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Especialistas explicam teoria do complô contra Strauss-Kahn

Lúcia Müzell

Uma mistura de negação coletiva dos fatos, desconfiança dos americanos e rejeição ao sistema judiciário dos Estados Unidos explicam o alto índice de adesão dos franceses às teorias do complô que surgiram no instante após a notícia de que Dominique Strauss-Kahn havia sido retirado pela polícia de um avião da Air France, sob a acusação de tentativa de estupro.

Cinco dias depois da prisão espetacular de um dos homens mais poderosos do mundo, a França acompanha com impaciência por cada capítulo daquela que se transformou em uma novela surreal, na qual poucos conseguem acreditar. "Os franceses gostariam que nada disso fosse verdade. Nenhum mito do complô é fundado no delírio. Para que ele se desenvolva, é preciso um sentimento de implicação unido a uma carência de informações", explicou ao Terra Gérald Bronner, professor de sociologia da Universidade de Estrasburgo e especialista de crenças coletivas. "A história de um diretor do FMI, socialista e prometido para a presidência da França, que estraga tudo por uma tentativa de estupro – um comportamento repugnante contra uma pobre mulher – é inverossímil demais, contra-intuitiva", afirma o autor de A vida e a morte das crenças coletivas.

O sociólogo destaca que, para piorar, a história recaiu exatamente no calcanhar de Aquiles de Strauss-Kahn – a sua conhecida atração quase incontrolável pelo sexo oposto -, e por isso ganha ainda mais ares de uma armadilha premeditada. A dispersão das infinitas teses de armação pela internet, através de blogs e redes sociais, intensifica a sensação de que a história está mal contada, conforme Bronner.

Na quarta-feira, uma pesquisa do instituto CSA realizada no dia seguinte ao escândalo, com mais de mil franceses, apontou que 57% deles acreditam que DSK é vítima de um complô, contra 32% que não crêem nesta hipótese. Entre os simpatizantes do Partido Socialista, o índice dos que apostam em uma cilada chegou a 70%.

Ao jornal Le Monde, o sociólogo das mídias e da política Denis Muzet defendeu uma tese interessante para explicar a alta adesão dos franceses, mesmo os que não apoiam o partido do qual DKS faz parte. Para ele, a população entrou em uma espécie de negação coletiva dos fatos. "Os franceses estão estarrecidos, absorvendo pouco a pouco a notícia. Para reduzir a distância entre a empatia que eles tinham acumulado em favor do diretor do FMI e este acontecimento que bloqueou repentinamente à sua candidatura à Presidência, eles recorreram à negação", analisou Muzet. "Se ele não é culpado, a única explicação lógica é o complô."

Um dos primeiros que reforçaram essa versão foi o ex-ministro socialista Pierre Moscovivi, amigo de Strauss-Kahn há mais de 25 anos. "Eu não o vejo como um homem violento. Eu estou persuadido que a história não se passou desta forma. Persuadido!", insistiu um dos presidenciáveis do partido para as eleições de 2012. Outras declarações semelhantes pipocaram na imprensa francesa nesta semana, inclusive da ex-mulher do socialista. Segundo Brigitte Guillemette, "os fatos relatados pela polícia de Nova York não correspondem ao homem" com quem ela conviveu por mais de 10 anos. "Ele é dócil, gentil. A violência não faz parte do seu temperamento. Ele tem muitos defeitos, mas não este", atestou a segunda mulher do diretor do FMI.

Muzet lembra que a forte imagem de Strauss-Kahn sendo levado algemado para a delegacia amplifica a sensação de choque face a uma notícia inesperada, que beira a irrealidade aos olhos dos franceses. "As imagens levam ao universo do cinema americano e das séries de televisão, que adoram falar sobre os mais absurdos complôs possíveis", comparou o especialista.

As cenas da prisão e da primeira audiência judicial do socialista – divulgada pela polícia – também chocaram os franceses por agredir um dos pilares da Justiça o país: a presunção de inocência. A exposição midiática a que Strauss-Kahn foi submetido – algo que, na França, jamais seria permitido em se tratando de um suspeito – colaborou para reforçar o seu papel enquanto vítima de uma armadilha.

As diferenças culturais entre franceses e americanos, famosas no mundo inteiro, ficaram evidentes: o tratamento dispensado pelas autoridades americanas ao diretor do FMI chegou a ser visto como uma provocação, do outro lado do Atlântico. "Os Estados Unidos seguidamente são vistos como um país onde reina uma certa brutalidade por parte da polícia e da Justiça. Essa imagem caricata, aliada a um chauvinismo bem francês, reforça a tese do complô", sustenta Pascal Perrineau, diretor do Centro de Pesquisas Políticas da Sciences Po, em Paris.

A rusga ficou ainda maior depois que Artie McConnell, procurador-adjunto de Nova York, levantou os riscos de repetir-se "um novo Polanski", enquanto pedia à juíza para que DSK permanecesse detido. Condenado por estupro pela Justiça americana, o diretor de cinema Roman Polanski jamais foi extraditado da França, país que não extradita seus compatriotas e onde o cineasta vivia após ter fugido dos Estados Unidos. O risco de que Strauss-Kahn fugisse para a França e nunca mais retornasse aos Estados Unidos para escapar da Justiça era alto, avaliou o promotor, que obteve o acordo da juíza na segunda-feira.

"Os americanos levam os crimes de agressão sexual muito mais a sério do que os franceses, que por não compreenderem bem a rigidez americana, tendem a acreditar que há uma implicância com Strauss-Kahn só porque ele é francês", avalia Frederic Allen, professor americano que ensina inglês na universidade Sorbonne, em Paris, onde vive há quase 10 anos. "Eles não entendem que o tratamento que está sendo dado a DSK é o mesmo que seria dado a qualquer americano, de um lixeiro ao presidente Obama", diz.

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