A “Doutrina Brejnev” da União Europeia

A “Doutrina Brejnev” da União Europeia

Lorenzo Carrasco e Geraldo Lino

Resenha Estratégica do MSIa

A União Europeia (UE) tem imposto uma forma modernizada da “Doutrina Brejnev” aos seus Estados-membros, convertendo-se cada vez mais em um centro ideológico.

A comparação, para muitos surpreendente, tem sido repetida pelo primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, diante das recentes interferências da Comissão Europeia (CE) nos assuntos internos da Hungria e da Polônia.

Como tem lembrado o premier húngaro, a doutrina, estabelecida pelo líder soviético Leonid Brejnev (1964-1982), determinava que se um Estado-membro do bloco soviético demonstrasse qualquer “desvio” da orientação de Moscou, os outros Estados tinham o direito de intervir no recalcitrante e devolvê-lo à linha de conduta aprovada na capital soviética.

A irritação húngara com Bruxelas é a manifestação mais visível de uma ativa discussão travada em alguns países integrantes da UE, sobre a extensão e a precedência da aplicação das leis europeias em relação às nacionais. Em junho último, a aprovação de uma lei pelo Parlamento húngaro que, entre outros itens, proíbe a venda de materiais que promovem a homossexualidade e as operações transgênero a menores, deflagrou um surto de histeria nos gabinetes da UE e na mídia europeia, com duros ataques a Orbán e até mesmo a sugestão de expulsão da Hungria do bloco (ver os artigos de Elisabeth Hellenbroich, na Resenha Estratégica de 7 de julho e 11 de agosto).

“Nós estamos tristes por perceber que a pressão ideológica dentro da UE tem se tornado mais forte do que nunca”, disse Orbán, em uma entrevista coletiva, ao lado de Marine Le Pen, líder da Reunião Nacional francesa (antiga Frente Nacional), em Budapeste, em 27 de outubro (Hungary Today, 27/10/2021).

Segundo ele, nos últimos anos, o Parlamento Europeu tem feito repetidas tentativas de “crucificar” a Hungria, agradecendo a Le Pen pelo apoio manifestado em cada uma delas.

Orbán também afirmou que se opunha à conversão da UE em algum tipo de superestado europeu e lembrou que o bloco enfrenta duros desafios, tornando-se menos competitivo na economia mundial e com influência cada vez menor na arena política internacional.

Além de Budapeste, Varsóvia está, igualmente, às voltas com a interferência de Bruxelas, por divergências sobre uma câmara especial para avaliar medidas disciplinares a juízes, criada pela Suprema Corte polonesa em 2018.

Em julho, após uma decisão do Tribunal Europeu de Justiça (ECJ), determinando o fechamento da câmara, o primeiro-ministro Mateusz Morawiecki afirmou que Bruxelas estava fazendo exigências “com uma arma na nossa cabeça” e que a UE não tinha o direito de impor à Polônia a forma de organização do seu Poder Judiciário.

Em outubro, o tribunal constitucional polonês determinou que a legislação nacional se sobrepõe à da UE, sempre que houver conflito entre ambas, desatando a fúria de Bruxleas. A presidente da CE, Ursula von der Leyen, considerou a decisão “um desafio direto à unidade da ordem legal europeia (BBC, 29/10/2021)”.

Em 27 de outubro, o ECJ impôs à Polônia uma multa diária de € 1 milhão até que a câmara seja fechada, punição recebida em Varsóvia como uma “chantagem”.

Para o vice-ministro da Justiça Sebastian Kaleta, a decisão “desconsidera e ignora completamente a Constituição polonesa e as decisões do tribunal constitucional polonês”.

Anteriormente, a ECJ já havia imposto ao país outra multa diária de € 500 mil, pela recusa de fechar temporariamente a mina de carvão e a usina termelétrica de Turow, próxima às fronteiras com a Alemanha e a República Checa, por motivos mais que evidentes, ainda mais em meio à crise energética que assola o continente e à perspectiva de um próximo inverno bastante rigoroso.

No caso da Hungria, a ostensiva aproximação do país com a Rússia e a China tem sido um elemento adicional para provocar a irritação dos eurocratas e dos “atlanticistas” de Bruxelas, sem falar na fúria da alta cúpula de Washington. Já a Polônia, que também depende em boa medida do abastecimento de gás natural russo para as suas necessidades energéticas, vê-se às voltas com uma situação um tanto esquizofrênica, pela sua posição de ponta-de-lança da agenda anti-russa Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e pelos ressentimentos históricos com Moscou.

Seja como for, é bastante irônico que a UE, que se apresenta como um baluarte dos valores “progressistas” do Velho Continente, seja acusada por alguns de seus membros como uma violadora de soberanias nacionais comparável à extinta URSS.

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