiro-ministro armênio Pashinyan. Os combates intensificaram-se e Shusha foi tomada de assalto pelo exército azeri, demonstrando que o cessar fogo de 10 de novembro é mais desvantajoso para a Armênia do que os diversos planos de paz que a Rússia vinha propondo.

 

 

Os planos turcos relativos ao sonhado “panturquismo” no Cáucaso ficam adiados e, quem sabe, abandonados definitivamente, diante da reconfiguração geopolítica da região hoje sob controle total da Rússia.


 


 
Agdam, Lachin, Kelbajar voltam ao Azerbaijão em vinte dias a contar do cessar fogo. Outras localidades de Artsakh (Stepanakert, Khojaly, Khoja Vend) permanecem sob controle das forças de paz russas por no mínimo cinco anos na condição de um certo tipo de “autonomia cultural”, apesar de legalmente fazerem parte do Azerbaijão; as tropas armênias abandonam completamente o Karabakh. Formalmente, armênios podem retornar aos seus assentamentos em Artsakh, embora mídias do Azerbaijão e da Turquia alertam no sentido de que estarão desprotegidos, salvo nas áreas patrulhadas pelas forças de paz russas. 

Para controlar a trégua e a cessação das ações militares na zona de conflito em Nagorno Karabakh, a Rússia deslocou um contingente de 1.960 homens, 90 veículos blindados, 380 veículos diversos e equipamento especial, de acordo com a agência TASS citando o Ministério de Defesa russo. O impressionante deste deslocamento é que foi realizado somente por via aérea em aviões militares IL-76 desde o aeroporto de Ulyanovsk, localizado no Oblast de Samara, no centro da Rússia (conta com a maior pista do mundo – 5.000 m de comprimento por 106 m de largura).

O contingente é formado por unidades da 15ª Brigada de Infantaria Motorizada Independente, especializada em operações de manutenção da paz, pertencente ao Distrito Militar Central, o mais importante comando das FFAA russas. Ademais, podem fazer parte das “forças de paz” tropas de choque equipadas com veículos blindados, carros de combate, lançadores de foguetes de artilharia e de mísseis da vizinha Base 102 na Armênia. 

A infantaria de choque da Base 102 serve de alerta: a Rússia é capaz de rapidamente transferir tropas pesadamente armadas para apoiar a manutenção da paz em Karabakh em caso de crise. Este quadro reforça pontos do acordo de cessar-fogo e dos memorandos acordados entre russos e turcos que vedam à Turquia deslocar força militar ao Karabakh (pode manter somente uma pequena força de vigilância estacionada no Azerbaijão).

O “passeio” ostensivo de tropas da Base 102 (5) é, evidentemente, uma demonstração de força e uma mensagem à Turquia e ao Azerbaijão para que não desloquem tropas turcas para a zona do conflito sob o pretexto da guerra vitoriosa (6). A base 102 afora três regimentos de infantaria blindada e um regimento de artilharia ainda conta com um regimento de mísseis antiaéreo equipado com sistemas S300V/S-125 Neva/Krug SAM, além de um esquadrão aéreo de MIGs-29, helicópteros de ataque e equipamento de guerra eletrônica de última geração.

Diante deste quadro, a Rússia claramente se posiciona como o poder militar dominante na região. Embora o cessar-fogo tenha sido acertado totalmente à margem da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa) e o Grupo de Minsk (presidido em conjunto pela Rússia, França e Estados Unidos), apesar disso se abre a possibilidade da intervenção da OSCE, pois interessa à Rússia que poderia conseguir o apoio da França e dos Estados Unidos para frear a Turquia.

É certo que os acordos não impedem que a Turquia aumente sua influência no Azerbaijão, algo que é visto como ameaça também pelo Irã; contudo a Rússia não só evitou o pior, bem como reforçou sobremaneira sua posição político/militar nos dois países conflitantes e no sul do Cáucaso.
 
FONTES DE CONSULTA

vestnik-rm; TASS; topwar; Guardian; BBC; snafu-solomon; RT; eng.mil.ru; sputniknews; defensionem; oryxspioenkop; cfr.org; vpk-news; RIAnovosty; gazeteru. 
 
NOTAS

1.http://en.kremlin.ru/events/president/news/64431

2.https://eurasianet.org/lavrov-stirs-the-pot-in-armenia-and-azerbaijan

3.https://thepoliticalroom.com/la-democracia-armenia-y-el-fin-de-los-suenos-de-paz-en-el-nagorno-karabaj/

4.https://thepoliticalroom.com/equilibrio-de-poder-e-historia-entre-armenia-y-azebaiyan/

5.https://twitter.com/will_pulido/status/1327252960355692545

6.https://twitter.com/will_pulido/status/1327304094525042697
 

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