Gen Ex Maynard Santa Rosa: Poder, Sociedade e Governança

PODER, SOCIEDADE E GOVERNANÇA

Maynard Marques de Santa Rosa

               

O momento alucinante que enfrentamos incita a mente a formar uma visão menos clássica do tema, livre de compromisso com as abordagens tradicionais.

Nuances do poder

               

O poder é o instrumento de ação do governo. Constitui uma necessidade antropológica e tem uma expressão arquetípica que emana do povo. Rege-se pela lei natural, que transcende conceitos artificiais, inclusive os da Teoria Geral do Estado.

O desfecho recente da crise do Afeganistão, onde o governo instituído detinha o poder formal, mas o poder real pertencia ao movimento talibã, mostrou que o formalismo legal, o marketing e o apoio externo não são suficientes para legitimar um regime que não consegue atender ao anseio popular.    

O dilema social

O conflito entre diferentes visões de mundo, ideias e interesses é inerente à própria natureza da sociedade. A luta entre contrários está na base das relações.

O filósofo Heráclito, já no século VI antes de Cristo, observou que: “Todo acontecimento é manifestação da relação de oposições”. Séculos depois, Hegel acrescentou: “Há uma identidade subjacente de contrários: tese, antítese e síntese constituem a fórmula e o segredo de todo o desenvolvimento e de toda a realidade”.

O filósofo alemão Friedrich Schlegel dizia que: “Todo homem nasce platônico ou aristotélico”. Platônico é o ser que vive no mundo das ideias, enquanto que aristotélico é o que tem os pés no chão da realidade material.

A percepção dos direitos é outro motivo de divergência. A sociedade divide-se em dois grupos de opinião distintos: os liberais, isto é, os que defendem a autonomia do indivíduo, e os coletivistas, que consideram a pessoa como uma peça da coletividade. A mentalidade coletivista foi consagrada pela tradição de poder dos clãs. A luta por liberdade e autonomia só ganhou corpo com o despertar da consciência, após a Renascença europeia.

As pessoas empreendedoras, assertivas e autoconfiantes tendem a ser liberais, assim como, também, as egocêntricas. Já as desprendidas, assim como as dependentes, invejosas e os psicopatas tendem a maior afinidade com o pensamento coletivista. Por essa razão, Nietzsche desabafou: “Socialismo é inveja: eles querem algo que nós temos”. É que o socialismo é a fórmula prática de aplicação do coletivismo.

O movimento iluminista fez do liberalismo uma ideologia capaz de fermentar a Revolução Francesa, os movimentos europeus contra a tirania e a independência das colônias americanas. Levado ao extremo durante a Revolução Industrial, graças à atitude de “laissez-faire” dos governos da época, resultou na exploração do homem pelo homem. A reação a esses excessos gerou a antítese socialista de Karl Marx, que instituiu o Estado totalitário. 

Assim é que a dinâmica social navega sobre o substrato de um mar revolto, embora esteja submetida ao império da harmonia. É que a harmonia é uma lei universal, como afirmou Leibniz. Portanto, a vida de relação tem de pressupor tolerância e conciliação.

O papel do Estado

O Estado é o diretor e guia da sociedade e o árbitro de seus conflitos, mas não tem o poder de transformar a sua natureza. Destina-se ao bem comum. Quando se deturpa, degenera fatalmente em mutações do Leviatã de Thomas Hobbes.

O Criador estabeleceu leis imutáveis que regem o destino das criaturas, sejam elas individuais ou coletivas. A inteligência humana, ao contrário da pretensão de Francis Bacon, é limitada e incapaz de alcançar a verdade absoluta. Por isso, é falsa a crença megalômana dos construtores sociais de que: “A ciência e a lógica podem resolver todos os problemas e ilustrar a infinita perfectibilidade do homem”.

Governar é a arte de discernir o que é útil. A governança é, pois, uma atividade pragmática, que merece ser livre de prevenções de qualquer natureza. As ideologias são como receitas genéricas em que se apoiam os governantes despreparados, à maneira de muletas, para a solução dos problemas que não são capazes de discernir.

Epílogo

Por curta a existência e fraca a acuidade humana, passa despercebido o ensinamento milenar: “O que se tem feito é o que se há de fazer: nada há que seja novo debaixo do sol” (Eclesiastes 1:9).

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