Grupo de Lima, Guaidó e EUA debatem próximos passos na Venezuela

O líder da oposição venezuelana, Juan Guaidó, se reunirá com chanceleres do Grupo de Lima e com representantes do governo dos EUA em Bogotá nesta segunda-feira (25/02) para discutir os próximos passos para resolver a crise na Venezuela e forçar a saída de Nicolás Maduro do poder, após violentos conflitos no fim de semana.

Um representante sênior do governo americano afirmou que o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, anunciará "ações claras" ao se dirigir ao grupo, coalizão formada pelos chanceleres de Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia.

"Vamos mostrar ao mundo e a Maduro que os EUA estão ao lado do povo da Venezuela e que os EUA estão ao lado de Guaidó", disse o funcionário do governo americano, que preferiu não ser identificado.

"E continuaremos a ficar ao seu lado até que a democracia seja restaurada e ajuda humanitária chegue aonde precisa chegar." O Brasil será representado na reunião pelo vice-presidente Hamilton Mourão e pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que devem defender um aumento da pressão diplomática e econômica sobre Maduro.

A posição contra uma possível intervenção militar, que poderia criar instabilidade na região, deve ser mantida. Tentativas de entregar ajuda humanitária a venezuelanos através da fronteira com a Colômbia acabaram em violência neste fim de semana.

Aliados de Maduro reprimiram violentamente as tentativas de comboios oposicionistas de ingressar na Venezuela, a partir da Colômbia e do Brasil. Houve confrontos entre manifestantes antichavistas e forças pró-Maduro, que reforçaram bloqueios montados na fronteira colombiana, onde caminhões foram incendiados. Na fronteira com o Brasil, manifestantes atacaram e incendiaram um posto militar venezuelano.

Ao final, nenhum carregamento conseguiu furar os bloqueios. Devido às dificuldades e à violência, os oposicionistas liderados por Guaidó ordenaram o retorno dos veículos carregados aos centros de armazenamento.

Na sequência, Maduro anunciou o rompimento de relações diplomáticas com Bogotá, ordenando a saída dos funcionários diplomáticos colombianos da Venezuela. Segundo relatos da oposição, pelo menos três pessoas, uma delas de 14 anos, morreram durante confrontos com paramilitares chavistas.

Na sexta-feira, dois manifestantes indígenas já haviam sido mortos por forças do regime na vila venezuelana de Kumarakapay. Os feridos, em parte por armas de fogo, são calculados em torno de 300. Líder da Assembleia Nacional que se declarou presidente interino venezuelano há cerca de um mês, Guaidó pediu que "todas as opções permaneçam abertas" contra Maduro depois do fracasso da operação de entrega de ajuda humanitária.

Maduro justifica a recusa da assistência por considerar que se trata de uma ação de propaganda política da oposição e de um primeiro passo para uma intervenção estrangeira. Da mesma maneira, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, afirmou que "todas as opções estão sobre a mesa" para "garantir que a democracia prevaleça" na Venezuela.

"Faltam medicamentos em toda a Venezuela"

O êxodo de centenas de milhares de venezuelanos se transformou numa das mais sérias catástrofes humanitárias da América do Sul. Em decorrência de uma crise financeira extrema, a Venezuela carece de mantimentos, remédios e empregos.

"A situação está cada vez mais dramática", apontou, em entrevista à DW, Andreas Lindner, chefe do departamento regional da Cruz Vermelha alemã para a América Latina, localizado em Bogotá. "O sistema de saúde na Venezuela está praticamente em colapso."

Com ambulatórios na fronteira venezuelana com a Colômbia e ao longo da rota migratória para os países vizinhos, a Cruz Vermelha tem ajudado com atendimentos médicos básicos e orientações sobre como os refugiados podem entrar legalmente nos países.

"Claro, há também gente com doenças crônicas, para as quais nossas instalações básicas de saúde não estão devidamente equipadas", lamenta Lindner. "Estimamos que, mesmo que a situação mude, a maioria dos venezuelanos não retornará ao país no curto prazo."

DW: Qual é o cenário atual na fronteira entre Colômbia e Venezuela, especialmente em Cúcuta?

Andreas Lindner: A situação tem ficado cada vez mais dramática, faz um ano e meio. Milhares de venezuelanos cruzam diariamente a fronteira, permanecem na Colômbia ou seguem para outros países latino-americanos.

Somente na Colômbia se encontram aproximadamente 1,2 milhão de venezuelanos, já no Equador vivem mais de 200 mil e no Peru mais do que meio milhão de. Apenas estes três países somam quase 2 milhões de venezuelanos que não sabiam mais como sobreviver na terra natal.

Como a Cruz Vermelha reagiu a esse grande número de refugiados?

Criamos dois postos de saúde diretamente na passagem da fronteira em Cúcuta, uma diretamente atrás da ponte fronteiriça já está em funcionamento desde 2017. Entretanto temos estações de assistência médica na fronteira com o Equador e ao longo da rota de migração na Colômbia.

Muitos migrantes venezuelanos não têm sequer dinheiro para uma passagem de ônibus e, portanto, simplesmente encaram centenas de quilômetros a pé em direção a destinos distantes. Nós os ajudamos com postos móveis de saúde, onde se tratam, por exemplo, as bolhas nos pés. Afinal, eles estão na estrada há dias.

Nós também fornecemos pacotes de comida e produtos de higiene, assim como orientação geográfica e conselhos sobre como podem entrar legalmente nos países.

Com que tipo de problemática os refugiados chegam até vocês?

O sistema de saúde na Venezuela está praticamente em colapso, faltam remédios e suprimentos médicos por toda parte. Por exemplo, as mulheres que chegam à Colômbia não tiveram controle pré-natal, as crianças não foram vacinadas. Claro, há também gente com doenças crônicas para que as nossas instalações básicas de saúde não estão devidamente equipadas.

Como são essas instalações móveis de saúde?

Trata-se de tendas ou contêineres que alugamos e convertemos. Há um médico que trabalha com duas ou três enfermeiras, em diversos casos há também psicólogos. As instalações ambulatoriais também patrulham as ruas para prestar primeiros socorros, por exemplo, a doenças respiratórias ou diarreias. Também distribuímos medicamentos gratuitamente. Claro, não temos como realizar procedimentos cirúrgicos.

Onde o rio Orinoco corre na fronteira leste com a Colômbia, convertemos em ambulância flutuante um barco que os turistas costumavam usar para explorar a floresta tropical. Lá, a população indígena da Venezuela também vem com suas canoas pelo rio para receber atendimento médico. Nesse caso não se trata de migrantes, pois retornam às suas aldeias no lado venezuelano do rio.

Mas a história que ouvimos é sempre a mesma: não há mais nada nos hospitais. As equipes médicas que restaram no país trabalham mesmo só com as unhas.

A ajuda internacional é suficiente?

No momento, claro, a atenção internacional é muito grande. Recebemos uma doação muito generosa da União Europeia para ajudar as pessoas ao longo de toda a rota de migração de Cúcuta até Lima. Também recebemos apoio do Ministério do Exterior da Alemanha para um projeto de dois anos, focado especificamente na província fronteiriça colombiana de Norte de Santander. No entanto, é evidente que podemos fazer bom uso de qualquer doação, ainda mais porque não há como se prever quanto vai durar essa situação.

E quanto à ajuda médica que está acampada na fronteira, a fim de entrar na Venezuela?

Essa é uma questão bastante politizada. Nós, da Cruz Vermelha, seja alemã, colombiana ou internacional, decidimos não participar dessa ação. É claro que também nos preparamos para o caso de a assistência médica poder ser prestada diretamente na Venezuela.

Estamos armazenando suprimentos de emergência, remédio e mantimentos em Cúcuta, para o caso de haver uma oportunidade de ajudar diretamente na Venezuela nas próximas semanas ou meses.

Como espera que a situação humanitária se desenvolva, no futuro próximo?

Estimamos que, mesmo que a situação mude no país, a maioria dos venezuelanos não retornará no curto prazo. Portanto, no médio prazo será necessário continuar a apoiá-los nos países vizinhos.

Este será um grande desafio, especialmente para a Colômbia, para onde a maioria dos venezuelanos fugiu. Como está o clima por lá atualmente?

Os colombianos demonstraram uma grande receptividade, tanto a população quanto o governo. Enquanto isso, em outros países, como Equador, Peru e Chile, houve e continua havendo tentativas de dificultar a imigração, por exemplo, exigindo-se documentos que os venezuelanos dificilmente conseguirão obter.

A Colômbia, por sua vez, não impôs nenhuma restrição até agora. Pelo contrário: 800 mil dos 1,2 milhão de refugiados se registraram e receberam visto de residência de dois anos. Esses podem procurar trabalho na Colômbia e se estabelecer lá por este período.

E entre a população colombiana?

O clima ainda é positivo e caracterizado sobretudo por solidariedade. Mas óbvio que é problemático muitos dos migrantes venezuelanos – compreensivelmente, se poderia dizer – tenham que aceitar empregos de salário muito baixo. Esse pode ser um terreno fértil para sentimentos xenófobos. Caso essa situação persista por anos, portanto, é bem possível que o clima vire.

 

 

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