ARGENTINA – Uma necessidade urgente de Defesa Nacional


Claudio Pasqualini
Ex-Chefe do Exército Argentino e Diretor
do Observatório de Segurança e Defesa da UCEMA
INFOBAE
Buenos Aires
24 Agosto 2021

 
Integração regional

Estamos vivendo em um mundo em transição e transformação, caminhando para a bi-multipolaridade, com integração e interdependência crescentes. Esta situação causa grande incerteza e instabilidade. Diante desse cenário, nosso país deve se preparar de maneira adequada. Se a nossa visão vai além do conjuntural, temos que pensar e planejar uma grande estratégia que nos permita uma inserção inteligente com os outros países, seguindo políticas consensuais, que passam a ser políticas de Estado.

Nosso país pertence ao hemisfério ocidental. Esta realidade geográfica deve ser levada em consideração, sem descurar a necessária equidistância, prudência e pragmatismo que a atual situação mundial aconselha. No entanto, algumas decisões às vezes parecem nos afastar desse equilíbrio e equilíbrio tão necessários.

As ameaças, riscos e desafios colocados pela atual situação de instabilidade mundial são em grande medida transnacionais e geralmente excedem a capacidade individual de cada Estado para lidar com eles de forma adequada. Por outro lado, unidos regionalmente podem enfrentar com maiores probabilidades de sucesso, bem como negociar de uma posição mais vantajosa com outros países e blocos regionais. Também nos permitiria compensar o enfraquecimento do multilateralismo.

É preciso ter uma visão pragmática das relações com os países vizinhos. As condições para avançar num processo de integração com passo seguro e firme, para além das diferenças circunstanciais entre os governos da época, são dadas pela convergência de interesses a médio e longo prazo, bem como pela identificação de ameaças e riscos comuns.

Esse processo também será facilitado, se nosso país conseguir formar um Estado forte, consolidado, respeitado e confiável, com instituições robustas, com uma identidade nacional clara e sólida alicerçada em nossas raízes e tradições.

As relações com os países vizinhos já se consolidaram nas últimas décadas, depois de superar praticamente todas as divergências em assuntos vitais, e encontrar campos importantes de entendimento e cooperação. Isso facilitou, entre outros acordos, a criação do MERCOSUL há mais de 30 anos, com objetivos fundamentalmente econômicos.

Em 1996, outros países começaram a aderir. É assim que ocorre, por exemplo, a associação chilena. Durante a Reunião do MERCOSUL, em 17 de junho de 1997, o então presidente transandino Eduardo Frei disse: “Nossa prioridade é o MERCOSUL”.

Essa aliança deve ser abrangente. Se queremos alcançar uma verdadeira parceria estratégica com nossos vizinhos, não podemos nos limitar às questões econômicas. Devemos incorporar outras áreas e esferas de interesse, ou deixaremos o processo de integração regional perigosamente incompleto.

Aliança Regional ABC

Essa integração pode ser favorecida a partir de um Cone Sul forte. A associação estratégica ABC (Argentina-Brasil-Chile) possui uma lógica geográfica e histórica, e grande potencial devido à importância dos países envolvidos e sua capacidade de projeção bioceânica. Também serviria de base sólida para posteriormente incorporar os demais países da região. Já em 1899, o presidente Julio Argentino Roca se reunia com os presidentes do Brasil e do Chile, como o antecedente mais distante, que mostra a lógica dessa associação estratégica.

Essa aliança regional deve permitir o estabelecimento de estratégias comuns para enfrentar as ameaças transnacionais e proteger os interesses comuns. Políticas regionais poderiam ser acordadas e coordenadas em questões vitais como Atlântico Sul, Antártica, espaço sideral, áreas de fronteira, defesa cibernética, tecnologias sensíveis, entre outras. Eles poderiam ser articulados regionalmente, começando com acordos seletivos que permitem a formação de uma rede cada vez mais forte.

Defendendo

Neste quadro, assume uma importância fundamental o domínio da Defesa, que, juntamente com a política externa, constituem duas áreas de relacionamento íntimo e transcendental para o posicionamento e segurança nacional e regional.

Já há algumas décadas que se fala da necessidade de uma maior integração em matéria de defesa com os nossos vizinhos, sem que isso se tenha concretizado. São muitas as expressões de desejo, que não se materializaram em fatos concretos.

Maior cooperação e coordenação em matéria de defesa consolidarão a paz e a estabilidade na região, agregando valor estratégico à integração já alcançada.
A relação entre as Forças Armadas da região é excelente, depois de muitos anos adotarem um grande número de medidas de confiança mútua e ações de cooperação militar. Existe também a vontade de trabalhar de forma coordenada nos múltiplos aspectos da Defesa, para além dos habituais intercâmbios educativos, reuniões bilaterais e exercícios combinados.

Há alguns anos, foi criado o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), que fracassou por sua carga ideológica, pois era pensado mais como um órgão para se diferenciar dos Estados Unidos do que para integrar e pactuar políticas de Defesa.

Tampouco se deve permitir que as diferentes posições e legislações que cada país possui em matéria de Segurança e Defesa dificultem essa integração. É preciso ter uma visão mais ampla e inteligente, evitando que a política interna se imponha à política externa.
 
Os primeiros passos são os mais simples e já foram dados há muito tempo. A estagnação deve ser quebrada. É hora de ir mais rápido. Medidas de confiança mútua e ações de cooperação militar devem servir de base para um relacionamento mais profundo, que inclui força combinada, desenvolvimento tecnológico, produção para defesa e maior intercâmbio de informações. Implica também reconciliar meios e doutrinas, para alcançar a interoperabilidade.

Deve haver um equilíbrio militar proporcional entre os países envolvidos, onde cada um contribui com forças de acordo com seu potencial. Orçamentos de defesa cada vez menores, como os que nosso país aprovou nas últimas décadas, atrasarão o processo de integração. Se formos fracos, seremos mais palatáveis ??para outros atores externos, não estaremos em posição de influenciar as decisões tomadas pela aliança que se conforma e não alcançaremos a dissuasão necessária.

O estabelecimento de uma aliança estratégica não significa que os países participantes percam a capacidade de defender seus próprios interesses vitais por conta própria, ou que renunciem à sua identidade nacional. Cada um deve manter sua capacidade de defesa autônoma.

Brasil

É claramente a potência militar regional mais importante. No “Memorando de Entendimento entre o Governo da República Argentina e o Governo da República Federativa do Brasil para Consulta e Coordenação”, elaborado em abril de 1997, já era mencionada a necessidade de maior coordenação e cooperação em Defesa.

Do ponto de vista militar, a relação com este país vizinho e amigo atingiu um nível notável. Os intercâmbios acadêmicos, as reuniões bilaterais do Estado-Maior e os exercícios combinados, entre outras medidas de confiança mútua e cooperação militar, têm permitido estreitar os laços de amizade entre as duas Forças Armadas.

Em relação à pesquisa, desenvolvimento e produção para a Defesa, passos auspiciosos haviam sido dados com o Exército Brasileiro em 2004, após acertar no Rio de Janeiro a fabricação de um "Veículo Aéreo Leve Transportável de Emprego (VLEGA)", que se chamou "Gaúcho". Após acertar as especificações técnicas e operacionais do veículo, dois protótipos foram construídos.
 
A impaciência da Argentina por resultados rápidos logo colidiu com os tempos lógicos de teste e avaliação do Brasil. Desse modo, o que havia começado como um projeto de estreitamento dos laços de integração em um aspecto tão importante como o desenvolvimento tecnológico acabou sendo distorcido, por esquecer sua finalidade principal.

Posteriormente, não houve outros empreendimentos binacionais importantes que contribuíssem para a formação de uma associação estratégica na área de Defesa, exceto pelo fornecimento pela FAdeA (Fabrica Argentina de Aviones), de alguns componentes em material ccomposto para a aeronave de transporte multimissão Embraer KC-390.

A recente visita do ex-ministro Rossi a seu par no Brasil, abriu a possibilidade de adquirir os veículos blindados 6×6 “Guaraní”, que incluem componentes fabricados no país (Motor). A realização desta iniciativa seria um passo importante na direção proposta.

Existem também áreas importantes para se trabalhar em conjunto, como defesa cibernética, tecnologia nuclear, tecnologia aeroespacial, indústria naval, radares, simulação, sensores e sistemas de comando e controle, entre outras.
Além disso, a partir de reuniões realizadas há mais de três anos, há grande vontade de formar uma força binacional, no estilo da já organizada com o Chile. Coincidentemente, essa iniciativa consta da nova Diretiva da Política de Defesa Nacional (DPDN).

Além disso, ações comuns podem ser desenvolvidas na "Amazônia Azul" e no "Pampa Azul", e coordenar o controle das áreas de fronteira. Para esta última questão, algumas diferenças jurídicas devem ser reconciliadas.

Chile

No final do século passado, as relações militares com o país transandino limitavam-se a alguns intercâmbios e à realização de vários trabalhos combinados de montanha (competições de esqui, subidas de montanha, etc.).
 
Com bom senso e, evitando estar ancorado nas diferenças do passado, a partir de 1990, as medidas de confiança mútua começaram a aumentar significativamente, através de visitas, encontros, intercâmbios académicos e exercícios combinados, entre outros. Em 1995 foi criada a Comissão Permanente de Segurança (COMPERSEG), que juntamente com as Reuniões de Consulta entre Ministros da RREE e da Defesa (2 + 2), contribuíram para o estreitamento das relações.

Em 1998, foi assinado um acordo entre as Marinhas dos dois países para a realização de uma patrulha coordenada nos mares da Antártida: a Patrulha Naval Combinada da Antártica, que continua até hoje.

A formação em 2005 da "Força Conjunta e Combinada de Paz Cruz del Sur" materializa o ponto culminante da integração militar alcançado até agora pela Argentina com um país vizinho. Essa força binacional, criada para ser empregada no âmbito de uma missão de manutenção da paz das Nações Unidas, é a primeira desse tipo na América do Sul.

A semelhança de formação, costumes e tradições torna as Forças Armadas chilenas muito semelhantes às argentinas. Isso facilitou a rápida reaproximação militar entre os dois países, uma vez superadas a desconfiança e as diferenças fronteiriças.

Atualmente, o contato próximo é mantido por meio de reuniões anuais entre os Comandantes das regiões adjacentes e uma troca fluida de pessoal.

Convencidos de que o esporte também é um importante instrumento de fomento da amizade e da aproximação, já aconteceram nos últimos anos quatro partidas de futebol entre dirigentes de ambos os exércitos.

Ainda existe um campo fértil para avançar em projetos de pesquisa, desenvolvimento e produção em defesa, na defesa cibernética, na atividade antártica, no controle dos mares e áreas de fronteira, entre outros aspectos estratégicos de interesse comum.

Conclusões

Uma aliança estratégica regional é essencial para a estabilidade do Cone Sul. É um projeto geopolítico que não pode ser adiado, com uma projeção bioceânica. As condições estão reunidas e todas as etapas anteriores de integração já foram consolidadas.
 
Essas iniciativas com as Forças Armadas do Brasil e do Chile deveriam, então, abranger os demais países vizinhos, e outros que não o são, como o Peru, país ao qual estamos unidos por laços históricos de fraternidade e cooperação, e com o qual também avançamos. para a formação de uma força binacional, a Compañía de Ingenieros "Libertador General José de San Martín", embora sem realmente consegui-la. A integração regional em Defesa deve ser fortalecida a partir do Cone Sul.

Existe vocação para a integração. No campo da economia sempre pode haver competição, mas no campo da Defesa deve prevalecer a cooperação e a complementação.

Devemos fortalecer nossas capacidades militares, com o uso inteligente e eficiente do FONDEF, ao qual devemos agregar outros instrumentos e mecanismos para acelerar a recuperação das Forças Armadas. Devemos alcançar um equilíbrio militar proporcional com os países da região. A Grã-Bretanha, com sua posição de veto na venda de componentes ingleses para as Forças Armadas argentinas, dificulta seu reequipamento com materiais ocidentais, obrigando o país a buscar parte de seu necessário e lógico reequipamento nas potências orientais.

Temos que pensar no futuro. A Argentina deve reconquistar sua presença internacional e estabelecer relações estratégicas com nossos vizinhos. Se formos aliados, poderemos enfrentar com maior solidez qualquer cenário global que constitua um desafio para a região. A integração dos diferentes sistemas de defesa fortalecerá o todo. As fraquezas podem ser compensadas e os pontos fortes aumentados. Não é uma tarefa fácil, mas não devemos perder mais tempo. Para isso, basta um maior empenho e uma clara vontade e decisão política.

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