MSiA – ESG, ideia falida

ESG, ideia falida

 

Geraldo Luís Lino

Movimento Solidariedade Ibero-Americana

 

A definição acima não é deste autor, sempre crítico com a exploração política, econômica e até cultural dos temas ambientais, mas de um relatório especial e matéria de capa da ultraelitista revista The Economist, com a emblemática chamada de capa, “ESG: três letras que não irão salvar o mundo”. O texto, publicado na edição de 23 de julho, aponta os vícios e problemas do badalado conceito de ESG, sigla em inglês para meio ambiente, social e governança, a nova coqueluche dos grandes negócios “globalizados”, alegadamente voltada para adequá-los aos requisitos de cuidados ambientais e preocupações sociais e identitárias características em voga no Ocidente – e, claro, faturar com uma pletora de investimentos “sustentáveis”.

Na verdade, “falida” é apenas uma das acepções do adjetivo inglês original usado na reportagem, broken, que também pode ser traduzido como quebrada, rompida, danificada, avariada e outras, mas essa parece ser a mais adequada para o conceito ESG, como o texto parece admitir implicitamente, apesar de empenhar-se em afirmar que pode ser consertado.

Em um parágrafo crucial, o jornalista Henry Tricks sintetiza os problemas percebidos do conceito, que ele considera “profundamente defeituoso”:

 

“A popularidade do conceito tem sido parcialmente alimentada por preocupações do mundo real, especialmente a mudança climática. Porém, ele tem tido um impacto desprezível nas emissões de carbono, especialmente pelos maiores poluidores. A sua tentativa de abordar questões sociais, como a diversidade no local de trabalho, é difícil de ser medida.

Quanto à governança, a indústria ESG faz um trabalho frouxo de prestação de contas, menos ainda das companhias que supostamente estaria administrando. Ela faz promessas desmesuradas aos investidores. E coloca exigências inadministráveis às companhias.”

Outro problema apontado por Tricks é a própria dimensão do mercado de investimentos ESG, que varia de acordo com os critérios utilizados: “Agregadores de dados, como a Global Sustainable Investment Alliance, fazem declarações de arregalar os olhos sobre o tamanho do mercado ESG. De acordo com o seu último relatório, os investimentos sustentáveis atingiram US$ 35,3 trilhões em 2020, mais de um terço de todos os ativos administrados nas grandes economias cobertas por ele. Isto faz parecer que o ESG é mais importante para os mercados financeiros do que realmente é. A vasta maioria disso (cerca de US$ 25,2 trilhões) se refere à integração ESG, que a experiência da DWS [empresa alemã de Frankfurt punida por fraudes de rotulação ambiental – greenwashing – em maio último] mostra ser pouco mais que um dedo no vento. Para uma indústria que se orgulha de tentar medir coisas que são difíceis de se medir, o trabalho que faz em avaliar a si própria não é muito inspirador de confiança.”

Integração ESG, explica Tricks, “significa fazer com que os gerentes de portfólio em fundos não-ESG utilizem as classificações como ferramentas de gestão de riscos, em vez de como fazem habitualmente para avaliar os perigos de recessão ou disrupção das cadeias de suprimentos”.

Tricks não mede palavras para qualificar a prática: “fanfarronice beirando a bobagem.”

A subjetividade dos critérios utilizados é outro sério problema das agências classificadoras de ESG, que Tricks considera “o verdadeiro cume da inconsistência”. Um estudo de seis delas mostrou que usavam 709 índices diferentes englobados em 64 categorias, das quais apenas dez eram comuns a todas. E, curiosamente, diz ele, nenhuma delas “incluía itens básicos como as emissões de gases de efeito estufa”.

Omissão deveras peculiar, considerando-se o papel de vilão planetário das emissões de carbono provenientes das atividades humanas, atribuído pela “indústria aquecimentista”.

Ademais, afirma Tricks, a ESG se tornou “um trem da alegria” para a indústria de investimentos: “Embora ela tenha emergido em resposta às preferências dos investidores, especialmente os millenials [termo genérico para os nascidos nas últimas duas décadas do Século XX], fazer mais com seus investimentos do que fazer dinheiro, os gerentes de ativos mudaram isso em seu favor. Em média, eles cobram maiores comissões pelos investimentos ESG do que para os não-ESG. Na propaganda, eles afirmam que os fundos ESG têm desempenho superior aos comuns, mesmo que isto não se sustente teórica ou empiricamente.”

De forma até certo ponto incomum para um jornalista “top” da revista que é uma das principais porta-vozes da alta finança “globalizada”, Tricks sentencia: “Por cima de todas essas falhas, o ESG tem sofrido uma reação daqueles que pensam que as elites financeiras foram muito longe atrás de causas da moda. Críticos de extrema-direita do ‘capitalismo woke’ o veem como um caminho para CEOs santificados contrabandearem ideias progressistas rejeitadas por muitos, como o banimento de combustíveis fósseis.”

E, igualmente, registra a crítica de que a adoção do ESG é um pretexto para evitar a imposição de taxas coordenadas sobre as emissões de carbono. Mas também observa que o ESG possa ser preservado, precisamente, pelas dificuldades políticas da adoção de tais taxas.

Tricks conclui com uma sugestão para que o ESG não seja, propriamente, uma ideia condenada: “Idealmente, o termo ESG deveria ser descartado. Como um amálgama de três palavras, ambiente, social e governança, que soam mais como um mantra piedoso do que uma força para mudança, a sua reputação está agora manchada. Isto pode piorar se as saídas continuarem, na medida em que os retornos se deterioram. Porém, o investimento sustentável não está por desaparecer. Mais regulamentação pode torná-lo mais crível. Assim como mais vigilância dos compromissos de carbono líquido zero. Os investidores continuarão a se importar não apenas com os retornos, mas com o mundo em que vivem. Com um novo nome adequado – digamos, investimentos em capital natural –, não motivos pelos quais uma mistura de clima e capitalismo não deveria provar ser útil. Desde que não seja trombeteada muito além do que pode realmente atingir.

A rigor, a advertência da Economist funciona como um controle de danos, diante das crescentes e fundamentadas críticas à combinação da agenda alarmista do clima com os fluxos financeiros globais, em especial, em função dos desdobramentos da guerra na Ucrânia, com a rápida emergência de um sistema financeiro internacional “extradólar”. Sistema no qual as artimanhas “verdes” das finanças globalizadas dominadas pelo Ocidente, dificilmente, terão relevância sequer parecida para as políticas econômicas e de desenvolvimento dos países que representam 85% da população mundial.

Não obstante, o desgaste do conceito e da própria agenda “descarbonizadora” é evidente, como o próprio relatório da revista sugere, fato ao qual os empreendedores e formuladores de políticas devem prestar a devida atenção.

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