Conselho de Direitos Humanos critica “acolhida humanitária militarizada” de venezuelanos em RR: `é preocupante´

Emily Costa

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) criticou a acolhida feita pelo governo brasileiro para receber em Roraima os imigrantes venezuelanos que fogem do regime de Nicolás Maduro.

Em relatório, o órgão disse que o governo precisa reavaliar o que chamou de "militarização da acolhida humanitária" ao fluxo de venezuelanos, e pediu que a gestão dos abrigos públicos de Roraima, onde há militares, seja transferida o quanto antes para órgãos públicos civis responsáveis pela assistência social.

Desde a visita do presidente Michel Temer (MDB) a Roraima, as Forças Armadas foram designadas para lidar com a imigração em massa de venezuelanos para o estado.

Por meio de Medida Provisória, Temer criou a Força Tarefa Logística e Humanitária que passou a executar a operação `Acolhida´ em Roraima. Por conta disso, foram liberados R$ 190 milhões para o Ministério da Defesa custear a atuação dos militares no estado durante um ano.

As ações incluem o ordenamento da fronteira, presença nos abrigos para imigrantes, retirada de venezuelanos que estavam em praças cercadas com tapumes, e o processo de interiorização – que são as transferências dos imigrantes para outros estados do Brasil.

Frente a essas ações, o Conselho classificou a atuação do governo brasileiro como uma "resposta humanitária militarizada ao fluxo de venezuelanos", disse que ela é preocupante porque contraria a legislação vigente.

"[…] ela [resposta militarizada] vai na contramão do que a Nova Lei de Migração (Lei nº 13.445/17) preconiza de substituição do paradigma da segurança nacional pela lógica dos direitos humanos", aponta o relatório que também cobra que Ministério da Defesa preste contas detalhadas sobre alocação e execução orçamentária dos R$ 190 milhões que recebeu.

Procurado pelo G1, o Ministério da Defesa informou por nota que a assistência aos venezuelanos é feita por 12 ministérios geridos pela Casa Civil, e não pelas Forças Armadas, assim como os abrigos que são dirigidos pela ONU e ONGs .

Segundo o relatório, o fluxo de imigrantes para o estado tem aumentado desde janeiro, "e as medidas de acolhimento, integração e ações de interiorização ainda se mostram confusas e pouco transparentes".

Nos últimos três anos, quase 20 mil venezuelanos pediram refúgio em Roraima, primeiro estado após a fronteira. Entre janeiro e fevereiro, cerca de 3 mil venezuelanos solicitaram refúgio no estado e outros 2,5 mil pediram residência temporária à Polícia Federal em Boa Vista.

“A adequada acolhida de migrantes envolve aspectos de documentação, abrigamento e acesso a direitos, competências que fogem ao escopo constitucional das funções das Forças Armadas”, diz o relatório do CNDH divulgado na última sexta-feira (18) em Brasília.

Sobre a presença dos militares nos abrigos públicos para imigrantes, o relatório pediu esclarecimentos sobre as atuais funções do exército nesses locais.

Há nove abrigos em Boa Vista e Pacaraima. Eles são geridos pela Força-Tarefa em conjunto com a ONU, ONGs e o governo do estado e tem cerca de 4 mil pessoas. No entanto, eles têm capacidade para apenas 3,6 mil e a falta de vagas faz até com que casais de imigrantes tenham que viver separados.

Sobre ações de transferência de venezuelanos para outros estados, o Conselho de Direitos Humanos também fez recomendações. Foi pedido que as ações de interização ocorram de forma voluntária, e que os imigrantes tenham o direito de desistir de participar do processo, além de contemplar pessoas em situação de vulnerabilidade, o que inclui famílias, com ou sem crianças.

Até agora, já foram feitas três etapas da interiorização, levando 527 venezuelanos para as cidades de São Paulo, Manaus e Cuiabá em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB).

O relatório do CNDH ressalta ainda a necessidade de atenção específica aos indígenas venezuelanos que têm imigrado para o Brasil. Um dos oito abrigos da capital é exclusivamente para índios venezuelanos, a maioria da etnia Warao.

“A presença de grupos indígenas entre os migrantes não tem recebido a atenção que a situação exige”, ressalta o documento, mencionando que as medidas que afetem os indígenas devem ser desenvolvidas com sua participação e consentimento.

O relatório foi feito com base em visitas aos estados do Pará, Amazonas e Roraima, entre os dias 17 e 26 de janeiro deste ano. O documento foi aprovado em Brasília pelo colegiado da instituição.

Veja íntegra da nota do Ministério da Defesa

A assistência aos venezuelanos é definida pelo Comitê Federal de Assistência Emergencial (decreto 9.286/2018), composto por 12 ministérios e presidido pela Casa Civil (e não pelas Forças Armadas).

A operação local é conduzida por equipes desarmadas de militares, dada sua ampla experiência com o terreno de fronteira, com logística e com a montagem de estruturas temporárias. A gestão dos abrigos e o acolhimento de imigrantes são tarefas conduzidas pelo Acnur/ONU e por ONGs, principalmente pela Fraternidade Sem Fronteiras, em estreito relacionamento com o Ministério do Desenvolvimento Social.

Portanto é incorreto se referir a uma militarização da resposta humanitária. Cabe ao Ministério da Defesa a coordenação operacional das ações e projetos estabelecidos por este comitê. Os recursos financeiros investidos na operação podem ser consultados via Portal da Transparência.

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