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“O exemplo Argentino é importante para a América do Sul”

Mariana Queiroz Barboza

Na última década, impulsionados por um forte componente ideológico, os governos de esquerda da América Latina, inclusive o Brasil, se afastaram dos Estados Unidos. Para o economista americano Thomas Trebat, a estratégia revelou-se equivocada. “Havia certa cegueira na política externa brasileira”, diz.

“Nunca entendi muito bem a insistência de não criticar nem Chávez nem Maduro por óbvias violações de direitos humanos. Por que o Brasil se beneficiaria disso?” Desde os anos 80, Trebat se especializou na pesquisa econômica sobre a região e passou por instituições como Citigroup, Bankers Trust, Fundação Ford.

Há 10 anos, ele deixou Wall Street para se dedicar à academia e hoje é diretor do Columbia Global Center para a América Latina no Rio de Janeiro, filiado a uma das universidades mais importantes dos Estados Unidos, a Columbia. Liberal de carteirinha, o economista vê a eleição de Mauricio Macri na Argentina como uma oportunidade de virada para o continente.

Istoé Há 10 anos, o brasileiro Lula, o argentino Néstor Kirchner e o venezuelano Hugo Chávez disseram “não” à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), proposta pelos Estados Unidos, e passaram a considerar as relações com os vizinhos sul-americanos uma prioridade. Como o senhor avalia esse período?

Thomas Trebat – Por um lado, é difícil criticar o velho sonho latino-americano de maior integração entre as economias da região. Temos um continente de 560 milhões de pessoas. O que critico é excluir dessa visão parcerias com o resto do mundo. As economias latino-americanas são muito parecidas: em sua riqueza, basicamente de matérias-primas e recursos naturais, em suas indústrias, que tendem a ser protegidas, e no turismo e outros serviços, que esbarram na falta de infraestrutura. Nessas condições, precisamos de um regionalismo aberto. Nos últimos 10 anos, ele foi excessivamente fechado. Agora é hora de rever essa estratégia, que se esgotou.

Istoé – Qual é o papel da Argentina nessa revisão?

Thomas Trebat – O exemplo que estamos vendo agora na Argentina é político, econômico e financeiramente muito importante para o resto da região.

Istoé – Por quê?

Thomas Trebat – O pior símbolo do capitalismo internacional, os chamados fundos abutres, que eram os inimigos da Cristina Kirchner, não merecem nenhum mérito. Mas fazer as pazes com esses fundos, que é o objetivo de Mauricio Macri, é um passo para abrir a Argentina. Aquele é um país capaz de fazer viradas rápidas. Resolvendo o problema do isolamento financeiro de Buenos Aires, vão entrar novos capitais e esse será um bom exemplo de como é possível sair de um populismo exagerado para um crescimento mais equilibrado. A Argentina é cheia de oportunidades em muitas áreas, como na indústria, agricultura e mineração.

Istoé – A eleição de Macri na Argentina, a vitória da oposição na Venezuela e a crise política do governo do PT no Brasil são sinais de esgotamento dos governos de esquerda na América do Sul?

Thomas Trebat – É uma tentação falar assim. Mas se pararmos para pensar, há ainda a Michelle Bachelet no Chile, Omala Ollanta no Peru, Evo Morales na Bolívia, todos da esquerda. O que se esgotou foi um populismo simplório. Os casos mais tristes são o da Venezuela e da Argentina. O Brasil nunca chegou a ser populista nesses moldes, embora tivesse certa simpatia no nível diplomático com esses dois países. O Brasil não é de grandes extremos, mas pecou ao entrar naquela onda de não priorizar suficientemente o equilíbrio fiscal nem novas parcerias globais fora da China e do comércio de matérias-primas.

Istoé – O que o sr. espera para o Brasil?

Thomas Trebat – Não espero grandes milagres. Não acho que Brasília vai assinar uma nova Alca, nem ser proponente de uma nova integração com a Europa. Mas vai dar menos ênfase à solidariedade da esquerda latino-americana. O Brasil tem todas as condições para participar com êxito do comércio mundial. Inclusive, tem uma taxa de câmbio, se não subvalorizada, pelo menos bastante competitiva. Por força da crise fiscal, a política industrial com subsídios e proteções já passou.

Istoé – A tendência agora é que os países do continente se reaproximem dos EUA?

Thomas Trebat – Acho que sim. Não jogo a culpa do isolamento dos EUA só nos países latino-americanos. A América Latina, de longuíssima data, deixou de ser prioridade para Washington. Na visão latino-americana de comércio bilateral com os EUA, os acordos como os que têm Chile, Colômbia, Panamá, República Dominicana e México não eram resultado de negociações de igual para igual. Isso teve má repercussão no Brasil e em outros países vizinhos. Mas os EUA estão mudando.

Istoé – Como?

Thomas Trebat – Várias coisas influenciam essa mudança de postura, principalmente nossa política com respeito a Cuba. Isso tirou daquele grupo da esquerda mais populista uma desculpa para se distanciar. O fato de Cuba ter deixado de ser o inimigo número 1 dos EUA tirou um empecilho do caminho. A eleição de Macri na Argentina está sendo interpretado em Washington como outro fator de menor tensão no hemisfério. Os EUA começam a ver na América Latina um terreno mais aberto, com governos mais neutros. Há um certa volta à normalidade.

Istoé – Quais são os principais interesses dos EUA na região?

Thomas Trebat – Os americanos se interessam que o governo de Macri seja apoiado e que haja uma mudança democrática pacífica na Venezuela. Isso é de grande importância porque ela é grande fornecedora de petróleo.

Istoé – Como o sr. acha que o Brasil sairá da crise?

Thomas Trebat – Pelo bem do País, pela prosperidade e avanço da economia, a saída da crise passa por uma maior aproximação com a economia da América do Norte e da Europa. Tem que ser assim: menos dependência sobre a demanda de matérias-primas da China, menos dependência sobre os BRICs, e uma volta à normalidade do comércio internacional de serviços e produtos manufaturados para o Norte.

Istoé – Durante o governo de Barack Obama, os EUA se intrometeram menos em questões internas da América do Sul?

Thomas Trebat – O sinal mais claro disso talvez seja a Venezuela. Houve muito atrito na época de Chávez e os EUA chegaram a uma certa trégua, diminuindo a tensão de forma bastante forte. São duas coisas em jogo: por um lado, os EUA não viam motivo suficiente para intervir nos assuntos internos de uma região que é amiga, e tinham prioridades em outras áreas do mundo. Agora, com o passar do tempo, passado esse ciclo do boom das matérias-primas, do surto de populismo na região, os EUA e a América Latina perceberam que não há motivo para um distanciamento econômico e financeiro das regiões.

Istoé – Desde a eleição, a imprensa argentina, que travou muitas batalhas contra os Kirchner, tem adotado um tom otimista em relação ao governo de Macri. Até quando vai essa lua-de-mel?

Thomas Trebat – Depende muito da figura de Macri. Ele não tem o perfil de um político tradicional argentino. Macri teve certa importância no movimento político na província de Buenos Aires, mas seu perfil foi de empresário durante a maior parte de sua vida. Ele ainda não foi testado realmente, não passou pela prova de fogo no embate político.

Istoé – Isso é um problema?

Thomas Trebat – A grande contribuição de Macri já está sendo dada. Ele está unificando o câmbio, tirando subsídios, resolvendo a questão do calote de forma definitiva, colocando bases para uma inflação menor. Ele não precisa ser um salvador da pátria para a economia argentina voltar a crescer. Basta não criar obstáculos como criavam os Kirchner, sobretudo a Cristina nos últimos anos de mandato. Não tem que ser a briga de todos contra todos. A lua-de-mel uma hora acaba, mas acredito que, nos próximos anos, vá prevalecer certo tom de otimismo.

Istoé – E isso terá algum desdobramento para o Brasil?

Thomas Trebat – Claro. A Argentina é uma importante peça para a região e o fato de ela ser vista novamente como alvo de investimento estrangeiro e comércio beneficia indiretamente as empresas brasileiras. A não ser que Macri tenha uma personalidade que não tem demonstrado até agora, o provável é que a Argentina passará por uma virada que vai durar muitos anos. Para colocar as economias latino-americanas para crescer novamente, basta ter governos competentes que prezem pela estabilidade macroeconômica, que levem em conta os fatores que influenciam a competitividade. Essa é a experiência do Chile, do Peru e da Colômbia.

Istoé – Por muito tempo, o Brasil foi criticado por ser brando em relação ao governo de Nicolás Maduro. Como o sr. avalia a relação entre os dois países agora?

Thomas Trebat – Havia certa cegueira na política externa brasileira. Nunca entendi muito bem a insistência de não criticar Chávez nem Maduro por óbvias violações de direitos humanos. Por que o Brasil se beneficiaria disso? Qual era a vantagem de colocar a Venezuela dentro do Mercosul? Só tem uma possível explicação. Há uma solidariedade ideológica, são países de esquerda, e eles têm que ser apoiados a qualquer custo. Essa visão, para mim, é errada.

Istoé – O Brasil perdeu relevância no cenário mundial?

Thomas Trebat – A voz do Brasil tem sido diminuída nos últimos anos. A prioridade tem voltado a ser a política interna, a economia, a corrupção, a crise em Brasília. É uma voz que faz falta no mundo. Talvez seja a hora de o Brasil reassumir um papel mais ativo.

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