Qualquer discussão sobre minerais críticos sem a Marinha é um tiro n’água

Navio Hidroceanográfico Cruzeiro do Sul (H38) Foto Marinha do Brasil

Relatório Reservado
05 Maio 2025

Qualquer discussão sobre minerais críticos sem a Marinha é um tiro n’água. Os debates têm passado ao largo da Marinha. Nenhuma outra instituição brasileira detém maior conhecimento sobre um manancial de recursos não explorados capaz de alçar o país a um novo patamar na geoeconomia global.

Trata-se de uma faixa de 5,7 milhões de Km2 que abriga, em maior ou menor medida, níquel, platina, cobalto, selênio, molibdênio, telúrio, césio, lítio e terras raras, entre outros minerais cobiçados pelo mundo devido ao seu papel na transição energética e na indústria de alta tecnologia. De quebra, esse novo Brasil no litoral do Brasil reúne ainda fosfato, ilmenita, sais minerais, minerais pesados, fosforitas, cobaltíferas e por aí vai. A Marinha tem, literalmente, o caminho das pedras.

Sabe exatamente onde está o que. Cabe a ela a coordenação da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), que reúne 15 ministérios. A CIRM é responsável pela elaboração e gestão do Plano Setorial para os Recursos do Mar (PSRM), que está em sua 11ª edição. O PSRM, por sua vez, é embasado em estudos capitaneados pela Marinha. Esse trabalho científico envolve uma rede de mais de 100 cientistas de alto nível, coordenada pelos pesquisadores Fabiano Thompson, oceanólogo, e Cristiane Thompson, geneticista.

Ainda assim, a Marinha e os órgãos da academia que participam dessa cruzada científica têm sido mantidos à margem da elaboração de políticas para o setor. A segregação vem das mais diferentes instâncias, seja do Executivo, seja do Legislativo. É o caso do Congresso Nacional. Está em tramitação na Câmara um projeto de lei (2780/24) que propõe a implantação de uma Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE) e a criação de um Comitê de Minerais Críticos e Estratégicos (CMCE), vinculado ao Conselho Nacional de Política Mineral.

A intenção é boa, no entanto não se tem notícia de que os parlamentares mantenham interlocução com a Marinha acerca do PL. Ou sequer pensem que o mar é uma jazida bem maior do que as dos metais que estão em terra.  Talvez não seja articulação de algum grupo de interesse. Ou, vai ver, é apenas ignorância mesmo. Mas é incrível que os exemplos provindos de tantos países sejam desconhecidos.

O Ministério de Minas e Energia é outro que tem conduzido a questão de costas para a Marinha e consequentemente para esse eldorado mineral na costa brasileira. Inexplicavelmente, o PlanGeo 2025-34, do Serviço Geológico Brasileiro (SGB), contempla somente áreas onshore e ignora os descomunais depósitos marítimos de minérios estratégicos comprovadamente existentes. Em entrevista ao Valor Econômico, publicada na última terça-feira, o próprio ministro Alexandre Silveira referendou o quanto o PlanGeo é míope.

Sua versão mais recente enxerga apenas 49% do território nacional, área coberta pelo mapeamento geológico do SGB. Em outras palavras, é um museu de grandes novidades, cujo “acervo” já está em exposição há décadas: não é de hoje que se sabe que o Brasil detém 94% das reservas mundiais de nióbio e 23% das jazidas de terras raras. Isso já está dado.

Como se não bastasse, a Marinha precisa se contorcer dentro de sua camisa de força orçamentária.

Mais do que o Exército e a Aeronáutica, a Força dispõe de um volume de recursos irrisório, e a maior parte é sugada pelos compromissos de custeio. Não sobra dinheiro para projetos que permitam à Força ascender na esfera nacional e contribuir além do seu papel convencional. Há muito o que fazer pelo Brasil, como é o caso do aproveitamento das riquezas minerais na costa brasileira. Entre a própria comunidade científica desfilam documentos científicos robustos e propostas, inclusive, para que Marinha possa sair da sua penúria e colaborar em projetos bipartites ou tripartites.

Os mais entusiastas aventam ideias de alguma legislação criativa, na qual o mar territorial fosse considerado um ativo da União e a Emgepron (Empresa Gerencial de Projetos Navais), ligada à Marinha, pudesse participar de forma minoritária nos projetos. A presença da Força funcionaria até como garantia para os investimentos em um país marcado pela imprevisibilidade.

Mas, por ora, está mais para um pensar desejante do que um projeto com alguma perspectiva de realidade. O Fator Trump aumenta a pressão para que o Brasil acelere investimentos na produção de minerais estratégicos. As riquezas existentes na costa brasileira serão irremediavelmente “assediadas” na sua soberania. No passado recente, os Estados Unidos chegaram a cobrar do Brasil um compromisso de que o país não estabeleceria restrições às exportações de minérios críticos. Não tiveram êxito. Com Trump na Casa Branca, o cerco pode voltar a se fechar, com força redobrada. Não é nada improvável. Basta ver o apetite com que o presidente norte-americano busca avançar sobre a Groenlândia e tenta assumir o controle sobre metade dos minerais estratégicos da Ucrânia.

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