Gen Pinto Silva – Estratégia Indireta na Crise com a Venezuela

Nota DefesaNet

A série de artigos do Gen Pinto Silva analisando a questão da Venezuela – Guiana e as implicações ao Brasil. Assim como outros artigos relacionados publicados anteriormente estão listados na seção Escolha do Editor

O Editor

Pinto Silva, Carlos Alberto[1]

1. GENERALIDADES[2]. 

“Aprendamos a sobreviver na ‘paz’ e a salvar o que dela nos resta. Aprendamos a estratégia indireta.” 

A opção pela estratégia indireta ocorre em função da inexistência de uma superioridade esmagadora dos meios militares e/ou da falta de liberdade de ação e/ou da convicção que a solução para o conflito pode e deve ser obtida sem o emprego da violência ou com o emprego da violência, mas sem preponderância da Expressão do Poder Militar Nacional. 

O método indireto usa qualquer uma das Expressões do Poder Nacional, que não o militar, para persuadir ou coagir o adversário a aceitar uma solução do conflito; a Expressão Militar contribui de forma complementar, já que o Poder Nacional é indivisível. Basicamente emprega a: 

– Persuasão – Meios Diplomáticos e Jurídicos; 

– Coerção – Meios Políticos, Econômicos ou Psicossociais. 

Portanto, a Estratégia Indireta é “A arte de saber explorar, ao máximo, a estreita margem de liberdade de ação que escapa da dissuasão pelas armas e conseguir sucessos decisivos, apesar da limitação, por vezes extrema, dos meios militares que podem ser empregados.” 

Na Estratégia Indireta temos: 

– Manobra Exterior;  

– Manobra Interior. 

2. MANOBRA EXTERIOR 

A situação vivida na atual conjuntura brasileira é a de paz relativa, uma Guerra Política[3] Permanente, não há inimigo e sim Estados desencadeando ações hostis em defesa dos seus interesses. Está acontecendo um “Conflito na Zona Cinza”, (zona cinzenta entre as noções tradicionais de guerra e de paz) caracterizado por uma intensa competição política, econômica, informacional, mais acirrada que a diplomacia tradicional, porém inferior à guerra convencional, realizada por Estados4 que têm seus interesses desafiados pelo Brasil. 

O termo “Permanente”, por sua vez, não possui relação direta com a duração das guerras. Diz respeito, na verdade, à condição assumida pelo Estado de que qualquer ação de política externa, em defesa de interesses nacionais, é um “conflito na zona cinza”, que se caracteriza por uma intensa competição política, econômica, informacional e militar, mais acirrada que a diplomacia tradicional, mas deliberadamente concebida para permanecer abaixo dos limites de um conflito militar convencional. 

Conduzida sobre o tabuleiro de xadrez mundial, em que o essencial da luta não se joga no terreno dos combates, mas fora dele. 

Em estratégia, mais do que em outros domínios, é preciso saber distinguir o essencial do acessório. 

Na estratégia indireta, o essencial sendo centrado na busca da liberdade de ação, o interesse vai se concentrar nos meios indiretos capazes de assegurá-la; é aí que o esforço deve ser feito em prioridade. 

A manobra exterior consiste em realizar o máximo possível de dissuasões: a escolha destas pode ser feita partindo das vulnerabilidades do sistema adverso, opinião pública interna, economia, tabus da psicologia humana, tráfico de drogas, terrorismo etc. 

Disto, deve-se deduzir a linha política; é preciso notar que uma linha política defensiva teria um fraco valor de dissuasão, porque a chave da dissuasão é a capacidade de ameaçar. É preciso uma linha política ofensiva.  

Deve-se partir dos pontos fracos do inimigo e não de nossas concepções morais e filosóficas, é preciso que nosso sistema de ataque seja concebido em função dos que se quer convencer. 

Outro elemento do prestígio dissuasório é estabelecer a credibilidade da nossa capacidade e vontade de reagir lutar e vencer, é a posse de uma doutrina dinâmica, portanto rejuvenescida, que poderá conduzir a este resultado. Enfim, o prestígio resulta, em parte, do temor que se pode inspirar, a “cara” representa um papel considerável. 

Ressaltamos, ainda, como Manobra Exterior: 

– Atuação forte na ONU, na OEA, no BRICS, e no MERCOSUL expondo a Guerra Política desencadeada por alguns países visando atingir o Brasil, e desestabilizar autoridades e a economia;  

– Busca de apoio em países, que já fizeram declarações favoráveis ao Brasil.  

3. MANOBRA INTERIOR 

–  Duração; 

–  Forças materiais;  

–  Forças morais 

3.1. Duração. 

Quando forças materiais são pequenas, devemos compensá-las através de forças morais bastante grandes e uma manobra necessariamente longa, visando a atingir o objetivo, menos por uma vitória militar do que pela manutenção de um conflito prolongado, concebido e organizado para tornar-se cada vez mais pesado para o adversário.

“Desenvolve-se através de um conflito prolongado, de caráter total, tendo, na maioria das vezes, fraca intensidade, podendo usar, se necessário, ações irregulares, e busca obter a decisão pelo desgaste moral e o cansaço material.

É de grande importância o ataque as linhas de suprimento do inimigo desde seu território.

 Nesta forma de atuar é fundamental ‘saber durar’ “. 

Assim sendo, a operação se desenvolve em dois planos, simultaneamente: o plano material das forças militares e o plano moral da ação psicológica. 

3.2. Plano Material das Forças Militares 

No plano material trata-se, de início, de saber durar. Estando-se em inferioridade de meios, só se pode esperar sobreviver recusando o combate e empregando-se uma tática de inquietação para manter a existência do conflito. Isto conduz à GUERRA IRREGULAR velha como o mundo e no entanto esquecida e reaprendida a cada geração.[4] 

A GUERRA IRREGULAR como forma de condução de uma guerra convencional vem sendo objeto de codificações estratégicas muito importantes, que permitem conduzir este tipo de operação segundo conceitos racionais que lhe aumentam muito a eficiência, e, por conseguinte, permitem reduzir consideravelmente o desequilíbrio das forças materiais. 

.3.3. Plano Moral da Operação Psicológica. 

No plano psicológico, a ideia geral é ainda saber durar. Para isto, é indispensável que as forças morais dos combatentes e da população sejam desenvolvidas e mantidas a um nível elevado. Simetricamente é preciso levar o adversário a ceder pelo cansaço. 

Esta ação psicológica é complexa, pois deve dirigir-se simultaneamente à população e aos combatentes amigos. Ela repousa sobre dois elementos principais: a “linha política de base” e a “escolha da tática psicológica”. 

A linha política de base, que deve estar em harmonia com a linha política necessária à manobra exterior, deve ser tal que possua capacidade de mobilizar, com vista à luta de paixões do povo que deseja emocionar. Além disso, estas paixões (patrióticas, religiosas, sociais etc.), devem ser apresentadas segundo uma orientação que demonstre a justiça da causa que se quer apoiar. 

As táticas psicológicas comportam técnicas bem conhecidas de propaganda e de organização da população, por meio de um enquadramento cerrado e cuidadosamente vigiado. Mas, neste gênero de guerra é sobretudo indispensável compreender que os maiores sucessos são de ordem psicológica e que, portanto, as ações materiais só têm interesse por seu valor no sentido de levantar o moral, o prestígio dos combatentes ou da população. A GUERRA EM DEFESA DE NOSSA SOBERANIA deverá, portanto, ser frequentemente conduzida neste sentido, se faltam sucessos ou eles são mínimos, o blefe, indo até a mentira total para suplementá-los. No mesmo sentido, uma orquestração de notícias sensacionalistas, permite ao adversário multiplicar o efeito psicológico de ações modestas e repetidas. 

3.4. Dissuasão uma visão a ser considerada. 

A dissuasão estratégica “é o conjunto de instrumentos, que utilizam o poder de influência (Soft Power) e poder coercitivo (Hard Power), mediante o emprego de ferramentas de (des)informação, cibernéticas, econômicas, militares e políticas, tanto ofensiva quanto defensivamente, de modo contínuo, independentemente de ser tempo de paz ou guerra, em busca de prevenir conflitos violentos, reverter a escalada de conflitos militares (ou cessá-los no início) ou estabilizar situações político-militares em (potenciais) (coalizões de) Estados de interesse adversários, em condições favoráveis para o nosso país.[5]

A dissuasão não cessa após a eclosão de um conflito. Ela continuará a empregar seus instrumentos ao longo de todas as fases de uma crise político-militar, na tentativa de controlar sua escalada e garantir condições favoráveis.  

3.5 Guerra de Informação uma ideia a ser pensada. 

O Ocidente considera as medidas não militares como formas de evitar a guerra, enquanto a Rússia as considera armas de guerra. 

A ‘Guerra de Informação’ são ações ofensivas e defensivas na dimensão informacional, destinadas a obrigar adversários a se submeter à vontade de um ator por meio do emprego de operações cibernéticas, operações psicológicas, guerra eletrônica, segurança de operações e dissimulação militar. 

3.6. Existem certas medidas fundamentais, como manobra interior, entre elas: 

– Despertar o interesse da sociedade pelos assuntos de defesa; 

– Arranjar a harmonização dos três Poderes em assuntos de defesa e política externa; 

– Combinar o emprego de forças militares com as ferramentas tipicamente de Estado; 

 – Buscar a integração das diversas ferramentas do Poder Nacional e dos grupos não estatais em benefício da defesa dos interesses nacionais do país, forçando o oponente a confrontar vários campos de batalha, simultaneamente;  

 – Permitir o uso todos os elementos do Poder Nacional, em uníssono e com a combinação certa de instrumentos diplomáticos, econômicos, militares não cinéticos, políticos, jurídicos e culturais para cada situação; 

– Obter a participação da própria população na defesa da soberania da nação; 

– Entendimento de que todos os fatores do Poder Nacional possuem uma estreita dependência do poder econômico, a ciência de bem aplicá-los na defesa da nossa soberania está na sua integração e harmonização; 

– Alcançar a excelência nas atividades de guerra em rede, de inteligência artificial, segurança cibernética, espionagem eletrônica, e o uso de drones como base de fogos e operações de inteligência. 

É necessário estabelecer progressivamente, ainda, capacidades para eventual emprego de antiacesso (A2) e negação de área (AD)[6], valendo-se de sofisticados meios aéreos, navais e de defesa antimísseis, apoiados por operações de informação, atividades cibernéticas e de guerra eletrônica, que desafiam a possibilidade das forças oponentes de simplesmente chegar ao teatro de operações e muito menos abordar e operar fisicamente no campo de batalha. 

– Procurar que todos os brasileiros, ou a sua maioria, saibam o que é um “Conflito na Zona Cinza[7]”; e  – Usar a Guerra Assimétrica Reversa[8] e a Assimetria Estratégica[9]


[1] Carlos Alberto Pinto Silva / General de Exército da reserva / Ex-comandante do Comando Militar do Oeste, do Comando Militar do Sul, do Comando de Operações Terrestres, Ex-comandante do 2º BIS e da 17ª Bda Inf Sl, Chefe do EM do CMA, Membro da Academia de Defesa e do CEBRES.

[2] Resumo de ideias retiradas de notas de aula da ECEME, de artigos de André Beaufre e ideias pessoais

[3] “O uso de todos os meios de disponíveis de uma nação para alcançar objetivos nacionais sem entrar em guerra”. É uma Guerra Política permanente na Guerra de Nova Geração.

[4] “Guerrilha – Wikipédia, a enciclopédia livre”

[5] Baseado em visão Russa de Dissuasão. www.uptake.ut.ee/wpcontent/uploads/2019/03/Okke_Lucassen_WP2.pdf.

[6] Stand off Fire

[7] “A Zona Cinza se caracteriza por uma intensa competição política, econômica, informacional e militar, mais acirrada que a diplomacia tradicional, porém inferior à guerra convencional”.

[8] “Todo e qualquer tipo de conflito bélico em que, pelo menos em algum momento, existe a efetiva limitação ou, em termos mais precisos, autolimitação do emprego da evidente superioridade militar e, particularmente, tecnológica no campo de batalha”.

[9] “Em questões militares e de segurança nacional, a assimetria estratégica significa agir, organizar e pensar diferentemente do adversário para maximizar os esforços relativos, aproveitando suas fraquezas, e adquirir maior liberdade de ação” (Steven Metz).


Nota DefesaNet

Matérias publicadas pelo Gen Pinto Silva relacionada à Crise Guiana-Venezuela:

Gen Pinto Silva – Reação à Crise do ESSEQUIBO

Gen Pinto Silva – Estratégia Indireta na Crise com a Venezuela

Gen Pinto Silva – A Guerra de Nova Geração Chegando a América do Sul

As matérias relacionadas à Crise n a Venezuela podem ser acessadas na coluna Escolha do Editor

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