E se o ex-Presidente da República não comparecer ao interrogatório de 22/02/2024?

E se o ex-Presidente da República não comparecer ao interrogatório de 22/02/2024?

O JURISTA

Mais uma semana de apreensões no meio jurídico… o que já se tornou rotina nos últimos tempos.

A polêmica desta semana, refere-se a determinação expedida no Inquérito STF 4.874, para que ex-Presidente da República seja ouvido pela Polícia Federal no dia 22 de fevereiro de 2024, sobre fatos relacionados a supostas tentativas de golpe de estado.

Alguns insinuam que esta data agendada para o interrogatório (22 de fevereiro de 2024) esconderia alguma estratégia para decretar a prisão do ex-Presidente da República, de forma a o impedir de comparecer ao ato público por ele convocado para o dia 25 de fevereiro de 2024.

Não há dúvidas de que os atos de persecução penal, dentre os quais o de realização de interrogatório, podem ser livremente definidos pela Autoridade Policial ou Judicial.

Mas e se o investigado (ou acusado) não comparecer ao interrogatório? Poderá ser coercitivamente conduzido? Poderá ser preso como resultado de sua ausência?

Quem responde esta indagação é o próprio Supremo Tribunal Federal. Que, no julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 395 e 444, “declarou que a condução coercitiva de réu ou investigado para interrogatório, constante do artigo 260 do Código de Processo Penal (CPP), não foi recepcionada pela Constituição de 1988.” (fonte: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=381510)

O acórdão referente a ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 444 DISTRITO FEDERAL, foi lavrado nos seguintes termos bastante esclarecedores (trechos abaixo):

  • ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 444 DISTRITO FEDERAL

    1. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Constitucional. Processo Penal. Direito à não autoincriminação. Direito ao tempo necessário à preparação da defesa. Direito à liberdade de locomoção. Direito à presunção de não culpabilidade…
    4. Presunção de não culpabilidade. A condução coercitiva representa restrição temporária da liberdade de locomoção mediante condução sob custódia por forças policiais, em vias públicas, não sendo tratamento normalmente aplicado a pessoas inocentes. Violação.
    5. Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88). O indivíduo deve ser reconhecido como um membro da sociedade dotado de valor intrínseco, em condições de igualdade e com direitos iguais. Tornar o ser humano mero objeto no Estado, consequentemente, contraria a dignidade humana  (NETO, João Costa. Dignidade Humana: São Paulo, Saraiva, 2014. p. 84). Na condução coercitiva, resta evidente que o investigado é conduzido para demonstrar sua submissão à força, o que desrespeita a dignidade da pessoa humana.
    6. Liberdade de locomoção. A condução coercitiva representa uma supressão absoluta, ainda que temporária, da liberdade de locomoção. Há uma clara interferência na liberdade de locomoção, ainda que por período breve.
    7. Potencial violação ao direito à não autoincriminação, na modalidade direito ao silêncio
    8. Potencial violação à presunção de não culpabilidade. Aspecto relevante ao caso é a vedação de tratar pessoas não condenadas como culpadas – art. 5º, LVII. A restrição temporária da liberdade e a condução sob custódia por forças policiais em vias públicas não são tratamentos que normalmente possam ser aplicados a pessoas inocentes. O investigado é claramente tratado como culpado… O direito de ausência, por sua vez, afasta a possibilidade de condução coercitiva. 10. Arguição julgada procedente, para declarar a incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, tendo em vista que o imputado não é legalmente obrigado a participar do ato, e pronunciar a não recepção da expressão “para o interrogatório”, constante do art. 260 do CPP.

    A C Ó R D Ã O: …julgar procedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental, para pronunciar a não recepção da expressão “para o interrogatório”, constante do art. 260 do CPP, e declarar a incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de ilicitude das provas obtidas, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado… Brasília, 14 de junho de 2018.

Noutros dizeres, o STF não apenas vedou a possibilidade de condução coercitiva para INTERROGATÓRIO. Mas também determinou que se houver condução coercitiva, deverá haver responsabilização dos agentes estatais que assim procederam, bem como que as provas obtidas serão consideradas nulas.

Não resta dúvida, portanto, que o ex-Presidente da República não está obrigado a comparecer a este interrogatório, e nenhuma consequência penal poderá sofre em relação a esta eventual ausência.

Ademais, se assim preferir, o ex-Presidente da República poderá, inclusive, participar deste INTERROGATÓRIO por videoconferência pelo sistema virtual. Posto que, o próprio STF, já assegurou a RÉUS FORAGIDOS, que possam prestar depoimento por meio desse sistema virtual, nada obstante paire contra ele mandado de prisão, conforme trechos abaixo reproduzidos:

  • MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS 214.916

    O impetrante alega que o paciente sofre constrangimento ilegal, pois o Juízo da causa indeferiu o pedido de participação virtual na audiência de instrução e julgamento que ocorrerá dia 03.05.2022, ao fundamento de que a condição de foragido implica renúncia tácita de participar dos atos instrutórios.

    Observo, prima facie, que o fato de o paciente não se apresentar à Justiça não implica renúncia tácita ao direito de participar da audiência virtual. Em verdade, a relação de causa e efeito estabelecida pela autoridade coatora (foragido, logo impedido de participar dos atos instrutórios) não está prevista em lei. Ainda que estivesse, a meu ver, não se coadunaria com o sistema constitucional vigente, segundo o qual processo penal deve ser instrumento a serviço da máxima eficácia das garantias constitucionais (LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 65), mormente do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV). Não bastasse, entendo ser descabida a presunção de renúncia ao direito de participar da audiência quando há pedido expresso da defesa em sentido contrário. Ora, fosse a audiência presencial, teria o acusado o direito de comparecer espontaneamente ao ato. Da mesma forma, o comparecimento à audiência virtual deve ser facultado ao acusado, a fim de que possa acompanhar a produção da prova oral e exercer sua autodefesa.

    Sendo assim, em juízo de sumária cognição, e sem prejuízo de ulterior reapreciação da matéria, defiro o pedido de medida liminar para determinar ao Juízo da causa que autorize a participação do paciente na audiência de instrução virtual agendada para 03.05.2022.
    Brasília, 2 de maio de 2022.
    Ministro Edson Fachin Relator

Se o ex-Presidente da República irá ou não a este INTERROGATÓRIO, e se será eventualmente preso ato contínuo, não se sabe.

Mas, o que deveria ser uma certeza é que, se o STF aplicar os precedentes do STF, a ausência a este INTERROGATÓRIO não poderá gerar nenhuma consequência penal, e muito menos justificar uma condução coercitiva. Podendo, inclusive, de acordo com o STF, participar virtualmente deste INTERROGATÓRIO. Pois, se para acusados foragidos foi deferida esta prerrogativa, não há de se impedir que suspeitos que não estejam foragidos (e contra o qual não há ordem de prisão, ainda) não possa ser agraciado com a mesma benesse interpretativa.

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