A CONTA DO CRIME – Furto de energia em áreas violentas afeta caixa de distribuidoras no Rio

No caso da Light, perdas com ‘gatos’ chegam a 54% e ameaçam futuro da concessão. Especialistas defendem colaboração de vários órgãos para combater o problema

Nota DefesaNet

As consequências da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPDF) 635,que proibiu as ações policiais nas comunidades(Favelas) do Rio de Janeiro.

O ministro Fachin no alto de sua veia marxista-leninista plantou um problema, que custará caro para a sociedade carioca e também nacional.

Junte a isto as ações dos partidos de esquerda e ONGs que pleiteiam, com apoio do Comandante do Exército a desativação das Forças Especiais Militares e Policiais.

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Ativistas do PT e PSOL irão sugerir ao Presidente Lula a extinção ou modificação das Forças de Operações Especiais do CFN e EB

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Brazilian Workers Party activists will suggest to President Lula the extinction or modification of the Brazilian Marines and Army Special Forces

O Editor

Glauce Cavalcanti
Ana Flávia Pilar
O Globo
12 Fevereiro 2023

O furto de energia elétrica no Rio de Janeiro está corroendo as finanças das concessionárias que atuam no setor, Light e Enel. O problema cresce principalmente em razão das falhas nas políticas de segurança pública para impedir o domínio de áreas urbanas pelo crime organizado, o que costuma vir acompanhado da cobrança de taxas por serviços ilegais e de obstáculos ao trabalho de concessionárias.

Entre 2017 e 2021, as perdas de energia das distribuidoras com “gatos” em residências e pequenos comércios subiram de 13,9% para 14,8% no país. O problema é mais agudo no Rio. Na Light, o salto foi de 37,2% para 54% no período, ficando atrás apenas de duas empresas da Região Norte. Na Enel Distribuição Rio, foi de 24,8% para 31,4%, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

As concessionárias sustentam que metade dessas perdas vem de áreas onde estão impedidas de entrar pela criminalidade. Furtar energia é crime passível de prisão, mas está cada vez mais disseminado no cotidiano de áreas marcadas pela ausência do Estado.

Na Rocinha, Zona Sul do Rio, onde a equipe do GLOBO encontrou dois técnicos da Light em uma das principais vias da comunidade na última quinta-feira, há emaranhados de fios entre os postes que não são removidos. Um cenário parecido foi visto em Rio das Pedras, na Zona Oeste. No trecho conhecido como Areinha, os “gatos” de luz se misturam à fiação de outros serviços.

Uma liderança comunitária ouvida sob anonimato conta que, como em outras favelas do Rio, sempre houve “gato” ali. A diferença é que, antes, não havia intermediação da milícia. Agora, esses grupos paramilitares cobram pela luz desviada de R$ 50 a R$ 100 ao mês, ela conta. Para muitos moradores, há o incentivo de pagar menos num quadro de inflação alta.

Uma moradora de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, diz que desligou o relógio da Light quando a conta chegou a R$ 600:

— Alguma coisa estava sobrecarregando nossa demanda de energia, como se tivéssemos um frigorífico no quintal.

Gato’ vira ‘oportunidade’

Os “gatos” também abastecem pequenos comércios e camelôs, que puxam pontos da rede no meio da rua. Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ, diz que fábricas de gelo buscam áreas de milícia para escaparem do custo da energia com “gatos”. Em São João de Meriti, uma moradora conta que há furto de energia “da padaria à igreja”.

Um morador do Complexo da Mangueirinha, em Duque de Caxias, usuário de “gato” há dois anos, diz saber que o furto de energia acaba onerando quem paga conta de luz, mas resolveu ficar do outro lado para aliviar o bolso: “Ou você paga a conta por causa do gato dos outros ou adere para não sofrer também.”

O “gato” também é usado em áreas nobres ou no asfalto de classes média e baixa. A diferença é que, fora de zonas de risco, as concessionárias podem atuar para cobrar.

Uma moradora de Irajá, na Zona Norte do Rio, admite ser usuária de “gato” há 27 anos. Ela diz que a maioria das casas de sua rua furta energia. Todos querem usar ar-condicionado, mas a tarifa cara e a falta de fiscalização deixam os serviços clandestinos mais atraentes:

— Aqui tem essa “oportunidade” de pessoas que vêm fazer o gato e cobram barato.

As distribuidoras de energia podem repassar parte do prejuízo com perdas para as contas de luz dos que pagam, mas até um patamar definido pelo regulador. O resto é prejuízo.

A parcela das perdas por furto de energia que fica com as distribuidoras está crescendo. E há o problema das áreas de restrição, notadamente no Rio. As metas regulatórias estão ficando impossíveis de serem atingidas, levando a discussão para a Aneel — diz Marcos Madureira, presidente da Abradee, que reúne as distribuidoras de energia do país. — Para ter o benefício da tarifa social de energia, o consumidor tem de ter a ligação formal à rede. Precisamos de políticas para reincorporar essas áreas criminalizadas, olhar o que está onerando a conta de luz, coibir perdas e cortar subsídios.

Na semana passada, a Light, que atua em 31 dos 92 municípios do Rio de Janeiro, abastecendo 11,6 milhões de pessoas, informou à Aneel que não tem geração de caixa suficiente para manter a sustentabilidade da concessão, sobretudo pelo furto de energia. Em setembro de 2022, as perdas da empresa bateram 53,7%. Mas a regulação do setor só fixa um limite de 40,9% para perdas que podem ser repassadas às tarifas. Este teto existe para incentivar que as empresas busquem mais eficiência. Procurada, a Light não quis falar sobre o tema.

A Enel Distribuição Rio tem três milhões de clientes em 66 municípios do estado, no total de 7,1 milhões de pessoas. Anna Paula Pacheco, presidente da empresa, traduz em números o avanço do problema:

Em 2004, tínhamos 7,4 mil unidades consumidoras em áreas de risco. Em 2021, eram 470 mil. Isso equivale a 15% dos consumidores. É muito relevante. Nessas áreas, dois de cada três consumidores furtam energia.

Além da perda, diz Anna Paula, a dificuldade de operar nessas áreas prejudica a qualidade do serviço prestado e eleva a inadimplência, punida com corte, o que não pode ser feito sem segurança para enviar um técnico ao local. A Aneel define o limite de perdas para incentivar a concessionária a ser mais eficiente, mas a executiva diz que isso não é viável:

— Entre melhorar a sustentabilidade da concessão e proteger o colaborador, às vezes recebido a bala, optamos pelo funcionário. É preciso discutir com o poder concedente, governo estadual e agência, ou não se conseguirá manter o mesmo nível de serviço.

A concessionária paga o ICMS sobre as contas faturadas, mesmo as não pagas. E toda energia que distribui já foi contratada. Com isso, a conta cresce. Na ponta, o problema bate no bolso do consumidor.

— Vira um looping negativo: quanto mais cara a conta de luz, mais “gato”, mais inadimplência e maior o custo para quem está pagando. A melhor solução é ter segurança. Sem ela, é preciso buscar outras. Um estudo amplo, analisando o efeito de diferentes variáveis nessas áreas de risco, pode ajudar a desenhar uma estratégia e fazer um projeto-piloto. Há recursos para isso. Mas leva tempo — diz Amanda Schutze, coordenadora de Avaliação de Política Pública com foco em Energia do Climate Policy Initiative, da PUC-Rio.

Ocupação compartilhada’

Um conjunto de fatores derruba o resultado das distribuidoras no Rio, como a crise mais forte da economia fluminense em relação ao país. Segundo especialistas, o problema na segurança pública e seus efeitos cobra um preço alto, que precisa ser mitigado.

— O Estado do Rio padece de uma crise econômica estrutural. Isso reflete a falta de políticas públicas, de consistência de gestão e capacidade de atuar no campo da segurança — diz Nivalde de Castro, da UFRJ. — A demanda cai e o mercado das concessionárias encolhe, trazendo desequilíbrio econômico-financeiro à operação pelo maior descasamento entre receita e despesa.

Claudio Frischtak, à frente da Inter.B Consultoria, frisa que o apagão na segurança pública precisa ser contido:

No Rio, o Estado está distante de ter o monopólio do uso da força, do poder público, porque existe um oligopólio nessa área, com ocupação do território compartilhada com a criminalidade. Essa ocupação ilegal é como uma infecção. Ou é combatida para ser reduzida ou se expande.

O efeito imediato, diz o economista, são perdas a quem opera serviços nessas regiões, já que criminosos vendem segurança e serviços como o de luz, que são “altamente lucrativos”. Frischtak avalia ainda que uma saída para reorganizar o sistema seria contratar a avaliação de uma entidade independente, por meio de organismos multilaterais.

— A Light teve problemas de governança e gestão no passado. Mas uma perda tão elevada não é culpa de um ente só. É impossível lidar com isso? Não. Temos o exemplo da Colômbia. Mas precisa ter política pública alicerçada em segurança, com inteligência.


Geografia dos ‘gatos’ coincide com a do crime

Dos casos de furto de energia que chegaram a ser investigados, 1.712 se tornaram processos que estão em curso na Justiça do Rio. Análise por comarcas aponta maior incidência nas regiões com mais comunidades controladas por criminosos


Marcos Nunes
O Globo

Os populares “gatos” são os instrumentos de um crime descrito na legislação como furto de energia mediante fraude. A pena para quem o pratica varia de dois a oito anos de prisão, mas o delito deixou de ser um ato esporádico em várias regiões do Rio. Há atualmente 1.712 processos envolvendo crimes com essa tipificação em trâmite no Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), sem considerar casos já julgados ou que estão em recurso em segunda instância. A análise dos dados processuais por comarcas revela que a maioria desses furtos de energia ocorreu em áreas com forte influência de traficantes e milicianos, que são grupos paramilitares que ocupam áreas e cobram taxas de moradores sob ameaça.

A maior parte dos processos contabilizados pelo TJ-RJ a pedido do GLOBO está concentrada em varas criminais da capital fluminense: 513. Em primeiro vem o Fórum de Jacarepaguá, na Zona Oeste, com 64 casos. Há seis meses, essa região vive uma rotina de tiroteios, com territórios de dez comunidades disputados por milicianos e traficantes. Em parte deles há o histórico de cobranças de taxas ilegais por grupos criminosos. O pagamento por “gatos” é uma prática que começou nas milícias e foi copiada também pelo tráfico de drogas. Com esse crime vêm outros, como sobretaxa de botijão de gás e sistemas piratas de internet e TV.

A comunidade Gardênia Azul, em Jacarepaguá — onde moram pelo menos 20 mil pessoas, segundo dados do IBGE —é o cenário de um dos inquéritos policiais remetidos à Justiça. Oito suspeitos foram indiciados por espancar um morador da favela, que tem sido disputada por criminosos.

Philip Motta Pereira, o Lesk, que está com a prisão preventiva decretada, e outros sete comparsas são acusados de, na noite de 25 de maio de 2021, tirar o homem de dentro de um imóvel para espancá-lo no meio da rua. Segundo a investigação, a tortura foi um castigo dos criminosos pelo atraso no pagamento de mensalidades à milícia pelo fornecimento de energia desviada da rede de distribuição.

Na região metropolitana, as comarcas de Duque de Caxias, Itaboraí, São Gonçalo e Niterói concentram 308 processos. As duas primeiras cidades têm comunidades com territórios controlados tanto por traficantes quanto por milicianos. Já as duas últimas têm morros e favelas onde a exploração de negócios ilegais é feita por traficantes.

13 MIL ÁREAS SEM ESTADO

Uma pesquisa feita pelo Instituto Fogo Cruzado e pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF) com base na análise de 689.933 mil denúncias anônimas sobre tráfico e milícias, entre 2006 e 2021, apontou mais de 13.308 sub-bairros, favelas e conjuntos habitacionais da Região Metropolitana do Rio sob o controle de territórios por grupos armados.

Só na capital, segundo o levantamento divulgado no ano passado, cerca de 36% da população sofrem algum tipo de influência do controle territorial exercido por criminosos.

Daniel Hirata, professor de sociologia e coordenador do Geni/UFF, explica que as milícias exploram o furto de energia em duas modalidades distintas nas comunidades. Em alguns casos, a organização criminosa cobra pelo fornecimento de eletricidade que é desviado da rede pública. Em outros, estipula uma sobretaxa em cima das ligações legais, valendo-se da capacidade que têm de bloquear o acesso das concessionárias, o que na prática implica pagamento duplo pelos moradores. O tráfico também faz isso, diz Hirata, mas em escala menor:

— O problema das ligações clandestinas é uma constante.

A partir da atuação da milícia, houve um aumento de ganho na escala desse mercado ilegal. Boa parte do modelo das milícias está associada à pilhagem da infraestrutura urbana. O furto ocorre quando se puxa energia para áreas controladas por grupos criminosos para-militares. Ou por áreas em que eles têm construções (nas quais cobram taxas pelo fornecimento de energia a partir de ligações clandestinas). Acontece também a sobretaxação.

RICOS TAMBÉM FRAUDAM

Apesar de os furtos de energia serem mais comuns em áreas empobrecidas envolvidas pela violência, os “gatos” também estão em casas de classe alta e estabelecimentos comerciais, que são os alvos preferenciais das investigações policiais. No ano passado, a Light estimou que ao menos 3% da energia furtada de sua rede vão para áreas nobres. Em junho, uma operação da Delegacia de Defesa de Serviços Delegados prendeu em flagrante a moradora de uma residência de luxo na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, por esse crime.

O endereço consumia cerca de 2.000kWh por mês, o equivalente na época a R$ 2.400, sem pagar a concessionária.  

Para tentar reduzir as perdas, a Light investiu R$ 50 milhões na compra de caixas blindadas, à prova até de bala de fuzil, que protegem sensores que detectam acessos clandestinos. Elas foram instaladas nas regiões com alta incidência de “gatos”, como as favelas Babilônia e Chapéu Mangueira, no Leme, na Zona Sul do Rio, e nas cidades de São João de Meriti, Duque de Caxias e Nova Iguaçu, na Baixada.

Procurada, a Polícia Civil não quis comentar.

Abaixo as páginas 12 e 13 da edição de 12FEV2023, para o leitor tirar a prova desta surpreendente reportagem

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