A Venezuela no Mercosul

A despeito da discutível legalidade da manobra engendrada pelos governos do Brasil e da Argentina para permitir a rápida admissão da Venezuela no Mercosul, a ampliação do bloco pode ser, pelo menos numa perspectiva de médio prazo, vantajosa. Aproveitar-se de um golpe para aplicar outro não parece ser prática que credencie quem quer que seja ao respeito da comunidade internacional.

Se a derrubada do presidente do Paraguai, Fernando Lugo, pelo Senado daquele país, dando-lhe apenas duas horas para se defender da acusação de má administração não pode ser considerada ato democrático, tampouco foi correto o atropelo à regra da unanimidade das decisões no Mercosul, apenas para ajudar o coronel Hugo Chávez a criar fato relevante em mais uma de suas campanhas de reeleição na Venezuela.

Brasil e Argentina forçaram a suspensão provisória do Paraguai do Mercosul sob a acusação de prática antidemocrática, mas não tiveram o mesmo critério em relação ao governo Chávez. Abriram, assim, a janela que faltava. Afinal, o Senado paraguaio era o último obstáculo à unanimidade entre os quatro membros fundadores para a admissão do novo sócio. Não se sabe o que vai ocorrer quando o Paraguai, depois das eleições presidenciais de abril, voltar ao bloco, mas essa é crise para o ano que vem.

Por ora, cabe refletir sobre o que traz a Venezuela de Hugo Chávez ao Mercosul. De saída, a estatística fria é sedutora. Ela eleva de R$ 3 bilhões para R$ 3,3 bilhões a soma do Produto Interno Bruto (PIB) do bloco, o que faria dele a quinta economia do mundo, se fosse possível esse tipo comparação (um bloco contra países isolados). O Mercosul passa a englobar 83,2% da economia sul-americana e 70% população do subcontinente. A entrada da Venezuela significa ainda a extensão do Bloco do Caribe até a Patagônia, ocupando território de 12,7 milhões de quilômetros quadrados.

Mas a realidade vivida hoje pelos venezuelanos e a história recente do comandante político do país recomenda adiar eventuais comemorações pelo menos por parte do brasileiros. O governo Chávez simplesmente desmontou a capacidade produtiva da indústria e da agropecuária da Venezuela, dentro de seu projeto político de minar as forças que lhe pudessem fazer oposição. Disso resultou uma economia fragilizada e altamente dependente de importações, sendo um dos poucos países de clima tropical e boa extensão territorial obrigados a comprar comida no exterior.

A situação da Venezuela tem relação direta com as cotações internacionais do petróleo, voláteis como as de todas as commodities. Não foi à toa que Chávez deixou de cumprir o cronograma de investimentos numa refinaria em Pernambuco, lançada com pompas e bravatas, mas abandonada ao esforço isolado da Petrobras, sócia heroica no negócio. Apesar disso, não falta no Planalto quem acredite que o coronel, que governa com poderes inflados por reformas que ele mesmo patrocinou, vai acabar se submetendo às regras políticas e alfandegárias do bloco.

O que se espera é que seus excessos não fechem a porta do Brasil ou do Mercosul a acordos com parceiros que realmente pesam, como os Estados Unidos e a Europa, que, mais dia menos dia, sairão da crise. Do contrário, restará a paciência de esperar a confirmação de que Chávez passará, a Venezuela, não.

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