Israel – Gaza – A nova Tragédia no Oriente Médio

SERGIO DUARTE
Embaixador, ex-Alto Representante das
Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento.
Presidente das Conferências Pugwash sobre
 Ciência e Assuntos Mundiais.

Passados doze dias do mais grave e mortífero  ataque terrorista perpetrado pela Hamas contra Israel, é possível avaliar algumas de suas repercussões imediatas. Certamente ainda haverá novas e profundas consequências negativas para a segurança da região e do mundo.

No último dia 7, centenas de militantes do Hamas atravessaram o muro fortificado erguido entre a faixa de Gaza e Israel, juntando-se a elementos infiltrados e matando civis indiscriminadamente, enquanto milhares de foguetes eram  disparados contra o território de Israel. As vítimas do lado israelense somaram aproximadamente 1.300 pessoas. O ataque foi uma surpresa para o governo de Israel, que provavelmente confiava nas virtudes dissuasórias de suas defesas e de seu esmagador poderio militar, assim como na capacidade e eficiência do sofisticado sistema de inteligência e informação.

O conflito prosseguiu com bombardeios israelenses sobre a faixa de Gaza, controlada pelo grupo Hamas, onde vivem aproximadamente 2 milhões e meio de palestinos. Ao longo dos dias seguintes Israel concentrou tropas na fronteira de Gaza porém até agora não houve invasão terrestre. Relatos de imprensa informam que pelo menos 4 mil pessoas, na maioria palestinos,  já perderam a vida desde o início dos confrontos.

Por enquanto, pode-se apenas especular sobre os motivos pelos quais o Hamas decidiu lançar sua ofensiva neste momento. As recentes iniciativas de aproximação entre Israel e países árabes mais moderados, como os chamados “acordos de Abraão” com o Bahrein e os Emirados Árabes e as conversações em curso com a Arábia Saudita, a Jordânia e o Catar, aliadas às pressões para maiores concessões aos palestinos por parte de Tel-Aviv poderão haver gerado no Hamas – adversário  político da Autoridade Palestina – a convicção de que era necessário prejudicar  o desenvolvimento da tendência a uma acomodação entre Israel e o mundo árabe que parecia esboçar-se.

Os fatos do dia 7 e seus desdobramentos sem dúvida obrigarão os governos interessados a reavaliar suas posições e aspirações.  Da mesma forma, não se pode ainda vislumbrar o futuro das organizações militantes Hamas e Hizbollah, que gozam do apoio iraniano. O Oriente Médio, por algum tempo colocado em segundo plano devido à guerra entre a Rússia e a Ucrânia, volta a ocupar atenção prioritária nas relações internacionais.  

As incógnitas suscitadas pelo ataque do Hamas são muitas e complexas. Em ocasiões anteriores semelhantes Israel limitou sua reação a bombardeios contra Gaza e outras ações militares com o objetivo de neutralizar a liderança do Hamas e restringir sua liberdade de ação. Desta vez, porém, prefigura-se a possibilidade de uma invasão e ocupação militar daquele território, ainda densamente povoado mesmo após a forçada migração de mais de um milhão e meio de seus habitantes para o sul. Qualquer decisão do governo de Tel-Aviv terá que levar também em conta a presença de cerca de 150 reféns israelenses sequestrados pelo Hamas, o que exigirá delicadas negociações e muito cuidado na execução de quaisquer incursões por parte do exército de israelense.

Além disso, Israel terá difíceis problemas a resolver no dia seguinte: quando e como retirar-se e, qual será o futuro status do enclave, e como lidar com a reação negativa em várias partes do mundo, principalmente no que diz respeito à observância das normas do direito internacional humanitário.  O Presidente norte-americano Joe Biden reafirmou o absoluto apoio a Israel, mas declarou que uma invasão seria “um grande erro”. O Secretário de Estado Anthony Blinken tem percorrido os países da região nos últimos dias buscando evitar o alargamento do conflito, no qual os Estados Unidos se veriam inevitavelmente envolvidos.

O risco principal é que uma reação desproporcional de Israel ou a exacerbação do sentimento de revolta de parte dos palestinos possam causar a escalada das hostilidades, com novos ataques terroristas, levantes populares, entrada ativa do Hizbollah no conflito e  até mesmo o apoio ostensivo do Irã. Alguns comentaristas já aventaram a hipótese, que parece remota,  de uso de armas nucleares na região. O primeiro ministro de Israel foi duramente criticado pela falência do sistema de inteligência, que se deixou surpreender pela ousada incursão do Hamas.  Diante das trágicas proporções dos acontecimentos, Netanyahu organizou um governo de emergência com a participação do líder da oposição e terá que demonstrar equilíbrio, decisão e responsabilidade a fim de manter sob controle a ala extremista de seu próprio partido.

Há meio século, na guerra do Yom Kippur, o bem sucedido avanço inicial de egípcios e sírios contra Israel foi aclamado com júbilo no mundo árabe, ainda que a vitória final coubesse a Israel. O presidente egípcio Anwar Sadat e o então líder do Hamas, Yasser Arafat, construíram com o premier israelense Ytzak Rabin um acordo de paz patrocinado pela Noruega e Estados Unidos , que infelizmente não foi capaz de promover o objetivo, acordado em 1948, de estabelecimento de dois estados vizinhos em paz – Israel e Palestina. Os acontecimentos desde o último dia 7 tornarão ainda mais improvável que esse desígnio se torne realidade. 


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