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Chile enfrenta onda de manifestações e greves

Nesta quinta-feira, em Santiago, cerca de 70 pessoas foram presas, entre elas 20 menores de idade, e 44 soldados ficaram feridos, 5 deles em estado grave, em uma manifestação de estudantes em defesa do sistema público de educação.

Na segunda-feira, trabalhadores da estatal Codelco (Corporação Nacional do Cobre), maior produtora mundial de cobre, realizaram a primeira greve em quase duas décadas. O cobre é o principal produto de exportação do Chile.

Recentemente também houve manifestações e distúrbios no sul do país contra os planos do governo de Piñera de construir uma usina hidroelétrica na região da Patagônia.

Os protestos populares que vêm sendo registrados nas últimas semanas no país são os maiores desde o retorno da democracia ao Chile, em 1990.

Os protestos desta quinta-feira reuniram cerca de 30 mil estudantes nas ruas da capital. A manifestação foi convocada por líderes estudantis e professores que pedem melhor qualidade para a educação e a gratuidade nas universidades.

O presidente do Chile, que lançou recentemente um plano com mais recursos para a educação, com a ampliação das bolsas de estudos e créditos a taxas baixas para os alunos de baixa renda, disse que “chegou a hora de parar com a violência, as greves e os protestos”.

Os líderes estudantis declararam que o pacote de medidas não resolveria o pedido de “maior acesso às universidades” e “melhor qualidade no ensino público”

Na semana passada, estudantes realizaram um “beijaço” em várias cidades de norte a sul do país e também se concentraram com roupas de praia no centro de Santiago.

Popularidade em baixa

Pesquisas de opinião divulgadas nesta semana mostraram que a popularidade do presidente caiu a 31%, seu menor nível desde que tomou posse, no ano passado, apesar da manutenção do bom momento econômico do país, que tem previsão de crescimento de mais de 6% neste ano.

Para o sociólogo Miguel Urrutia, professor da Universidade do Chile, de Santiago, a desigualdade da sociedade chilena é a chave para entender os protestos.

“A principal demanda dos movimentos sociais que vêm protestando é que todos os chilenos desfrutem da riqueza e dos avanços que o país teve, mas que se limitam a um pequeno setor da sociedade”, analisa.

Um recente estudo realizado pelo pesquisador Andrés Zahler Torres, professor do Instituto de Políticas Públicas da Universidade Diego Portales, revelou que os 20% dos chilenos mais ricos têm renda semelhante à de Noruega, Cingapura ou Estados Unidos, mas os 60% mais pobres têm uma renda per capita parecida à de Angola.

“Esta situação gera uma alta confluência de movimentos protestando por uma distribuição mais justa. Mas o problema não é só do governo atual, é parte de um modelo econômico que se instaurou a partir do golpe de 1973 (quando o general Augusto Pinochet tomou poder)”, afirma Urrutia.

A analista política chilena Montserrat Nicolás concorda. “O problema de fundo é o modelo liberal, estabelecido na Constituição de 1980 (promulgada por Pinochet). Não é só do governo de Piñera”, diz.

Enxugamento do Estado

A chegada de Pinochet ao poder coincidiu com uma profunda reforma do sistema econômico, que teve a assessoria do economista americano Milton Friedman, guru do neoliberalismo, e que reduziu a presença do Estado e favoreceu o livre mercado.

“A Constituição de 1980 praticamente apagou o Estado e não se conseguiu até hoje mudar isso”, diz Nicolás. “Cada vez que se propôs uma reforma na estrutura econômica ela foi considerada inconstitucional porque aumentaria a presença do Estado”, afirma.

“Quando surgem problemas nos setores de saúde, educação ou mineração, tudo sempre acaba apontando para a necessidade de uma reforma constitucional”, diz a analista. “Houve tempo suficiente, quase 40 anos, para ver como funcionava esse modelo e parece que já passou da hora de mudar”, afirma.

O governo de Piñera reitera que sua prioridade é combater a pobreza e converter o Chile no primeiro país latino-americano a eliminar a pobreza extrema ao final desta década.

Mas o Chile ainda continua registrando uma das maiores taxas de desigualdade do continente.

Região desigual

“A questão da desigualdade também nos preocupa. O Chile está na América Latina e esta é a região mais desigual do mundo. Não é a região mais pobre, mas a mais desigual”, admite à BBC o ministro da Fazenda do Chile, Felipe Larraín.

Segundo ele, entre os planos do governo para reduzir a desigualdade de renda é aumentar o orçamento para a educação e manter programas de benefícios sociais.

Mas Larraín afirma que o descontentamento popular pode estar relacionado com o desenvolvimento que o Chile teve na última década.

“A melhoria da renda faz com que muitos achem que o Estado precisa ter mais obrigações com eles, mas eles não querem ter mais obrigações com o Estado ou com o país e a sociedade”, diz.

Para o ministro, os manifestantes não representam a maioria da população. “Há uma maioria silenciosa que não está protestando nas ruas. Há algumas das exigências que entendemos e pelas quais estamos trabalhando, mas outras não”, diz.

* Colaborou Marcia Carmo, especial para a BBC Brasil, de Buenos Aires

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