Rússia x Ucrânia: entenda ‘guerra híbrida’ que ucranianos acusam Putin de promover

A tensão entre a Rússia e a Ucrânia vem aumentando há várias semanas.

Em meio à troca de acusações, os Estados Unidos dizem que há uma ameaça "iminente" de Moscou a Kiev e enviaram mais de 8 mil soldados para a Europa Oriental.

Já o governo de Vladimir Putin, por sua vez, negou a possibilidade de um ataque e acusa Washington de tentar levar seu país à guerra contra a Ucrânia.

A fronteira entre as duas nações, no entanto, já acumula mais de 100 mil soldados russos, o que disparou alarmes em vários ministérios das Relações Exteriores ao redor do mundo, que falam abertamente da possibilidade de uma guerra.

A principal exigência do governo russo é que o Ocidente garanta que a Ucrânia não vai aderir à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), uma aliança defensiva de 30 países liderada pelos Estados Unidos.

Moscou vê, portanto, essa possível adesão como uma ameaça à sua segurança. A Ucrânia é considerada a "fronteira ocidental" da Rússia.

Mas embora nenhum confronto militar tenha ocorrido até agora, as autoridades ucranianas denunciaram a existência de uma "guerra híbrida" contra elas.

Uma das acusações é de que o Kremlin estaria por trás de um ataque cibernético que afetou dezenas de sites oficiais do governo da Ucrânia.

A ação — segundo Kiev — é a "manifestação da guerra híbrida que a Rússia mantém na Ucrânia desde 2014", referindo-se ao ano da anexação da península da Crimeia pelo Kremlin.

Mas o que é uma guerra híbrida? E que fatores determinam sua existência?

O que significa uma 'guerra híbrida'?

O conceito — que foi utilizado pela primeira vez no início dos anos 2000 — tem a ver com a implementação de uma estratégia (ou várias) de enfrentamento que não passa necessariamente por um combate de tipo militar.

"Um país pode usar meios que prejudiquem a segurança e a estabilidade de outro país. E não são meios militares, mas, por exemplo, ataques cibernéticos ou o lançamento de uma onda massiva de tuítes que vão contra a posição de um determinado governo. Chamamos isso de guerra híbrida", diz Antonio Alonso Marcos, professor de Relações Internacionais da Universidade de San Pablo CEU, em Madri, na Espanha, explica à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.

O uso de mecanismos como insurgência, migração ou uso de "fakes news" e desinformação, entre outros, também é considerado parte dessas estratégias de combate não tradicionais, nas quais a propaganda e a provocação têm papel fundamental.

Segundo Alonso Marcos, as novas tecnologias são um importante facilitador para guerras híbridas, devido ao aumento dos crimes cibernéticos.

Quando o ciberataque à Ucrânia ocorreu em meados de janeiro, as autoridades daquele país afirmaram em comunicado que o objetivo "não era apenas intimidar a sociedade", mas também "desestabilizar a situação" com "informações falsas sobre a vulnerabilidade da infraestrutura de TI estatal".

Nos últimos dias, e em meio a temores de um ataque militar russo, os serviços de segurança ucranianos relataram centenas de ameaças de bomba falsas, levando ao fechamento de algumas escolas.

Isso também foi descrito pelas autoridades ucranianas como parte da estratégia de guerra híbrida da Rússia.

O Kremlin, no entanto, nega qualquer plano de agressão contra a Ucrânia.

Mecanismo cada vez mais comum

De acordo com vários especialistas, esse tipo de investida está se tornando cada vez mais comum.

Alonso Marcos explica que "as guerras tradicionais, com um exército uniformizado entrando no território de outro Estado, como foi feito no Iraque ou no Afeganistão, dificilmente acontecem".

"Agora, as guerras são mais assimétricas, com outros atores envolvidos", diz ele.

Outra diferença entre a guerra híbrida e a guerra tradicional é que é difícil saber quando a primeira começa. Na guerra tradicional, geralmente um país declara guerra a outro. Mas nesses casos, a dinâmica não é a mesma.

"A guerra é um processo que está acontecendo (entre Rússia e Ucrânia). Mas, mesmo assim, não está claro se é realmente uma guerra de um país contra outro, porque não há invasão aberta", explica Olga Malchevska, jornalista do serviço em ucraniano da BBC, à BBC News Mundo.

Para Alonso Marcos, "não é fácil" catalogar a guerra híbrida porque "sua característica predominante é que ela não é realizada com métodos tradicionais, então também tem a ver com a vontade política de identificá-la dessa forma".

Adversário irreconhecível

O precedente torna-se ainda mais complexo porque na guerra híbrida não é fácil reconhecer quem está atacando.

Nesse caso, por exemplo, a Rússia tem negado consistentemente o envolvimento nas acusações feitas pelos ucranianos, embora, segundo especialistas, tenha se mostrado hábil em atacar o domínio cibernético dos países.

"A Rússia continuará negando e é uma boa maneira de esconder seu envolvimento. Esse mecanismo funciona ainda melhor em casos de ciberataques, quando é difícil saber quem está por trás dele. Por isso, é visto como uma forma muito eficiente para enfrentar o adversário", Sergei Goryashko, jornalista do serviço em russo da BBC.

Outra dimensão desse tipo de conflito é a imersão de separatistas que buscam desestabilizar determinado país, algo que também não é feito abertamente.

"Eles não são soldados de um país, mas pessoas locais que concordam com aquele país. (No caso da Rússia e Ucrânia) muitos especialistas provaram e evidenciaram que a população local estava usando armas fornecidas pela Rússia e também pelas principais autoridades dos chamados rebeldes", explica Olga Malchevska.

"Há muitas evidências de que a Rússia apoia os separatistas, mas o governo Putin assume muito pouca responsabilidade por isso", acrescenta.

Outros casos

Não é a primeira vez que se fala de uma guerra híbrida com o caso da Rússia e da Ucrânia.

Um dos episódios mais recentes é o que aconteceu em 2021 entre Lituânia e Polônia (ambas da União Europeia) e Belarus (aliada da Rússia).

O fluxo migratório de Belarus dobrou, e os governos da Lituânia e da Polônia acusaram diretamente Putin de "orquestrar" uma crise em ambas as nações em resposta às sanções impostas pela União Europeia contra o regime bielorrusso, liderado por Alexander Lukashenko.

Uma reportagem investigativa da BBC, publicada em outubro do ano passado, descobriu como a Belarus estava ajudando os migrantes desses países, concedendo-lhes vistos de turismo para se deslocarem pelo país em direção à fronteira com a Lituânia e a Polônia.

O governo lituano disse que os imigrantes estavam sendo usados como uma "arma política", e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que a União Europeia estava enfrentando um "ataque híbrido cínico e perigoso".

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