A crise sem fim na Venezuela: OEA, referendo, Unasul e agressão contra jornalistas

A Organização dos Estados Americanos (OEA) adotou, nesta quarta-feira, uma declaração em apoio ao diálogo entre o governo e a oposição na Venezuela, um dia depois de o secretário-geral da entidade invocar a Carta Democrática Interamericana.

Depois de uma maratônica sessão extraordinária do Conselho Permanente em Washington, os 34 países-membros da OEA chegaram a um texto que pede o "diálogo aberto" e outras iniciativas que conduzam "de maneira oportuna, imediata e efetiva à solução das diferenças e à consolidação da democracia representativa" no país sul-americano.

Os países-membros também apoiaram a iniciativa de mediação liderada pelos ex-mandatários de Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero; República Dominicana, Leonel Fernández; e Panamá, Martín Torrijos, visando "encontrar alternativas para favorecer a estabilidade política, o desenvolvimento social e a recuperação econômica" da Venezuela.

Na reunião, iniciada com mais de duas horas de atraso, os países debateram um projeto de declaração apresentado pela Argentina, e outro, pela Venezuela.

Finalmente, houve consenso em torno da proposta argentina, após algumas modificações a pedido da delegação da Venezuela, que conseguiu incluir uma menção sobre o "pleno respeito à soberania" da Venezuela.

O presidente do Conselho Permanente, o embaixador argentino Juan José Arcuri, declarou o "consenso" dos países, mas o Paraguai não concordou ou rejeitou o texto.

O Paraguai pediu ao Uruguai que convoque uma reunião de chanceleres do Mercosul para analisar a situação da Venezuela.

A reunião da OEA foi convocada na véspera pela Argentina com o objetivo de "identificar, de comum acordo, algum curso de ação que auxilie a busca de soluções" na Venezuela, "mediante um diálogo aberto e inclusivo entre as autoridades e todos os atores políticos e sociais desta nação para preservar a paz e a segurança no país".

Semelhanças e diferenças

Mais cedo em Buenos Aires, a chanceler argentina, Susana Malcorra, afirmou que seu país prioriza o diálogo entre os venezuelanos mais do que qualquer outro mecanismo.

"Não há como resolver o problema de um país, importando a solução de fora", declarou a ministra em entrevista coletiva.

Os projetos de Argentina e Venezuela convergiam em alguns pontos – especialmente em seu apoio conjunto à iniciativa de mediação liderada por Zapatero, Leonel Fernández e Martín Torrijos para um diálogo entre governo e oposição.

Mas enquanto Caracas atribuia a si a iniciativa dos ex-presidentes "para garantir a paz e a soberania da Venezuela", o texto argentino pedia que o diálogo apontasse "alternativas para favorecer a estabilidade política, o desenvolvimento social e a recuperação econômica" no país.

Além disso, o texto venezuelano – apoiado por Nicarágua e Bolívia – ressaltava seu interesse em solicitar aos países o "pleno apoio à institucionalidade democrática e constitucional" do governo do presidente Nicolás Maduro e em rejeitar "qualquer tentativa de alteração da ordem constitucional venezuelana".

"O ponto central da nossa proposta é que, se quiser apoiar a Venezuela, a primeira coisa que se deve fazer é apoiar seu governo legítimo, legal e constitucional", explicou o embaixador venezuelano, Bernardo Álvarez.

"Não importa quem vier propiciar o diálogo, o importante é que aconteça", disse o representante de Guatemala, Luis Raúl Estévez.

Lógicas distintas

A reunião extraordinária do Conselho Permanente acontece um dia depois de o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, pedir uma "sessão urgente" deste órgão político da entidade regional para discutir a crise "institucional" da Venezuela, invocando a Carta Democrática Interamericana.

Em uma carta de 132 páginas ao Conselho, Almagro disse que a Venezuela sofre de uma "alteração da ordem constitucional" que afeta gravemente "a ordem democrática" nesto país.

Já a chanceler argentina afirmou que a Carta Democrática "não serve, necessariamente, para resolver a situação dos venezuelanos", embora "cubra um aspecto e será avaliada".

Almagro propôs fazer esta reunião entre 10 e 20 de junho, isto é, imediatamente antes ou depois da 46ª Assembleia Geral da OEA que a entidade realizará de 13 a 15 deste mês na República Dominicana.

O chefe do organismo continental não participou nesta quarta-feira da discussão das propostas de declaração de Argentina e Venezuela, porque "não tem a lógica na qual ele está posicionado", disse seu porta-voz Sergio Jellinek.

Em contrapartida, Almagro recebeu na sede da OEA, em Washington, o dirigente da oposição venezuelano Carlos Vecchio. A ausência do secretário-geral evidencia uma clara diferença de abordagem em relação à situação venezuelana entre Almagro e os países da OEA.

"Nós, os Estados, somos os donos dessa organização", rebateu o presidente do Conselho Permanente, o embaixador argentino Juan José Arcuri.

Nesta quarta, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com sede em Washington, denunciou a declaração de estado de exceção e de emergência econômica decretada em meados de maio pelo presidente Maduro. A CIDH alega que, com isso, o Executivo ganha "poderes discrecionários".

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Conselho Eleitoral cancela reunião sobre referendo contra Maduro

A oposição venezuelana anunciou que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) cancelou a reunião prevista para esta quinta-feira sobre o andamento do processo para o referendo revogatório do mandato do presidente Nicolás Maduro.

Qualificando a decisão de "insólita", o porta-voz da Mesa da Unidade Democrática (MUD), Jesús Torrealba, comunicou a suspensão do encontro e convocou uma reunião urgente da coalizão opositora para decidir os próximos passos.

"O CNE não é capaz de cumprir com sua palavra. Foram incapazes de nos encarar porque conseguimos as assinaturas", disse Torrea, que pediu ao povo que "tenha calma, serenidade, que esteja à altura desta situação extremamente complexa".

Diante da sede do CNE, Torrealba convocou os "dois milhões e meio (de venezuelanos) que firmaram (o pedido de referendo contra Maduro) que ocupem as ruas, em toda a Venezuela, para reafirmar sua decisão pela mudança.

Manifestações nas principais cidades do país foram convocadas pela MUD para a próxima segunda-feira, para exigir a ativação do referendo revogatório.

A MUD esperava obter o aval das autoridades eleitorais para avançar no longo caminho para um referendo revogatório contra o mandato de Maduro, a quem culpam pela severa crise no país.

Os representantes da MUD pretendiam obter esclarecimentos do CNE sobre o relatório da revisão de 1,8 milhão de assinaturas – nove vezes acima do exigido – entregues no mês passado para ativar o referendo.

O vice-presidente do Parlamento de maioria opositora, Enrique Márquez, advertiu que se o referendo não acontecer este ano, a pressão social aumentará a "limites imprevistos".

"É a única válvula de escape que o povo venezuelano tem ante o sofrimento que atravessa", afirmou.

A polícia de choque utilizou bombas de gás lacrimogêneo para dispersar um protesto de dezenas de pessoas contra Maduro, realizado próximo à sede da presidência, no centro histórico de Caracas.

Gritando "vai cair, vai cair, este governo vai cair" e "temos fome", moradores de bairros próximos bloquearam uma avenida estratégica e ruas próximas, virando latas de lixo.

"Estou protestando porque já estamos cansados de não conseguir produtos, das filas", disse à AFP Francis Marcano, estudante de 21 anos, com uma pedra na mão.

Afetada pela queda expressiva dos preços do petróleo, a Venezuela sofre uma profunda crise política, institucional, social e econômica, com grave escassez de alimentos e medicamentos, assim como a maior inflação do mundo (180,9% em 2015 e estimativa do FMI de 700% para 2016).

Longas filas, vigiadas por policiais militares, são formadas nos supermercados para a compra de alimentos subsidiados.

Abriram os cemitérios

A oposição acusa o CNE de fazer tudo para evitar que o referendo aconteça este ano, enquanto o governo afirma que a oposição, "desesperada", cometeu fraude, que incluiria as assinaturas de 10.000 falecidos.

"Abriram os cemitérios", ironizou Maduro.

"Entregamos 1029% a mais de assinaturas do que as solicitadas. Não há desculpas, até no pior cenário temos seis vezes mais do que o que o CNE exigia", afirmou o opositor Carlos Ocariz, prefeito do município de Sucre, no estado de Miranda.

Se a validação das primeiras assinaturas tiver sucesso, para obter a convocação do referendo a oposição precisará reunir outras quatro milhões de assinaturas (20% do padrão eleitoral), que também devem ser validades com a impressão digital.

A oposição tem pressa. Se o referendo acontecer antes de 2017 – quando o mandato completa quatro anos – e Maduro perder, novas eleições devem ser convocadas. Mas se for organizado no próximo ano, em caso de derrota o chefe de Estado seria substituído pelo vice-presidente.

De acordo com o instituto Datanálisis, sete em cada 10 venezuelanos apoiam a mudança de governo. Para revogar o mandato de Maduro seriam necessários mais do que os 7,5 milhões de votos que deram a vitória ao chavista em abril de 2013.

Diálogo e OEA

Em meio à pressão pelo referendo, a Organização dos Estados Americanos (OEA) adotou na quarta-feira uma declaração em apoio ao diálogo entre o governo e a oposição, um dia depois de o secretário-geral da entidade invocar a Carta Democrática Interamericana.

Na reunião, os 34 países-membros da OEA países debateram um projeto de declaração apresentado pela Argentina, e outro pela Venezuela.

Finalmente, houve consenso em torno da proposta argentina, após algumas modificações a pedido da delegação da Venezuela, que conseguiu incluir uma menção sobre o "pleno respeito à soberania" da Venezuela.

O governo venezuelano recebeu como uma vitória esta declaração.

"A Venezuela obteve uma vitória na OEA ao convocar o Conselho Permanente para declarar apoio ao diálogo, à Constituição e à Paz", escreveu no Twitter a chanceler Delcy Rodríguez.

"Esta vitória é um reconhecimento do governo constitucional do presidente Nicolás Maduro e do sistema democrático de promoção dos direitos humanos", destacou a chefe da diplomacia venezuelana.

Nesta quinta-feira, a MUD também aplaudiu a declaração da OEA de apoio ao diálogo, por considerar que apoia saídas constitucionais à crise do país, como o referendo revogatório do mandato de Maduro.

Em um comunicado, a MUD declarou que a resolução aprovada exige que o governo venezuelano respeite os direitos humanos e "apoia o uso de procedimentos constitucionais para resolver a crise, procedimentos entre os quais destaca o referendo revogatório".

Apesar do anúncio de vitória por parte do governo, a oposição destacou que o governo de Maduro "apresentou um projeto de resolução que foi rejeitado pela maioria dos países".

"A possibilidade de ativar e aplicar a Carta Democrática segue de pé", ressaltou a MUD, ao se referir a este mecanismo da OEA para casos de ruptura da ordem constitucional.

O presidente francês, François Hollande, e sua colega chilena, Michelle Bachelet, em visita a Paris, defenderam a negociação. "Não pouparemos esforços para uma solução de diálogo na Venezuela", disse Hollande.

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Mujica confia mais na Unasul do que na OEA para resolver crise na Venezuela

O ex-presidente uruguaio José Mujica disse nesta quinta-feira, na Bolívia, que confia mais na Unasul do que na OEA para resolver a crise política na Venezuela, devido à pressão "insuportável" dos EUA sobre o bloco interamericano.

"Confio muito mais na Unasul do que na OEA, porque a pressão dos Estados Unidos dentro da OEA é insuportável", afirmou o ex-presidente e senador uruguaio em Chimoré, no centro da Bolívia, onde conversou com camponeses ao lado do presidente boliviano, Evo Morales.

Mujica insistiu em que "confia muito mais na Unasul", que esteve apoiando a gestão mediadora entre o governo e a oposição venezuelana liderada pelos ex-mandatários José Luis Rodríguez Zapatero (Espanha), Leonel Fernández (República Dominicana) e Martín Torrijos (Panamá).

A OEA foi alvo de críticas de Venezuela, Equador e Bolívia por invocar para o caso venezuelano a Carta Democrática, um mecanismo para casos de ruptura da ordem constitucional, apesar de flexibilizar sua posição posteriormente.

Mujica também analisou os movimentos políticos e ideológicos pendulares em alguns países da América Latina e os considerou naturais. "Nem a direita triunfa definitivamente e nem a esquerda, a história é um movimento pendular, existem épocas conservadoras, quando se multiplica a riqueza, e é preciso distribui-la".

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Sindicato denuncia agressão contra jornalistas na Venezuela

O Sindicato Nacional de Profissionais da Imprensa (SNTP) denunciou, nesta quinta-feira, que pelo menos 17 jornalistas foram agredidos pela militarizada Guarda Nacional e por grupos de civis armados durante a cobertura de protestos pela escassez de alimentos em Caracas.

O SNTP "exige uma investigação imediata dos fatos violentos" durante os protestos a poucas quadras do Palácio presidencial de Miraflores contra jornalistas, nos quais "a Guarda Nacional e grupos de civis armados roubaram, ameaçaram e agrediram os repórteres".

Em um boletim, o Ministério Público informou que designou um procurador para investigar os fatos, registrados em vídeos e imagens divulgados pelas redes sociais.

"Na maioria dos casos, os equipamentos foram roubados sob ameaça de morte, com a intenção de eliminar qualquer evidência que permitisse identificar quem estava no lugar gerando violência", acrescentou a nota.

Os jornalistas cobriam um protesto de dezenas de pessoas contra o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e contra a escassez de alimentos, que passa de 80% na capital venezuelana.

Moradores de bairros próximos bloquearam uma estratégica avenida e ruas no entorno, revirando latas de lixo, e tentaram chegar ao Palácio. A multidão foi repelida pelos agentes de segurança e por simpatizantes do governo.

O secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas, Marco Ruiz, "pediu ao Ministério Público um procedimento oportuno para que os agressores sejam identificados e castigados pelas múltiplas agressões que foram cometidas".

De acordo com o SNTP, nos cinco primeiros meses de 2016, foram contabilizadas "pelo menos 60 agressões contra trabalhadores dos veículos de comunicação".

No ranking mundial de liberdade de imprensa para 2015, da ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF), a Venezuela aparece na 137ª posição, do total de 180, dois postos abaixo do ano anterior.

 

 

 

 

 

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