Desestabilização: a atual ameaça à ordem pública brasileira

Desestabilização: a atual ameaça à ordem pública brasileira

 

ALEXANDRE ANTUNES RIBEIRO

Capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo, onde ingressou em 2004. Na PM realizou os cursos de Tiro Defensivo na Preservação da Vida (Método Giraldi), Força Tática, Controle de Distúrbios Civis e Policiamento em Praças Desportivas e Eventos. Bacharel em Direito pela UNISAL (Universidade Salesiana) e pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Anhanguera, comandou o Pelotão de Força Tática de 2009 a 2012 e o Pelotão de Ações Especiais de Polícia de 2013 a 2018. Desde 2018 é comandante da 3ª Companhia do 1º BAEP (Batalhão de Ações Especiais de Polícia), do qual é um dos fundadores.

1.      Introdução

           

Ao se considerar a máxima de Carl Von Clausewitz (1790-1831) que “a guerra é a continuação da política por outros meios” e os custos humanos e materiais de um conflito armado, fica claro que a guerra é, na verdade, o último recurso para a consecução de um objetivo. Tudo deve ser tentado antes do conflito bélico. Se um país está em rota de colisão com interesses de um outro país, ou de um outro grupo com poder, por que não mudar seus governantes ao invés embarcar em um custoso conflito armado? "O prêmio maior de uma vitória é triunfar por meio de estratagemas, sem usar as tropas” (SUN TZU, [s.d.],  p. 10).

               

As eventuais interferências de forças com interesses contrários aos de um governo são parte de estratagemas pouco divulgados das relações de poder: trata-se da tentativa de Mudança de Regime (Regime Change). Num processo natural de mudança de líderes, o país alvo dessa tentativa de mudança, terá seus partidos de oposição fortalecidos ou suas eleições fraudadas por recursos externos como já ocorreu diversas vezes em países como Romênia, Polônia, Birmânia, Egito entre outros (CORMAC, 2018).

           

Analisando as ideias de Cormac[1](2018) e Sharp[2](2012), tem-se que, se a mudança de regime não puder ser realizada por meio do processo natural de substituição dos líderes, que no caso da democracia acontece por meio do voto, ela será desenvolvida invariavelmente por meio da desestabilização.  Ou seja, a quebra generalizada da ordem pública, tendo como consequência o mau funcionamento das Instituições do Estado, gerando caos e ambiente político e social capaz de propiciar a queda da liderança presente no poder. Essatentativa de mudança de regime pode ocorrer de forma violenta ou não.

O objetivo desse artigo é apresentar e discutir a prática da desestabilização social como uma estratégia utilizada largamente nos dias de hoje para provocar mudanças nos regimes de governo. E, além disso, a necessidade de incorporar esse conhecimento na formação, treinamento e atuação dos agentes de segurança responsáveis pela manutenção da ordem pública.

           

As Forças de Segurança e Ordem Pública de um Estado, além de serem as garantidoras de direitos individuais aos cidadãos, são também garantidoras da estabilidade e consequentemente da prosperidade de uma nação. Assim, as Forças Armadas tem como missão principal garantir a soberania e impedir invasões externas, enquanto que as Polícias Militares, garantem o cumprimento da lei e a manutenção da ordem pública, garantindo que movimentos alheios à vontade do povo não promovam a desestabilização do País.

Sobre a Ordem Pública, faz necessário conceituá-la para se compreender todos seus aspectos. Para o jurista Lazarini (1999, p. 52):

Ordem pública tem definição vaga e ampla, e varia no tempo e no espaço, sendo mais fácil a sua percepção na vida social. Constituir-se-ia assim pelas condições mínimas necessárias a uma conveniente vida social, a saber: segurança públicasalubridade pública e tranquilidade pública. 

 

Knabben (2006) observa que a ordem pública se caracteriza pelo convívio social pacífico e harmônico, tendo por base o interesse público, a estabilidade das instituições ea observância dos direitos individuais e coletivos. 

           

Ou seja, pode-se dizer que a ordem pública está diretamente ligada à harmonia dos integrantes da sociedade entre si e com todas as instituições do Estado, as quais devem estar funcionando normalmente.

           

No entanto, observa-se um avanço cada vez maior de forças desestabilizadoras dessa harmonia entre sociedade e instituições do Estado. A quebra da ordem pode surgir de muitas fontes distintas, como observado a seguir.

     

Nas próximas sessões são apresentadas diferentes formas de desestabilização da ordem, especialmente as não violentas, pois, como observado inicialmente, a vitória maior está em usar estratagemas e não as tropas para vencer um conflito.

 

2.      As ameaças já conhecidas

 

Tomando como medida textos jornalísticos das últimas três décadas conclui-se, invariavelmente, que a maior ameaça à ordem pública que as polícias militares brasileiras enfrentam são o tráfico de drogas, o crime organizado e a corrupção.

           

O tráfico de drogas movimenta somas vultuosas de dinheiro, tão grandes que geram a capacidade de grupos criminosos subornar toda a cadeia repressiva do Estado, desde o policial de rua ao juiz de direito, além de se infiltrar no poder político, financiando candidatos favoráveis aos seus interesses nefastos (GODOY, 2020).

           

Também, há que se levar em conta o poder destrutivo do consumo de drogas em uma sociedade. Além do sofrimento causado para o indivíduo viciado e as pessoas ao seu redor, é imperioso salientar os problemas crônicos de saúde decorrentes do uso de drogas e a consequente sobrecarga do serviço público de saúde.

           

Por fim, o tráfico e o consumo de drogas geram um problema social, até o momento insanável, pois criam um número gigantesco de indivíduos que, em razão do seu vício, estão impossibilitados de exercerem qualquer serviço ou praticarem qualquer ato de cidadania, sendo obrigados a vagarem sem qualquer perspectiva pelas ruas dos grandes centros, espalhando crime e se afundando no vício. Por todos esses fatores, o tráfico de drogas é hoje uma atividade com alto poder de desestabilização social.

Figura 1.  Aglomeração de usuários de drogas. Cena comum nos grandes centros.[3]

           

O crime organizado, por sua vez, apresenta diversas características em seu modo de agir que são capazes de abalar a ordem pública. Entre elas podemos citar:

 

[…]grande capacidade de cometimento de fraude difusa, pelo escopo prioritário de lucro e poder a ele relacionado, mediante a utilização de meios intimidatórios, como violência e ameaças, e, sobretudo, o estabelecimento de conexão estrutural ou funcional com o Poder Público ou com algum(ns) de seus agentes, especialmente via corrupção – para assegurar a impunidade, pela neutralização da ação dos órgãos de controle social e persecução penal -, o fornecimento de bens e serviços ilícitos e a infiltração na economia legal, por intermédio do uso de empresas legítimas, sendo ainda caracterizada pela territorialidade, formação de uma rede de conexões com outras associações ilícitas, instituições e setores comunitários e tendência à expansão e à transnacionalidade, eventualmente ofertando prestações sociais a comunidades negligenciadas pelo Estado. (FERRO, 2009, p. 499, apud SANTOS, 2018 [s.p.]).

 

Esse modo de atuação do crime organizado tem enorme potencial de quebra da ordem pública, capacidade essa já demonstrada diversas vezes em vários estados da federação por meio de: rebeliões em estabelecimentos prisionais, confrontos armados entre grupos rivais, depredação do sistema de transportes e ataque às forças de segurança ou a qualquer órgão representante do Estado (MALVA, 2020).

           

A corrupção talvez seja o problema social mais presente na mente da população quando se trata de questões Nacionais.  Ela é capaz de corroer todo sistema de administração pública e gerar colapso na prestação de diversos serviços essenciais e básicos do Estado, como saúde, educação e segurança. Além disso, como já mencionado, trata-se de um dos pilares de sustentação do crime organizado.

           

Apesar de serem problemas presentes e capazes de quebrar a ordem pública, o tráfico, o crime organizado e a corrupção, corroem a ordem social de forma lenta (PINHEIRO, 2007). Por isso, somente são utilizados como ferramentas de desestabilização em estratégias de longo prazo, conforme mostrado por Joseph D. Douglass em seu livro Red Cocaine[4].

           

No curto prazo, as ações para desestabilização são muito mais contundentes, ainda que algumas dessas ações sejam disfarçadas e propagadas como algo novo e positivo para a sociedade.

           

A seguir são apresentadas formas de desestabilização pouco percebidas pelos diferentes setores da sociedade, mas que tem potencial disruptivo mais rápido que as ameaças já conhecidas.

 

3.      Desestabilização não violenta

           

Existem diversas táticas para realizar uma mudança de regime num país. Segundo Cormac (2018), ao se buscar a tática mais adequada, a força que busca o caos prefere sempre a opção com maior eficiência e menor rastro, ou seja, se for acusada de alguma ação desestabilizadora poderá negar de forma plausível (plausibledeniability).

Um dos países alvos desse tipo de desestabilização, de acordo com o autor citado,  foi o Irã na década de 1950, quando um governo novo assumiu o poder e nacionalizou as companhias de petróleo, causando grandes danos aos interesses ingleses. Após um determinado período, em 1953, houve um golpe de Estado no Irã e o regime que nacionalizou as companhias petrolíferas foi substituído por outro que atendia aos interesses britânicos. Para isso, o serviço secreto inglês, aliado a agência de inteligência americana, utilizou diversas táticas, apresentadas a seguir.

           

De acordo com Cormac (2018), a mais comum das táticas é a propaganda, que pode ser dividida em propaganda cinza, negra e branca.  A propaganda cinza é a mais usada.  Trata-se de material verdadeiro, mas cuidadosamente editado de forma que atenda aos interesses do grupo desestabilizador e mantenha seus patrocinadores no anonimato.

           

Já a propaganda negra é mais desonesta e perigosa, pois contém desinformação, não sendo possível atribuir sua autoria. Em alguns casos sua autoria é imputada a uma pessoa diferente, normalmente para desacreditá-la ou provocar ódio contra ela. Exemplos desse tipo de atuação são peças forjadas pela inteligência ocidental ao longo da guerra fria, ligando oficiais do partido comunista soviético à corrupção e a atividades subversivas contra a própria União Soviética (CORMAC, 2018).

           

Outro exemplo, citado por Cormac (2018), refere-se ao serviço especial de inteligência inglês que realizou operações de falsa bandeira no Irã no começo da década de 1950. Numa dessas operações buscaram incriminar determinados indivíduos, que sofreriam hostilidade pública. Também foram planejados ataques contra respeitados líderes religiosos iranianos de forma que a culpa fosse atribuída aos inimigos dos interesses britânicos, bem como foram forjados documentos que ligaram o regime iraniano aos comunistas. Nessa mesma operação, a agência central de inteligência americana (CIA), atuando em conjunto com os ingleses, ficou encarregada de realizar ameaças por telefone e planejar falsos ataques a bombas, tudo isso se passando por comunistas. Agitando opositores e disseminando propaganda provocativa cria-se um clima de tensão que pode levar ao caos e consequentemente aassassinatos. Ainda, segundo o mesmo autor, em 1952, propaganda negra inserida dentro de um jornal iraniano, acusava um alto funcionário do governo de ser ladrão, homossexual e de ter se convertido ao Cristianismo. No Irã, no começo dos anos 1950, isso era uma clara incitação ao homicídio.

         

Por fim, existe a chamada propaganda branca, que nada mais é do que uma fonte oficial de notícias cujas informações verdadeiras são fortalecidas por propaganda negra e cinza. Verdades, meias-verdades e mentiras atuam juntas para fixar determinada narrativa e criar desordem.

           

Uma outra tática de desestabilização não violenta usada com frequência segundo Cormac (2018), é a utilização de  propina, provavelmente pela sua eficiência e dificuldade no rastreamento da fonte pagadora. Com a propina é possível fazer com que o político mais fervorosamente nacionalista passe a defender a privatização de companhias estatais estratégicas ou que o mais devoto socialista defenda o interesse de grandes empresários.

           

A propina também pode ser usada para auxiliar a propaganda como agente de desestabilização. Segundo Cormac (2018), a Grã-Bretanha, para desestabilizar o regime do Irã, subornou os editores dos principais jornais iranianos para inserir material negativo sobre o governo nas publicações jornalísticas, bem como fez uso de propina para comprar diversos lideres políticos dentro do parlamento. Tudo feito de forma discreta, indireta e que podia ser facilmente negada. Ao longo de um ano, a estratégia britânica foi criar um clima político e social que conduzisse para a mudança de regime. Por meio da propina e da propaganda, a Inglaterra buscou cultivar forças opositoras e mobilizar as forças existentes, o que proporcionou a substituição do regime iraniano vigente.

Também é possível desestabilizar um país de forma velada por meio de sua economia. Cormac (2018) comprova, através de pesquisa em documentos secretos recentemente abertos ao público, que as grandes crises econômicas são catalisadoras de mudanças políticas e é possível provocá-las de forma dissimulada.

Isso aconteceu em 1956, quando houve a eleição de um governo esquerdista na Islândia. Os serviços secretos ocidentais, por meio de empresas de fachada, compravam peixe de outros países a um preço mais alto e vendiam mais barato dentro da Islândia, buscando a quebra da indústria pesqueira daquele país e a consequente revolta popular com o governo socialista.

           

Esse mesmo autor, comprova documentalmente que também é possível iniciar a desestabilização por meio de manifestações populares, as quais podem fazer uso da violência ou não.

Desde a segunda metade do século XX até a presente data, manifestações populares eclodiram em praticamente todos os países do mundo sendo um fenômeno típico dos grandes centros urbanos. Essas manifestações, quando contam com apoio de grande parte da população, são poderosas, sendo inclusive capazes de proporcionar mudanças profundas em determinadas sociedades, chegando até mesmo a impulsionar mudanças de regimes ou troca de seus lideres, como as manifestações pelo voto direto, no Brasil nos anos 1980 ou as manifestações pelo impedimento da Presidente Dilma Roussef em 2016.

           

Algumas manifestações são expressões espontâneas de uma insatisfação popular ou apoio a determinada causa. Outras são provocadas e se tratam de uma etapa em um movimento maior pela troca de governantes ou mudança total do regime político. Para serem bem sucedidas, essas manifestações provocadas por grupos de poder opositores ao governo de um país, devem explorar pontos de tensão já existentes em uma sociedade.  Elas não tem poder de abrir feridas sociais, mas são muito eficientes em alargar fissuras já existentes.

Cormac (2018) demonstra que o alargamento das fissuras sociais é explorado para a desestabilização, como ocorreu no final da década de 1950, quando agentes secretos buscavam informações sobre pontos de tensão que pudessem ser explorados dentro da sociedade polonesa. Ainda nesse período, tem-se documentos que relatam que na Tchecoslováquia, Polônia e Hungria, agentes de inteligência ocidentais estimulavam dissidentes e se engajavam nos grupos para  “criar tumultos”. Esse fato comprova que em algumas manifestações existem profissionais atuando em favor do distúrbio.

           

Se um país encontra-se, ainda que minimamente em paz social, não é fácil mobilizar toda a sociedade contra o governo. Provocar manifestações é algo relativamente simples, mas fazer com que a maioria da população apoie o movimento é algo totalmente diferente. Nesse caso, as forças disruptivas da ordem usam da vitimização para angariar apoio. Busca-se mostrar que o governo atual é autoritário e que o direito de manifestação não é respeitado naquele país.  Cormac (2018) demonstra que essa tática foi muito usada pelas forças ocidentais em países satélites da União Soviética ao longo da guerra fria, onde os manifestantes provocavam repressão policial para fins de propaganda contra o governo.

           

A vitimização também foi usada recentemente pelas manifestações contra o aumento das tarifas do transporte público no Brasil em 2013. De acordo com Morgenstern (2020), os manifestantes após provocarem deliberadamente a quebra da ordem e consequentemente serem reprimidas pela polícia obtiveram, por meio de propaganda, um aumento exponencial em seu apoio, chegando em poucas semanas a terem mais popularidade que o Presidente Lula no auge do programa bolsa família. E essa é uma das razões pela qual diversos grupos de manifestantes tentam continuamente entrar em conflito com a polícia.

          

Atualmente, as manifestações desestabilizadoras mais comuns são as chamadas Revoluções Coloridas. O americano Gene Sharp escreveu um livro que se tornou o manual para revoluções não violentas. Sua obra serviu de base para a mudança de regime em diversos países. Da Birmânia à Sérvia e mais recentemente na “Primavera Árabe” todos esses movimentos que levaram à mudança de regime, se inspiraram na obra de Sharp “From Dictatorship to Democracy”.

           

Segundo o próprio autor, no documentário publicado no Youtube "Gene Sharp Brazil Documentário Como iniciar uma revolução", seu trabalho “Trata-se de uma técnica de combate. É um substituto para guerra”.

 

Pode-se perceber portanto que as revoluções coloridas, tal qual as campanhas de publicidade ou relações públicas, não são espontâneas, mas sim fabricadas muito de antemão à sua implementação. É a disseminação da informação (propaganda) na sua mais crua essência, e as ideiais contra o governo devem ser propagadas de maneira coordenada para fabricar consenso em uma parcela apropriada (decisiva) da população para que participe da revolução colorida. (KORYBKO, 2018 p. 48, apud RODRIGUES, 2020, p. 149)

           

Para iniciar uma revolução, Sharp (2012) observa a necessidade do fortalecimento da população oprimida e do fortalecimento de grupos sociais e instituições independentes. Tais medidas são complementares e realizadas por meio da criação ou robustecimento de instituições sem laços governamentais, como por exemplo:

 

[…] famílias, organizações religiosas, associações culturais, clubes desportivos, instituições econômicas, sindicatos, associações estudantis, partidos políticos, vilas, associações de bairro, de jardinagem, clubes, organizações de direitos humanos, grupos musicais, sociedades literárias, entre outros (SHARP, 2012,  p.20).

É possível incluir nessa lista as escolas, da formação básica ao ensino superior.

           

A importância desses grupos está em seu significado político. O que é dito ali ecoa por toda a sociedade, formando um pensamento político que será posto em prática na primeira oportunidade possível, pois quem detém o discurso ideológico dentro dessas pequenas organizações, detém o domínio sobre o pensamento de determinada sociedade.

           

Após o fortalecimento dessas organizações sem ligações com o governo, deve-se desenvolver um plano estratégico e implementá-lo com habilidade. Para isso, Sharp (2012) elenca 198 táticas de ação que podem ser utilizadas para provocar a almejada mudança de regime. Entre elas, podemos citar algumas facilmente identificadas e utilizadas, inclusive por movimentos com pautas específicas, que aparentemente nada tem a ver com a mudança de regime, como liberação do aborto e diminuição da tarifa do transporte público, que utilizaram bandeiras e cores símbolo em seus movimentos.

Nesses casos, essas pautas alheias ao poder, podem se tratar de uma etapa dentro de um plano arquitetado para mudança de regime ou um movimento espontâneo que busca mudança em um assunto muito particular. De qualquer forma, o uso dessas técnicas é uma prova de planejamento antecipado por parte do movimento e que sua fonte para atuação é a obra disruptiva de Gene Sharp, cujo objetivo declarado é o caos e a queda do governo.

São alguns dos métodos elencados por Sharp:

 

Declarações públicas assinadas;

Slogans, caricaturas e símbolos;

Banners, cartazes e comunicações;

Escritas com fumaça no céu ou na terra;

Exibição de bandeiras e cores simbólicas;

Uso de símbolos;

Nudez em protesto;

Luzes simbólicas;

Gestos rudes;

"Atormentar" funcionários;

"Insultar" funcionários;

Invasões de aulas;

Greve estudantil;

Boicote de consumidores;

Boicote de Fornecedores e manipuladores;

Corte de fundos e de crédito;

Ocupação sentada;

Mercados alternativos;

Revelação da identidades de agentes secretos;

Dupla soberania e governo paralelo. (SHARP, 2012, p.124-135)

 

Fig. 2. Manifestações contra o governo na Ucrânia em 2004 usaram a cor laranja[5].

Fig. 3 Movimento Verde no Irã protesta contra o governo em 2009.[6]

Fig. 4 Cartazes em inglês numa manifestação no Egito em 2013.[7]

Fig. 5 Manifestantes em 2020 pelo aborto na Argentina usam a cor verde como símbolo[8].

 

Fig. 6 Manifestação pelo passe livre em SP. Uso de símbolos e cartazes, conforme métodos elencados por Sharp.[9]

 

           

Caso todo esse esforço promovido por ações não violentas não se mostre capaz de atingir o resultado almejado, entram em cena grupos armados que tentarão a tomada do poder a força.

           

De acordo com Cormac (2018), para manter a possibilidade de negar de forma plausível, o grupo ou Estado que orquestra a mudança de regime não envia efetivo militar expressivo para combater, mas envia armamento e um efetivo pequeno de forças especiais para atuar e ministrar treinamento a grupos insurgentes que entrarão em confronto com as forças leais ao governo alvo.

          

Isso foi feito por ambos os lados na guerra fria e pode-se citar como exemplo a atuação do Special Air Service inglês que atuou e ministrou treinamento para grupos insurgentes em países como Egito, Indonésia, Omã e Malásia em períodos específicos da segunda metade do século XX (CORMAC, 2018).

           

Via de regra esses grupos armados sempre tem sua ideologia representada por um partido político, o qual pode ser abertamente ligado ao grupo guerrilheiro/terrorista ou a ligação entre eles pode ser velada. O Hezbollah (“Partido de Deus” em árabe) é um exemplo clássico de atuação política e armada simultânea sendo o grupo Jihad Islâmica a parte armada do movimento.

           

4.      Conclusão

"A questão nunca é a questão. A questão é sempre o poder” (Saul Alinsky)

           

O tráfico de drogas, o crime organizado, são fontes de desestabilização, porém existem outras formas menos conhecidas de desestabilização da ordem pública.

O uso de propaganda, seja branca, cinza ou negra, distribuição de propinas para políticos e jornalistas, ataques de falsa bandeira, agentes secretos infiltrados em manifestações e uso da violência como forma de manipulação da narrativa são algumas situações que foram citadas acima, as quais podem parecer obra de ficção, mas na verdade, como demonstrado por fatos históricos, são ações reais de serviços de inteligência e de relações exteriores.

           

Já foram usadas por diversos países ao longo dos séculos e são utilizadas até hoje. Não são situações isoladas, são padrão de atuação de forças estrangeiras ou determinados grupos em países cujos governos não atendem as suas demandas.  Essas técnicas de desestabilização não são exclusivas de determinada matiz ideológica. São ferramentas que podem ser usadas por qualquer grupo, desde que tenha meios humanos e financeiros para tal.

           

De acordo com Visacro (2017), o campo de atuação das forças de ordem é, atualmente, um mundo cada vez mais ambíguo e volátil, no qual os conflitos se dão no campo físico e também no campo das informações.

           

Sendo as guardiãs da ordem pública e sabendo que uma manifestação pode não ser espontânea e sim parte de um plano maior de desestabilização, as Policias Militares devem estar preparadas para cumprir o duplo papel que lhe foi outorgado pela Constituição, garantir o livre direito de manifestação e concomitantemente manter a ordem pública.

           

Conforme já visto, para criar uma narrativa, manifestantes podem deliberadamente romper a ordem buscando a repressão policial para fins de propaganda e disseminação de determinada ideia. Cabe então aos operadores da segurança e ordem pública atuar de forma estritamente técnica, paciente e profissional, considerando todo o espectro de possibilidades e consequências de suas intervenções.

          

Além disso, cabe às Polícias Militares conhecer todas as características e táticas dos grupos com que lida, para que possam saber das suas intenções, seus objetivos, sua ideologia e sua mentalidade e assim prever seus movimentos, não caindo em provocações.

 

Aquele que conhece o inimigo e a si mesmo lutará cem batalhas sem perigo de derrota; Para aquele que não conhece o inimigo, mas conhece a si mesmo, as chances para a vitória ou para a derrota serão iguais; Aquele que não conhece nem o inimigo e nem a si próprio, seráderrotado em todas as batalhas (SUN TZU, [s.d.], p. 12).

 

Nesse esteio é imprescindível a existência de canais de comunicação capazes de criar e divulgar imediatamente conteúdos, que propaguem os fatos reais, impedindo a disseminação de uma narrativa falsa sobre os acontecimentos e atuação da Polícia Militar.

           

Por fim, deve-se ter em mente em todas as atuações, a necessidade da observância estrita de que a coleta de provas precede o uso da força (POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2012) e que tais provas devem ser ampla e imediatamente divulgadas, para que não seja imputada à Polícia e consequentemente ao Estado a pecha de violenta, arbitrária, etc., pois isso geraria somente mais apoio aos manifestantes, sendo esse na verdade seu objetivo.

           

Desde a sua criação, da Guerra dos Farrapos à 2ª Guerra Mundial, passando pela Guerra do Paraguai e por Canudos entre tantas outras crises, momentos de festa ou de dor, a Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) esteve sempre na linha de frente para a manutenção da ordem pública, estabilidade das Instituições e integridade do território Nacional. Não é meramente mais um serviço público, mas assim como as demais Forças Militares, estaduais e federais é um dos pilares da estabilidade e prosperidade do Brasil. Nesse momento em que as ameaças à ordem mais graves provém da subversão, da desinformação e da desestabilização a PMESP precisará, primeiramente entender a situação e se atualizar para cumprir o primordial papel que a sociedade lhe relega: garantir direitos e preservar a ordem.

 

Referências

CLAUSEWITZ, Carl Von. Da Guerra. [s.e.] [s.d.] pdf. Disponível em: http://almanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2014/02/Da-Guerra-Carl-Von-Clausewitz.pdf. Acesso em: 06 de fev.de 2021.

 

CORMAC, Rory. Disrupt and Deny. Oxford: Oxford University Press, 2018.

GENE SHARP BRAZIL DOCUMENTÁRIO COMO INICIAR UMA REVOLUÇÃO. genesharpfilm, [s.d.]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jqtTc_CMlJg. Acesso em: 06 de fev. de 2021.

GODOY, Marcelo. PF vai 'catalogar' vereadores eleitos com dinheiro do crime. Estadão, São Paulo, SP, 27 de out. de 2020. Disponível em:https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,pf-vai-catalogar-vereadores-eleitos-com-dinheiro-do-crime,70003490186. Acesso em: 06 de fev. de 2021.

KNABBEN, Flávio. Poder de polícia: uma análise sobre fiscalização de alvarás em estabelecimentos de jogos e diversões públicas. Florianópolis: Universidade do Sul de Santa Catarina, 2006.

 

LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

MALVA, Pamela. Onda de terror em São Paulo : os mais de 200 ataques orquestrados pelo PCC.  Aventuras na História., São Paulo, 21 de  fev. de 2020. Disponível em: Aventuras na História · Onda de terror em São Paulo: Os mais de 200 ataques orquestrados pelo PCC (uol.com.br). Acesso em: 05 de fev. 2021.

MORGENSTERN,Flavio. Vídeo: As grandes minorias. Brasil Paralelo. 2020.  Disponível em: https://plataforma.brasilparalelo.com.br/playlists/as-grandes-minorias/media/5fbc344249eb870017c78d44. Acesso em: 05 de fev. de 2021 (restrito à assinante).

PINHEIRO, Álvaro de Souza. O Conflito de 4ª Geração e a Evolução da Guerra Irregular. In: Revista PADECEME.  n. 16,  Rio de Janeiro, 3º trimestre 2007.

 

POLICIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO. Manual de controle de distúrbios civis, M-08-PM. Polícia Militar/SP, São Paulo, 2012.

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SUN TZU.Arte da Guerra. [s.e.] [s.d.]. Domínio Público. pdf 46p.Disponível em: https://www.sogipa.com.br/web/imgs/arquivos/a-arte-da-guerra5e8e0e84.pdf.Acesso em: 06 de jan. 2021.

 

VISACRO, Alessandro.  A Guerra na Era da Informação. Contexto, São Paulo, 2018.


[1] As referências são produto de tradução do autor do artigo.

 

[2] As referências são produto de tradução do autor do artigo.

 

[4]DOUGLASS, J.D. Red Cocaine: The Drugging of America and the West. New York. EwardHarle Ltd 1999.Disponível em :https://portalconservador.com/livros/Joseph-Douglass-Red-Cocaine-The-Drugging-of-America-and-the-West.pdf. Acesso em: 04 de fev. de 2021.

 

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