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Dos males do antiamericanismo

Fábio Biazzi

Na última década, fomos capazes de estreitar relações com Cuba, Iraque, Venezuela e Angola – dentre outras nações vanguardistas do cenário político e econômico mundial –, mas não com os Estados Unidos. No mais emblemático dos casos desse período envolvendo uma eventual parceria com os americanos, fizemos questão de desqualificar o melhor produto, que concorria com preço competitivo.

Os caças F/A-18 Super Hornet, da Boeing, preferidos pelos nossos militares, únicos testados com sucesso em combate, foram, primeiro, preteridos por causa de uma exigência de transferência de tecnologia (depois atendida pela empresa) e posteriormente, na falta de outra desculpa, por um suposto mal-estar provocado pelo vazamento de práticas de espionagem do governo americano no caso WikiLeaks.

Se não é exatamente uma surpresa os governos do PT terem certa ojeriza dos ianques, é interessante perceber que nosso sentimento antiamericano vai além dos simpatizantes das ideias socialistas e afins. Embora não difundido por toda a população, esse sentimento extrapola a classe dos nossos políticos – quase todos autoproclamados de esquerda ou centro-esquerda – e se estende principalmente pelas camadas ditas mais esclarecidas, particularmente entre acadêmicos e “intelectuais” diversos.

Há 20 anos, Alvaro Vargas Llosa, Plinio Mendoza e Carlos Alberto Montaner lançaram o Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano, que trata com muita inteligência e ironia das crenças predominantes nesta região do mundo sobre as causas de nossa pobreza e nosso atraso. Nele retratam que nenhum preconceito, ressentimento ou desculpa pelos nossos fracassos é tão difundido quanto o antiamericanismo, dado que por estas bandas os americanos são considerados não apenas como a quintessência dos valores burgueses e do liberalismo, mas também do consumismo e da exploração imperialista dos fracos da Terra.

Segundo eles, as origens dessa crença – dos Estados Unidos como fonte primal dos nossos males – se encontram na cultura hispano-católica, na visão econômica nacionalista ou marxista, na história de conflitos armados entre os EUA e os países ao sul e ainda em sentimentos antagônicos de inveja e admiração.

Em nosso caso, seria cabível desprezar o elemento bélico – seguramente nunca entramos num embate com os gringos; mas talvez acrescentar aquele fator de ordem acadêmica, dada a inclinação histórica de boa parte dos nossos professores e doutores – em especial nas universidades públicas – por autores europeus. Principalmente a França, a Alemanha, a Itália e mesmo a Inglaterra sempre foram olhadas – certamente com razão – como fontes inequívocas e legítimas de teorias, conceitos, estudos e análises, sem as reservas não raramente dirigidas aos americanos.

Em minha prosaica, embora longa, passagem – de 1980 a 2005 – pela Universidade de São Paulo fui beneficiado pela frequente exposição às ideias e obras de europeus, porém desproporcionais reduzidas vezes aos acadêmicos e pensadores dos Estados Unidos. Ao menos em minha vivência, essa predileção pelos europeus se fazia presente nas aulas ligadas aos mais diversos temas. Para minha sorte e melhor formação, fui orientado por um excepcional professor que não sofre e nunca sofreu desse viés, ele mesmo estudou na californiana Stanford University durante seu doutorado.

Voltando aos dias de hoje, é verdade que a prática se tem imposto ao pensamento antiamericano com significativa força: são centenas de milhares de brasileiros que estudaram e estudam nos EUA, o número de turistas brasileiros por lá é da ordem de mais de 1 milhão/ano, são também cerca de 1 milhão os brasileiros que migraram para lá e a grande maioria dos 85% de conteúdo internacional das TVs por assinatura no País vem dos Estados Unidos, apenas para citar alguns números.

Por outro lado, embora ainda uma das oito maiores economias do mundo, o Brasil é destino de apenas 2% das exportações dos EUA (11.ª posição) e apenas 1% da origem das importações americanas (17.ª posição).

A rigor, com nosso antiamericanismo acabamos por perder recursos e oportunidades. Perdemos recursos porque poderíamos intensificar e tornar mais vantajosas as trocas comerciais entre os dois países e também perdemos oportunidades de desenvolvimento de nossa sociedade por deixarmos de admitir que temos o que aprender com eles em inúmeras frentes, como educação, tecnologia, economia, infraestrutura, gestão pública e cidadania.

Ninguém precisa admirar a Associação Nacional do Rifle ou gostar de Donald Trump, mas ignorar a priori todas as contribuições e os avanços americanos é um total nonsense. Seria importante que, ao menos a partir de agora, tivéssemos uma posição estruturada, institucional, constante e atuante a favor do estreitamento e fortalecimento da relação Brasil-Estados Unidos. Os primeiros sinais da nova fase do Ministério das Relações Exteriores parecem muito promissores. Que a tendência prossiga e independa deste ou daquele titular do Itamaraty.

Para finalizar, vale a pena resgatar uma história que novamente tem que ver com aviões: em 1943 e 1944, Casimiro Montenegro, militar e aviador, fez uma série de visitas ao Massachusetts Institute of Technology, o MIT, com a ideia de desenvolver a Aeronáutica no Brasil. Com a colaboração do chefe do Departamento de Engenharia Aeronáutica do MIT, Richard Habert Smith, concebeu o Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), que viria a ser fundado em 1950.

Como consequência direta da existência do ITA, e tendo-o como condição sine qua non, surgiu em 1969 a Embraer, das mãos de um grupo de iteanos liderado por Ozires Silva. Passados quase 50 anos, a Embraer é hoje uma das quatro maiores empresas de aviação civil do planeta, na companhia da americana Boeing, do consórcio europeu Airbus e da canadense Bombardier.

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