Começa julgamento da Air France e da Airbus por acidente com voo AF447 entre Rio e Paris

Mais de treze anos após o acidente com o voo Rio-Paris que matou 228 pessoas, a Airbus e a Air France serão julgadas a partir de segunda-feira (10) na capital francesa. O processo vai até o dia 8 de dezembro.

O acidente do voo AF447, que fazia a rota Rio-Paris, ocorreu no dia 1° de junho de 2009. A aeronave caiu 3 horas e 45 minutos após a decolagem e causou a morte de 216 passageiros e 12 tripulantes. Em 5 de julho de 2012, a BEA, a agência civil francesa que investigou a tragédia, divulgou o relatório final sobre a catástrofe, responsabilizando os pilotos pela perda do controle do Airbus A330, após uma sucessão de falhas técnicas.  

Os problemas começaram com o congelamento dos sensores de velocidade, as sondas Pitot, fabricadas pela empresa Thales, que conduziu a uma incoerência temporária entre as velocidades medidas, confundindo os pilotos. Os especialistas do BEA afirmam, entretanto, que os pilotos poderiam ter evitado o acidente e a perda de sustentação (estol). O sindicato da categoria alegou que os profissionais nunca haviam sido treinados para enfrentar tal situação.

Na Justiça, após várias perícias, os juízes de instrução arquivaram o caso em 29 de agosto de 2019, mas os familiares das vítimas e sindicatos de pilotos entraram com um recurso em 12 de maio de 2021. A Câmara de Instrução da Corte de Apelação de Paris decidiu analisar o processo penal por homicídios involuntários das duas empresas.

Mais de cinquenta familiares das vítimas estavam na sala lotada do tribunal correcional de Paris, onde os três magistrados leram os nomes dos mortos em meio. Pouco antes, o CEO da Airbus, Guillaume Faury, e a diretora-geral da Air France, Anne Rigail, ouviram as acusações contra as duas empresas, cercados por seus advogados.

"Não param de nos dizer que o sistema aéreo, o transporte aéreo, têm como lema a segurança. Neste caso, vemos que às vezes a segurança é deixada de lado", disse Sébastien Busy, advogado dos familiares das vítimas. Para o advogado, o objetivo de seus clientes é duplo: "obter a verdade judicial, para entender o que aconteceu exatamente naquela noite."

A presidente da associação de familiares das vítimas Entraide et Solidarité AF447, Danièle Lamy, espera que este processo, após uma "batalha jurídica", "seja o julgamento da Airbus e da Air France" e não "o dos pilotos". "Estamos à espera de um julgamento imparcial e exemplar, para que isso não volte a acontecer e que, através deste julgamento, os dois réus coloquem no centro das suas preocupações a segurança aérea e não apenas a rentabilidade", acrescentou.

Para o sindicato de pilotos do grupo Air France (SPAF), é "importante que um tribunal possa ouvir todas as partes e se pronunciar sobre as diferentes responsabilidades durante um processo público, onde será destacada a importância da segurança dos voos".

A Air France "guarda a memória das vítimas deste terrível acidente e expressa sua mais profunda solidariedade a todos os seus entes queridos", segundo um comunicado divulgado pela companhia. A empresa "vai continuar a demonstrar que não cometeu qualquer delito criminal na origem do acidente". A fabricante europeia Airbus, que não quis se pronunciar antes do julgamento, também rejeita qualquer responsabilidade penal.

Testemunhos

O avião transportava passageiros de 33 nacionalidades diferentes e 476 familiares constituem a parte civil. Cinco dias serão dedicados àqueles que querem testemunhar no tribunal. Vários especialistas e pilotos deverão se pronunciar durante o julgamento: a 31ª câmara correcional do tribunal de Paris terá que determinar se a Airbus e a Air France, que podem ser condenadas a pagar uma multa de € 225 mil, cometeram erros que culminaram no acidente.

Para o Tribunal de Apelação, existem acusações suficientes contra a Air France, que se "absteve de realizar a formação adequada" face ao congelamento das sondas, "o que impediu os pilotos de reagir conforme necessário". A Airbus foi acusada de ter "subestimado a gravidade das falhas dos sensores de velocidade instalados na aeronave A330 ao não tomar todas as medidas para informar com urgência as tripulações das empresas operadoras e contribuir para a sua formação eficaz".

Diversas falhas nessas sondas foram registradas nos meses anteriores ao acidente. Após o desastre, o modelo  foi substituído em todo o mundo. A tragédia também levou a outras modificações técnicas no campo aeronáutico e reforçou o treinamento em estol, bem como no estresse da tripulação.

Acidente com o voo AF447 teve impacto em melhoria da segurança aérea

Independentemente da sentença do julgamento da Air France e da Airbus no caso do acidente do voo AF447, que começa nesta segunda-feira (10), em Paris, a tragédia já teve um impacto importante na melhoria da segurança aérea no mundo. O avião, que fazia a rota Rio de Janeiro-Paris, caiu em 1 de junho de 2009 no oceano Atlântico causando a morte de 228 pessoas.

Para especialistas e profissionais da aviação entrevistados pelo jornal La Croix, poucos acidentes causaram uma evolução tão importante nos procedimentos de segurança. Além de melhorias no material, a catástrofe também provocou questionamentos sobre a formação dos pilotos.

Na noite da tragédia, as sondas de velocidade Pitot presentes no Airbus A330, que permitem aos pilotos controlar a velocidade do avião, congelaram e enviaram informações incoerentes para os pilotos. Mas, desde o acidente, a regulamentação internacional sobre estes instrumentos evoluiu.

Hoje, um sistema de emergência de avaliação da velocidade que não depende de captores existe em todas as aeronaves, lembra o consultor de aeronáutica Xavier Tytelman, entrevistado pelo jornal La Croix. Além disso, aviões de última geração passaram a contar também com captores de velocidade nos motores e as sondas usadas devem ser fabricadas por diferentes construtores.

A formação e o treinamento dos pilotos também foram profundamente revistos. As sessões de simulação de voo colocam os pilotos em situações praticamente impossíveis e imprevistas pelos construtores. A maioria das companhias também passou a considerar o fator humano diante de situações anormais ou de emergência.

Para especialistas, o drama do Rio-Paris, o pior na história da Air France, elevou a segurança aérea a um nível excepcional.

Tenacidade

O jornal Le Figaro destaca a tenacidade dos familiares das vítimas, que conseguiram colocar no banco dos réus duas das maiores empresas francesas.

Em 2019, o Tribunal de Grande Instância de Paris arquivou o caso por considerar que não havia provas suficientes contra a Air France e a Airbus, o que causou a revolta das famílias que apelaram da decisão.

Em maio de 2021 o Tribunal de Segunda Instância de Paris ordenou que a construtora e a companhia aérea voltassem ao tribunal por homicídio culposo.

Voo Rio-Paris: “Estou nesta briga pelas pessoas que ainda viajam nesse avião assassino”, diz brasileiro

Treze anos depois de uma das tragédias mais marcantes da aviação civil, terá início nesta segunda-feira (10) um novo – e provavelmente último – processo sobre as responsabilidades pela queda do avião que fazia o voo AF 447, entre o Rio de Janeiro e Paris, em maio de 2009. A fabricante Airbus e a companhia aérea Air France são acusadas na ação movida no Tribunal Correcional de Paris. Mas para o pai de uma das vítimas brasileiras, o trâmite "não vai chegar a lugar nenhum” porque, a seu ver, a França protege as duas empresas.

Apesar da dor que o caso provoca até hoje, Nelson Marinho promete “ir até o fim” pela memória do filho, uma das 228 vítimas do acidente. O Airbus A330 caiu no meio do oceano Atlântico depois que os pilotos da aeronave não conseguiram retomar o controle do avião após receberem informações desencontradas sobre a velocidade da aeronave, devido ao congelamento das sondas externas do aparelho.

"A França é muito corporativa. Ela defende com unhas e dentes a Airbus, a Air France, que também é estatal. Nós não vamos chegar a lugar nenhum”, lamenta Nelson, por telefone. "Eles teimam em voar com um avião com defeito, que até agora não foi resolvido. Mesmo que a Justiça francesa bata o martelo em favor da causa, ninguém vai ser preso, porque os diretores já mudaram, e ninguém vai ser punido por isso. Quem foi punido são as pessoas que estavam nesse voo e que perderam suas vidas, e os familiares que ficaram com uma dor para sempre. É insuperável”, critica.

Reviravolta

Em 2021, o Tribunal de Apelações de Paris ordenou que as duas companhias sejam julgadas por “homicídio culposo”. O Ministério Público defendia que as “causas indiretas” do acidente eram imputáveis a falhas das duas gigantes da aviação: enquanto a Air France “se absteve de impor a formação e a informação”, necessária à tripulação, a Airbus “subestimou a gravidade dos defeitos nas sondas” Pitot, que mediam a velocidade, e não agiu o suficiente para corrigi-los”, apontou a Procuradoria.

“Estou nesta briga pelas pessoas que ainda viajam nesse avião assassino, porque ele continua a voar”, denuncia Marinho. “Eu perdi um filho, a gente não consegue nem traduzir em palavras o que é isso. Eu não quero que pessoas passem pelo mesmo problema que eu passei e estou passando”, salienta.
 

Marinho conta que as famílias das vítimas brasileiras continuam a se informar sobre os desdobramentos do caso, por meio da associação comandada por ele. Mas a maioria  se esforça para virar definitivamente a página do acidente.

“Houve até suicídio. Uma senhora não aguentou. É muito dramático”, diz Marinho. "Eu enfrento isso porque prometi a mim mesmo e ao meu filho que vou até o fim. Mas é muito difícil para os brasileiros acompanharem [o novo processo na França]. A passagem para Paris está R$ 5 mil”, afirma.

"Dizer que foi erro dos pilotos é muito fácil”

A associação das vítimas brasileiras conta com assessoria técnica de um ex-piloto da Air France, Gérard Arnoux, que vai acompanhar as audiências na plateia. As famílias dos três pilotos do AF 447, apontados como os únicos responsáveis no processo encerrado em 2019, constituíram-se como parte civil – assim como um total de 476 familiares – e poderão ser chamadas para depor.

As duas outras filhas de Marinho moram na França e também tentarão assistir às sessões. "Dizer que foi erro dos pilotos é muito fácil. Se eu lhe dou uma máquina que não funciona direito, você não vai conseguir operá-la como deveria”, ressalta Keiko Marinho, à RFI. “É como se eu devesse isso para o meu irmão, para completar esse luto. Não tem um único dia em que eu acorde e não pense nele. Ele era o meu melhor amigo”, diz, sem conter as lágrimas.

Os passageiros, comissários e pilotos que estavam a bordo da aeronave eram de 34 nacionalidades diferentes. Entre eles, 22 eram alemães. A mãe de Alexander Crolow, Barbara, planeja assistir às audiências na capital francesa.

“Para mim, é uma questão de moral e ética, não de dinheiro. As grandes empresas também precisam ser responsabilizadas pelo que elas fazem”, sublinhou ela.

Barbara reconhece que as nove semanas de processo serão duras de suportar, mas ela afirma estar “aliviada" que a Procuradoria francesa tenha decidido reabrir o caso.

Após uma longa sucessão de perícias, os juízes de instrução arquivaram o caso em 29 de agosto de 2019. Indignados, familiares das vítimas e sindicatos de pilotos recorreram e, em 12 de maio de 2021, o Tribunal de Instrução decidiu pelo processo por homicídios culposo das duas empresas.

Foco nos detalhes técnicos

O advogado da associação de vítimas francesas Entraide et Solidarité, Sébastien Buzy, disse esperar que a Airbus e a Air France tentarão transformar as audiências em um debate técnico ainda mais complexo, na expectativa de serem isentadas de responsabilidades e "abafar o caso".

"O papel das famílias das vítimas e do Ministério Público será focalizar o debate nas falhas que podem ter tido Airbus e a Air France e tentar explicá-las claramente”, explica o defensor, à RFI.

Contatadas pela reportagem, as duas empresas optaram por não dar entrevista. O julgamento é esperado para o dia 8 de dezembro.

Até lá, deverão se pronunciar muitos especialistas e pilotos: a 31ª câmara correcional do tribunal de Paris terá de determinar se a Airbus e a Air France, que incorrem em uma multa de € 225 mil, cometeram erros que levaram ao acidente.

Falhas nas sondas Pitot foram registradas nos meses anteriores ao acidente. Após o desastre, o modelo afetado passou a ser substituído em todo o mundo.

A tragédia também levou a outras modificações técnicas no campo aeronáutico e reforçou o treinamento quando o avião perde a sustentação, assim como a gestão no estresse da tripulação.

 

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