A fragilidade de Putin e as consequências para a Ucrânia

Após rebelião dos mercenários do Grupo Wagner, muitas questões ficaram em aberto. Mas parece certo que um ponto de virada para o poder do presidente russo foi alcançado, afirmam analistas.

Putin saiu enfraquecido do breve motim do Grupo Wagner, o “imperador está nu” –  pelo menos com este mínimo denominador comum a maioria dos analistas sobre os acontecimentos na Rússia pode concordar. De resto, há uma grande perplexidade quanto às consequências no curto prazo da rebelião do exército privado de mercenários de Yevgeny Prigozhin.

“O mais importante que se pode constatar é o fato de que Putin claramente perdeu a autoridade”, afirma o alemão Fabian Burkhardt, especialista em Rússia, em entrevista à DW. Entretanto, ele observa que ainda está para ser negociado sobre quem ganhou na estrutura de poder russa. “Muitos atores na Rússia foram provavelmente surpreendidos por essa situação”, diz Burkhardt, pesquisador do Instituto Leibniz de Estudos sobre a Europa Oriental e o Sudeste Europeu.

O início do colapso do poder de Putin?

“Para mim, é o início do colapso do sistema”, afirma Irina Scherbakowa, cofundadora da organização de defesa dos direitos humanos Memorial, que é proibida na Rússia, em entrevista à rádio Deutschlandfunk.

E nos Estados Unidos, o historiador e professor da Universidade de Yale Timothy Snyder escreveu numa primeira análise: “Em nenhuma cidade russa se viu alguém expressando espontaneamente apoio pessoal a Putin ou mesmo correndo riscos pessoais pelo seu regime.”

A marcha de Prigozhin em direção a Moscou mostrou tanto ao povo russo como ao mundo inteiro “que uma pequena tropa” pode chegar a Moscou com relativa facilidade, aponta Snyder. “Esse não era esse o caso antes de grande parte das Forças Amadas russas terem sido empregadas na Ucrânia”, diz o historiador, apontando que tais unidades agora não estão disponíveis na Rússia.

Sem tropas no próprio país

Segundo esta lógica, Putin teria se privado de um poder ilimitado na Rússia por meio de sua guerra de agressão na Ucrânia, que violou o direito internacional e abalou a sua base de poder militar no próprio país. Mas será que os recentes acontecimentos na Rússia também descrevem, de fato, um “ponto culminante” político para Putin – em outras palavras, o início do fim do seu governo?

É o que pensa Sherbakova, que vive no exílio em Berlim. “Mas o que não sabemos é quanto tempo isso vai demorar”, diz.

Para Snyder, por sua vez, a “apatia” na Rússia “sugere que a maioria dos russos, neste momento, supõem simplesmente que são governados pelo gângster com mais armas e que seguem suas vidas diárias, independentemente de quem seja esse gângster”. Mas o historiador de Yale está convencido: “Se for encurralado, Putin se salvará.”

Guerras terminam com pressão interna sobre o agressor

Após os recentes acontecimentos, as atenções se voltam para os combates no sul e no leste da Ucrânia e para a questão sobre se Putin pode escalar a guerra mais uma vez para consolidar sua base de poder no Kremlin ou se o motim do Grupo Wagner pode ser visto mais tarde como o início do fim da guerra.

“As guerras geralmente terminam quando a pressão dentro do sistema político é sentida”, diz Snyder. Se referindo às mais de 50 nações apoiadoras da Ucrânia, lideradas pelos EUA, o historiador é claro: “Aqueles que querem que essa guerra termine devem ajudar os ucranianos a exercer essa pressão.”

Até o momento, não está claro se o Exército ucraniano pode tirar proveito na linha de frente a partir do que está acontecendo na Rússia, mesmo em curto prazo. Acima de tudo, ainda não está definido se isso de fato enfraquecerá a força russa de combate.

“É difícil avaliar o que os soldados russos na Ucrânia realmente aprenderam com o motim”, diz o especialista em segurança alemão Nico Lange em entrevista à DW. “Seus telefones celulares são tomados, e eles estão muito distantes da realidade”, diz o especialista em Ucrânia e Rússia, que também trabalha para a Conferência de Segurança de Munique.

Inquietação entre comandantes russos

A inquietação no nível dos comandantes russos, no entanto, provavelmente aumentou, de acordo com Lange. Além disso, o núcleo duro das tropas de Prigozhin está ausente na frente de batalha por enquanto.

No momento, ainda não está claro com que rapidez e se as tropas do Grupo Wagner, com 25 mil homens, poderão ser integradas ao Exército regular russo, depois que eles ocuparam temporariamente o Alto Comando do Sul do Exército russo, em Rostov-on-Don, na Rússia.

A cidade de mais de um milhão de habitantes é um dos pontos nevrálgicos para o abastecimento das forças russas no chamado corredor terrestre entre a Rússia e a Crimeia, ocupado pelo Exército de Putin. O segundo é a ponte da Crimeia, que atravessa o Estreito de Kerch.

Interromper essas rotas de abastecimento é um dos objetivos militares do Exército ucraniano na contraofensiva em andamento. Sem suprimentos de munição, não há defesa russa. Putin não pode permitir que isso aconteça.

E o chefe do Grupo Wagner, Prigozhin, aproveitou-se disso com seu motim – a disputa entre Prigozhin e o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, já durava meses. O chefe mercenário acusou os militares russos de não fornecerem suprimentos adequados ao seu pessoal, mesmo durante os meses de luta em torno da cidade de Bakhmut, no leste da Ucrânia.

Agora, a ocupação do Comando Sul da Rússia em Rostov-on-Don pode ter ajudado Prigozhin a conseguir o melhor acordo para ele com o Kremlin, depois que ficou claro que nenhum outro protagonista da estrutura de poder de Putin o sucederia após o início do motim.

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