Marcelo Moura
com Raphael Gomide
"Se chover tanto em 2015 quanto em 2014, como ficará o volume do Sistema Cantareira, que abastece metade da região metropolitana de São Paulo? "A pergunta, feita a um representante da Sabesp num debate sobre a crise hídrica, em dezembro, é objetiva. A resposta foi pouco conclusiva. "Olha, reduzimos muito o consumo no Cantareira. Tirávamos 33 metros cúbicos por segundo, no início de 2014. Agora tiramos 18", disse Antônio César da Costa e Silva, assessor da diretoria da Sabesp. "Gerenciaremos mês a mês. Aguardamos as chuvas."
Em alguns países, como a Inglaterra, as chuvas se distribuem uniformemente ao longo do ano. Londres nem sequer precisa de reservatórios. O Brasil tem períodos secos e chuvosos mais definidos. Historicamente, o nível dos reservatórios sobe entre novembro e abril – em especial, de janeiro a março. No resto do ano, de maio a outubro, o país consome mais água do que acumula. O nível dos reservatórios baixa. Desde 2010, o volume máximo alcançado por ano, no Sistema Cantareira, é cada vez menor. Em 2014, as regiões Sudeste e Nordeste enfrentaram o menor volume de chuvas em oito décadas. Passaram o ano gastando mais água do que foram capazes de captar nos reservatórios. No Sistema Cantareira, a Sabesp usa o segundo volume morto – água que precisa ser captada por bombeamento, com maiores gastos com energia elétrica e tratamento. "É como se você começasse o ano já no cheque especial, cheio de dívidas", diz Paulo Canedo, professor do Laboratório de Hidrologia da Coppe-UFRJ.
Se chover tão pouco em 2015 quanto choveu em 2014, São Paulo tem grandes chances de ficar sem água nas torneiras a partir do segundo semestre. A maior metrópole do país poderia enfrentar uma crise como a que ocorreu entre 1951 e 1956. Naquela época, houve rodízio no abastecimento aos bairros, importação de água de cidades vizinhas e empresas fechadas. Atualmente, a Sabesp descarta a necessidade de rodízio. Nas capitais do Nordeste, abastecidas pelo Rio São Francisco, o risco de desabastecimento é menor.
Se depender das chuvas revigorantes de verão, o perigo existe. Em novembro, choveu 20% abaixo da média histórica. Até o Natal, o Papai Noel também não trouxera chuvas para fechar dezembro dentro da média. As chuvas natalinas não bastaram para aliviar a tensão. Segundo Bianca Lobo, chefe de meteorologia do Climatempo, a perspectiva é de chuvas abaixo da média até o fim da estação. Em janeiro de 2015, deverá chover bastante em São Paulo. Em fevereiro, a umidade ficará concentrada no norte de Minas Gerais e não chegará ao sul do Estado e a São Paulo, para repor os reservatórios. Se isso acontecer mesmo, a crise se agravará.
A redução da pressão na tubulação durante a noite- que diminui as perdas por vazamento, mas provoca desabastecimento em parte das casas- deverá continuar, assim como os descontos na conta para quem reduzir o consumo. A multa para quem gasta mais do que a média deverá aumentar. Talvez essas medidas não bastem.
A pior notícia é que passamos por um período especialmente imprevisível. A seca excepcional de 2014 não era esperada. Desde o ano 2000, o planeta enfrenta um fenômeno climático cíclico, a Oscilação Decadal do Pacífico (ODP). Ele muda a troca de calor entre o Oceano Pacífico e a atmosfera. A fase atual da ODP leva à diminuição das chuvas no Sudeste do Brasil. Cada ODP dura de 25 a 30 anos. No meio do ciclo, entre 2013 e 2015, ocorrem quatro anos de chuva imprevisível. Aparentemente, estamos no meio desse período. Em 2016, tudo deverá se resolver. A dúvida é como chegaremos até lá.