Dr Reis Friede – O Emprego das Forças de Operações Especiais (FOpEsp) nos Conflitos Híbridos

O Emprego das Forças de Operações Especiais (FOpEsp) nos Conflitos Híbridos

Reis Friede [*]

A nova realidade conflitual (e combativa) do século XXI também traz à tona a cada vez maior importância do emprego das Forças de Operações Especiais (FOpEsp) nos conflitos da presente centúria, com especial destaque para as Guerras Híbridas.

Nesse particular, as FOpEsp atuais, – de forma muito diferente do passado recente -, vêm se reinventando (e se adaptando) para cumprir missões em um novo ambiente de modais de amplo espectro, incluindo Ações Indiretas – AI (ou seja, com o emprego de modo velado e/ou dissimulado de métodos, inclusive, de Guerra Irregular e, eventualmente, em conjunto e coordenação com grupos de oposição interna com o propósito de criar uma frente opositora permanente e diluída por todo o território inimigo capaz, em última análise, de neutralizar as eventuais vantagens do adversário), Ações Diretas – AD (por intermédio da utilização ostensiva em ações de contrainsurgência clássicas ou tradicionais) e o Reconhecimento Especial – RE, as duas últimas ancoradas em uma normatização ostensiva (externa) em contraposição à normatização reservada (interna) que venha a permitir, em caráter excepcional, a primeira hipótese.

Atuando, portanto, por meio de uma combinação de missões ofensivas, defensivas, de pacificação (em um viés de manutenção ou de imposição da paz) e de apoio a órgãos governamentais (defensivamente) ou de desestabilização dos mesmos (ofensivamente) em países adversários, as FOpEsp ostentam o propósito primário de evitar que o chamado Estado de Crise evolua para o Estado de Conflito (ou o oposto em regimes inimigos) e o propósito secundário de encerrar o Estado de Conflito e o eventual Conflito (no caso de o mesmo já ter se iniciado) com o apoio das Forças Armadas Regulares ou, em ações em território hostil, acirrar o Estado de Conflito, buscando, no possível, cooptar as Forças Armadas Regulares adversárias.

Diagrama 1: O Papel das Forças de Operações Especiais (FOpEsp) nos Conflitos do Século XXI

Por oportuno, vale ainda esclarecer que as FOpEsp empregam em sua atuação, – independentemente da categorização conceitual técnica de suas ações -, sobretudo, o sentimento do medo, explorando ao máximo o chamado âmbito do desconhecimento humano e o estado comportamental suscitado pela percepção irracional e distorcida de perigo (objetivando explorar o aspecto de enfraquecimento combativo de viés negativo), enfraquecendo (ou, quando possível, eliminando) a concepção da prudência, que encontra-se no âmbito do conhecimento humano e que é traduzida pelo estado comportamental suscitado pela percepção racional e precisa de perigo, ensejando, por fim, um aspecto de fortalecimento combativo e o seu correspondente viés positivo, distinguindo, objetivamente, uma zona escura (de domínio da irracionalidade) de uma zona clara (de domínio da racionalidade).

Diagrama 2: Medo X Prudência

Destarte, explorando todo o espectro multidimensional do sentimento do medo, em uma abordagem principalmente psicológica, o estudo desse importante fenômeno humano (a que muitos atribuem uma determinada exclusividade, haja vista que aos demais animas não-sencientes a sua ação é por mero “instinto”) tem permitido a identificação de, pelo menos, quatro fases com diferentes graus de efetividade associada à redução da capacidade combativa:

o Grau 1, relativo a traumas (experiências emocionais intensamente desagradáveis que podem causar distúrbios psíquicos, deixando uma marca permanente na mente de um indivíduo), cicatrizes psicológicas (impressões duradouras deixadas por uma ofensa emocional e que atingem a “alma” do indivíduo ou de uma coletividade) e feridas psicológicas (dores psíquicas advindas de vivências pontuais), de ordem subjetiva (em um espectro restritivo singular dotado de subjetividade individual);
o Grau 2, relativo às crenças (convicções sobre tudo aquilo que se considera verdadeiro) e à religião (convicção sobre a existência de um poder ou princípio superior, sobrenatural, do qual depende o destino do indivíduo ou de uma coletividade e ao qual se deve respeito e obediência), de ordem subjetiva (em um espectro restritivo plural dotado de subjetividade coletiva);
o Grau 3, relativo à dor, – sensação penosa, desagradável, de diversas naturezas (dor física: sensação produzida pela excitação de terminações nervosas; dor emocional ou “dor da alma”: mágoa originada pelo desgosto do espírito ou do coração; dor social: medo derivado da incapacidade de prover o sustento ou manter o status perante a sociedade) -, e ao sofrimento (efeito perceptivo da dor), de ordem objetiva (em um espectro objetivo amplo dotado de objetividade coletiva); e,
– o Grau 4, relativo à morte (cessação completa da vida terrena. Ruína ou destruição relativa do ser humano) e à pós-morte (Pós-Morte Lato Sensu: convicção quanto à existência humana após a vida terrena através da perpetuação do sofrimento. Receio quanto à manutenção artificial da vida humana com o objetivo de imposição de um sofrimento permanente. Pós-Morte Stricto Sensu: receio quanto à ruína ou destruição absoluta do ser humano), de ordem objetiva (em um espectro objetivo universal dotado de objetividade universal).

Diagrama 3: Âmbito do Emprego das FOpEsp:

Espectro Multidimensional do Medo (Concepção Psicológica)

Diagrama 3: Âmbito do Emprego das FOpEsp:

Espectro Multidimensional do Medo (Concepção Psicológica) (Continuação)

Ademais, no que concerne especificamente ao comprometimento da capacidade combativa adversária, o emprego, – através dos mais variados (e inovadores) instrumentos de irradiação do sentimento do medo (na qualidade de uma reação humana natural de pretensa proteção) -, tem sido também objeto de diversos estudos que associam o grau de percepção (psicológico) do medo nas fileiras inimigas ao grau (teórico) de ineficiência (ou mesmo ineficácia) nos combates propriamente ditos (e, consequentemente, da capacidade volitiva humana individual ou coletiva). Tal concepção parte, inicialmente, de uma simples Ansiedade Leve que vai evoluindo, gradualmente, para uma Ansiedade Média, e, posteriormente, Elevada (traduzindo uma resposta sensorial que se manifesta anteriormente ao próprio medo), e que induz a um comprometimento da capacidade combativa, ainda que em um baixo grau.

Em seguida, a evolução do sentimento do medo perpassa pela Apreensão, – comportamento de grande inquietação, revelando (normalmente) uma persistente (e severa) preocupação com o desconhecido -, que induz a um comprometimento mediano (inquietação) da capacidade combativa. Imediatamente após, a gradação do medo chega ao que se convencionou chamar de Temor, ou seja, a sensação de instabilidade e incerteza, em que o indivíduo (ou um determinado grupo) se vê diante de uma ameaça (real ou imaginária) de extremo perigo que, via de regra, é acompanhado de um (fundado ou infundado) receio a respeito do resultado (ou de consequências) de algo que já aconteceu (associado à memória) ou que pode vir a acontecer e que induz a um comprometimento da capacidade combativa em elevado grau com uma correspondente instabilidade comportamental. Ultrapassado este modal, chegamos ao Pânico, uma reação humana que amedronta, comprometendo a capacidade racional-volitiva, sem um motivo perfeitamente determinado e que induz a um comprometimento em elevadíssimo grau, produzindo fobia.

Chega-se, finalmente, ao ápice do Pavor, ou, em outras palavras, a máxima exteriorização do sentimento do medo que, encerrando toda a capacidade de raciocínio lógico, conduz à paralisia e seu consequente comprometimento absoluto da capacidade combativa, ensejando a perda completa do próprio poder de combater.

Diagrama 4: Gradações do Sentimento do MedoA X Comprometimento da Capacidade CombativaB

Diagrama 4: Gradações do Sentimento do MedoA X Comprometimento da Capacidade CombativaB (Continuação)

Oportuno advertir que a propagação projetativa do medo, como instrumento da Guerra Psicológica pelas FOpEsp, também possui um aspecto ofensivo (conhecimento e emprego de técnicas próprias que buscam conduzir a situações gradativas de imposição do medo ao adversário, objetivando gerar ansiedade, apreensão, temor, pânico e pavor, e, consequentemente, comprometendo a capacidade combativa inimiga por efeito de inquietação, instabilidade comportamental, fobia e paralisia) simultaneamente a um aspecto defensivo (preparo psicológico reativo às técnicas adversárias de propagação do medo, visando restringir ou anular seus efeitos).

Diagrama 5: Aspectos de Emprego Combativo do Medo

Ainda sobre o âmbito das ações psicológicas envolvendo a utilização das FOpEsp, faz-se necessário esclarecer que a chamada “dimensão do efeito psicológico” inclui um amplo espectro de “projeção do imaginário” (coletivo e individual) em concomitância com a “projeção da realidade”, permitindo que o emprego das FOpEsp transcenda ao “real” (efetivo) para também abranger o “presumido”, incluindo nesta última categoria a “suspeita do emprego” que, mais do que a simples constatação, projeta dimensionalmente um efeito psicossocial muito mais amplo, considerando que a projeção do imaginário (humano) é infinitas vezes maior que a própria projeção da realidade, razão principal de a negação (conveniente ou não) da presença das FOpEsp no Teatro de Operações (TO) possuir muito mais valor combativo (potencial) do que a sua confirmação, posto que a dúvida (e o desconhecimento) é sempre mais temerosa que a certeza (e o conhecimento).

Por fim, deve ser esclarecido que o âmbito das ações psicológicas é muito mais amplo do que a doutrina militar clássica costuma conferir, uma vez que também inclui o emprego presumido (ou a simples suspeita do emprego) das FOpEsp e, portanto, o eventual emprego imaginário das mesmas.

Diagrama 6: Âmbito das Ações Psicológicas Envolvendo o Emprego das FOpEsp


[*] Professor Emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), Professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR), Professor Emérito da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército (EsAO), Conferencista Especial da Escola Superior de Guerra (ESG) e Membro da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial (SBDA), da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED), do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB) e da Academia Brasileira de Defesa (ABD). É coautor da obra “Das Novas Guerras (Fenomenologia dos Conflitos Armados)” (BIBLIEx, 2019, 576 págs.).

Site: https://reisfriede.wordpress.com/ . E-mail: reisfriede@hotmail.com .

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