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No triunfo dos generais, a agonia do Partido Fardado


 OLIVEIROS S. FERREIRA


Os ministros da Guerra e da Marinha deram seu aval ao golpe de 1937 e, em 1945, decidiram depor Getúlio Vargas. Generais de exército pediram a renúncia de Getúlio em 1945. O ministro da Guerra levou o Congresso a depor dois presidentes da República. Mas foi um general de divisão quem comandou a tropa que saiu de Minas Gerais em 1964 e permitiu a derrocada do regime. Poucos se dão conta da complexidade do processo que se iniciou em 31 de março de 1964.

O general Mourão Filho, chefe militar da revolução, bateu continência a Costa e Silva, general de exército e o mais antigo, que assumiu por ato próprio o Ministério da Guerra. Mourão rendeu-se à hierarquia.

O respeito à hierarquia presidirá todo o processo – embora houvesse momentos em que os generais em comando agiam sob pressão de seus comandados, os que, especialmente em dezembro de 1968, formavam no que chamei, em vários escritos, de Partido Fardado. O Partido Fardado é mais estado de espírito que organização. Um pequeno grupo que existiu até o governo Médici, como se fosse obra de quem buscasse, em diferentes momentos, aglutinar os que se consideravam os reais defensores da ordem (um Estado bem ordenado) e dos valores que as Armas haviam inscrito em suas almas, devendo agir contra qualquer governo que os ameaçasse.

Foi, contudo, a hierarquia o que impediu que o Brasil se transformasse num Egito do coronel Nasser. Este foi o drama do Partido Fardado desde sempre: os que nele formam rompem a hierarquia e a disciplina e forçam os generais a agir, sabendo, porém, que sem o totem, a mole militar (Oliveira Viana) não se moverá. Para que o totem decida romper o respeito à Constituição, é preciso que considere que o Estado bem ordenado e os valores que o Exército cultua correm risco. Só então ele se move – e leva com ele os generais e todo o Partido Fardado.

Isso posto, é importante perceber que há um dramatis persona neste doloroso processo. Para muitos, será Vargas. Para esses, João Goulart seria a imagem refletida de Getúlio, o "fronteiriço" que não conhece a Nação. Para o Exército, porém, é João Goulart, não o estancieiro do Sul, mas o político, que tem poder e poderá fazer alianças que afrontem a ordenação do Estado, cuja estrutura assenta na hierarquia, e os valores castrenses.

São os coronéis, em 1954, com seu Memorial, quem primeiro constroem a persona Jango. Os generais se calam – mas Vargas demite Jango e o ministro da Guerra. Em 1955, na "Novembrada", Goulart é apenas vice-presidente e, para os generais, é preciso manter a ordem e dar posse a JK. Em 1961, o respeito à Constituição fará dele presidente, comandante em chefe das Forças Armadas. Heck, Denys e Moss, ministros, exigem sua renúncia. Veem na persona Jango que se construiu depois da Novembrada, no seu vínculo com sindicatos operários agressivos e o Partido Comunista, um perigo para o Estado. Afastados, Denys e Heck iniciam a conspiração, isolados ou cercados de poucos oficiais. O que veio depois é história nos anais das Armas: a revolta dos Sargentos (1963), o comício do dia 13 de Março, a revolta na Esquadra e a dos fuzileiros que aclamam Anselmo e, sendo presos, são anistiados por ato presidencial que viola a Constituição, o discurso de Goulart aos sargentos. A persona Jango ganhou vida. Mourão, em Juiz de Fora, subleva sua tropa para deter o golpe Jango-comunista, que vê em marcha.

O Partido Fardado segue os generais – mas pretende ultrapassá-los na "limpeza" geral, assumindo o controle das comissões de investigação criadas para punir corruptos. A política do presidente Castelo Branco é posta em xeque. Com o AI-2, Castelo recupera o controle da situação e ganha para sempre a hostilidade do Partido Fardado, que, cego para a realidade política que se criara, vê em Costa e Silva – seu candidato e o do mundo empresarial – o homem para fazer a sua revolução, que até então ninguém soubera definir qual seria. Contra comunistas e políticos, com certeza; contra empresários, talvez.

Castelo Branco sabe que sucessivos pronunciamentos militares denegrirão a imagem do País no exterior. Se cede à pressão em favor de Costa e Silva, criará condições para que não haja mais totens nas Armas. A reforma que faz na lei das promoções impedirá que um general permaneça na ativa tempo suficiente para construir a coorte de seguidores de sua visão do Brasil e de seu futuro. A percepção da ameaça da subversão armada e o ato do Congresso recusando que Moreira Alves fosse julgado pelo Supremo Tribunal Federal levam ao AI-5, com suas consequências dramáticas. A junta militar, depondo o civil vice-presidente da República, só pode ser compreendida como indicadora de que os ministros que a integram não têm como conduzir o processo e vencer a agitação que, surda, lavra nos quartéis. Convocarão eleições e definem o corpo eleitoral: as Armas. Antes de passar o poder ao general Médici, liquidam, por decreto-lei, o Partido Fardado: os ministros militares terão poder discricionário para transferir para a reserva – "expulsar", diriam seus adversários – os oficiais de qualquer patente que possam representar ameaça à hierarquia. Antes, com o Ato-17, haviam deixado claro aos oficiais fiéis à revolução que o poder era deles.

A lei de Castelo sobre as promoções, o AI-17 e o decreto-lei da "expulsória" (sempre em vigor) consagraram o Princípio do Chefe. Os governos civis que vieram depois não mais precisaram se preocupar com os militares e sua visão da ordem nem com a preservação dos valores castrenses. Os chefes militares que dirigiram o País depois do 31 de março de 1964 criaram as condições para que as Armas fossem afastadas dos conselhos que definem a grande política do Estado e celebraram o réquiem do Partido Fardado.

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