“Cadete ides comandar, aprendei a obedecer”

General de Brigada R1 Severino de Ramos Bento da Paixão

Uma das experiências mais significativas que todo oficial formado na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) vivencia, e que marca a sua existência para sempre, tem início quando ele, como cadete, ao entrar em forma no Pátio Tenente Moura, se depara com os dizeres: “Cadete! ides comandar, aprendei a obedecer”.

De imediato, ele toma consciência de que está diante de palavras que constituem uma divisa, um elemento identitário para o corpo de cadetes e uma máxima que serve para orientá-lo quanto ao seu destino e sobre como deve proceder, enquanto instruendo, no tempo alocado à formação de seus atributos e suas competências.

É experiência que assimila um conhecimento e um aprendizado incorporado por meio dos sentidos. No Pátio Tenente Moura, o sentido da visão é o primeiro que apreende aquelas palavras e as grava na memória do jovem cadete. Ainda mais pelo fato de se apresentarem de forma quase sagrada, uma vez que, para indicarem explicitamente o valor para o qual apontam, são constituídas por letras douradas.

Certo é que alguns cadetes, naqueles momentos de silêncio que antecedem o “avançar para o rancho” ou entre um toque de “sentido" e “descansar” nas incontáveis formaturas em que perfilam os seus corpos, deixam seus pensamentos focarem na direção daqueles dizeres, refletindo-os em suas mentes e permitindo, assim, que suas almas sejam esculpidas pelo currículo oculto que ali está presente, educando-os para serem os futuros chefes militares do Exército Brasileiro.

A experiência, vivenciada por eles naquele instante de pensamento e de reflexão da imagem em suas mentes, os induz à compreensão primária de que o destino manifesto é o de comandar grupos, frações, baterias, esquadrões e companhias, sendo todos esses agrupamentos militares compostos por homens e mulheres para o cumprimento da missão.

Mas, antes dessa condição concretizar-se, é imperativo aprender a obedecer, ou seja, a desenvolver uma disposição interior que os leve, conscientemente, a agir de duas formas ou de dois modos que se complementam.

A primeira, de mais fácil entendimento, direciona-os a cumprir as ordens dos instrutores, professores e cadetes mais antigos. É uma forma direta, pois basta executar o que lhe é ordenado. Já a segunda forma, de comportar-se de acordo com as normas, os regulamentos e os estatutos vigentes na vida acadêmica, reforça a interiorização do compromisso que assumiram quando incorporados ao Corpo de Cadetes: a vida em comum exige o conhecimento do que a torna ordenada.

Como consequência imediata, é natural que passem a se dedicar ao estudo de manuais e livros. Estudar para conhecer e conhecer para obedecer.

Mas, será que se encerra aí a mensagem contida no “aprendei a obedecer”? A vida nos ensina que as palavras têm a propriedade da polissemia, ou seja, que possuem diversos significados que podem depender da afinidade etimológica do vocábulo em questão, do seu uso metafórico e, principalmente, do contexto em que se inserem.

E, no âmbito da AMAN, o significado da palavra "obedecer¹" pode ser expandido para assim também ser compreendido:

"Esse verbo veio do Latim oboedire, 'prestar atenção, a escutar com seriedade', de ob, 'a', + audire, ‘escutar’." (grifo nosso)

Sendo assim, ao expandir o entendimento do citado vocábulo, o cadete amplia seu horizonte de consciência ao exercer essa nova percepção do obedecer, pois, além do agir, passa a dar uma pausa para prestar maior atenção e para escutar com seriedade o que lhe é transmitido por todos os que estão na Academia com a missão de educá-lo.

É dar uma prioridade ao escutar, para assim poder captar, analisar, separar e pensar bem sobre o que lhe é transmitido e sobre o que lhe é ensinado. Com a repetição dessa outra forma de se comportar, será capaz de extrair os modelos para a sua vida militar, ao mesmo tempo em que internaliza os valores que constroem seu caráter e que servirão de referência para suas ações presentes e futuras.

A vida acadêmica para o cadete que compreende mais esse significado, ascende a um novo patamar, pois passa a não ser apenas seguir ordens e cumprir normas, mas a um “escutar com atenção” para conhecer em profundidade: as experiências dos mais antigos, pares e subordinados²; o teor das mensagens dos comandantes e chefes militares que por lá passam; as finalidades das ordens do dia; as críticas das análises pós-ação; etc.

Dessa interação e dessa participação, despontará a capacidade de comandar no espírito militar. Enfim, obedecer para internalizar e internalizar para comandar.

¹Retirado da página eletrônica www.origemdapalavra.com.br 
²O escutar com atenção possibilitará o ouvir os subordinados.

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BIBLIOGRAFIA

– A Construção da Identidade Militar do Oficial do Exército Brasileiro – Denis de Miranda.
– Anamnese – Eric Voegelin. – Filosofia e Cosmovisão – Mário Ferreira dos Santos.
– Manual o Exército Brasileiro (EB20-MF-10.101) – Estado-Maior do Exército.

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AMAN – "Cadete! Ides comandar, aprendei a obedecer" [Link]

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