Relatório Otálvora: Rússia coordena ações com Cuba e Maduro

EDGAR C. OTÁLVORA

@ecotalvora

O governo russo intervém novamente na crise venezuelana denunciando supostas e inacreditáveis ações estrangeiras. Durante sua coletiva de imprensa semanal de 15AGO2019, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, disse que a Grã-Bretanha e a Guiana planejariam atuar na Venezuela. Zakharova fez as suas declarações longe de Moscou, na cidade de Orenburg, e sua apresentação sobre "A situação na Venezuela" foi um texto lido antes da seção de perguntas.

Segundo Zakharova, “os britânicos (…) estão completando a construção de uma base militar em uma das ilhas na foz do rio Esequibo (área contestada entre Venezuela e Guiana) com o pretexto, supostamente para impedir o contrabando de armas e drogas. Várias dezenas dos chamados "refugiados" da Venezuela já chegaram para receber treinamento como parte de grupos de reconhecimento e sabotagem e depois são enviados para o território venezuelano com o objetivo de desestabilizar a situação e realizar as ações apropriadas, de extremistas a terroristas."

 

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Desde que o confronto entre Nicolás Maduro e Juan Guaidó surgiu na Venezuela, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia, como seus colegas cubanos, divulgou repetidamente versões de supostas operações contra o regime chavista, nenhuma das quais, ao longo do tempo, se mostrou real.

Em 16AGO2019, o Ministério das Relações Exteriores da Guiana reagiu mostrando a descrença que a declaração russa gerou em Georgetown. “O governo da Guiana pede ao governo da Federação Russa que retire imediatamente esta declaração sem fundamento, o que é completamente falsa. É especialmente lamentável porque as relações entre a Guiana e a Rússia sempre foram baseadas no respeito mútuo, confiança e amizade”.

Uma das notórias peças de propaganda lançadas desde Moscou sobre a Venezuela ocorreu em 22FEV2019, poucas horas depois da tentativa da entrada da ajuda humanitária planejada por Guaidó com o apoio da Colômbia, Brasil, Chile e EUA. Naquele dia, Zakharova disse, por exemplo, que seu governo tinha "evidências de que as empresas dos EUA e seus aliados da OTAN estão trabalhando para adquirir um grande lote de armas e munições em um país da Europa Oriental para depois serem transferidas para Forças de oposição venezuelanas".

Zakharova também disse que a operação de entrega de ajuda humanitária era na verdade "um pretexto para a ação militar". Naqueles dias, o Ministério das Relações Exteriores cubano também denunciava “voos de aviões de transporte militar para o Aeroporto Rafael Miranda de Porto Rico, a Base Aérea de San Isidro, na República Dominicana, e em outras ilhas caribenhas estrategicamente localizadas” para uma “aventura militar disfarçada” que não aconteceu. Curiosamente, em sua exposição de 15AGO2019, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia acusou os EUA de serem os que "acrescentam combustível ao fogo" no caso venezuelano.

 

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As declarações de Zakharova, de 15AGO2019 coincidiram com a presença em Moscou do general Vladimir Padrino, ministro da Defesa do governo Maduro. Padrino viajou convidado pelo seu homólogo russo, Serguei Shoigu, para o encerramento dos Jogos Internacionais ARMY2019, promovidos pela Rússia e pela China, em que as equipes venezuelanas competiram novamente. Segundo a agência russa Interfax Padrino e Shoigu, assinaram um acordo sobre visitas mútuas de embarcações militares.

O texto do acordo não foi divulgado, mas o governo russo já havia publicado no 09NOV17, em seu jornal oficial um projeto de acordo a ser assinado com o governo Maduro sobre “a simplificação do procedimento para visitas a navios de guerra”.

Ministro da Defesa da Venezuela Vladimir Padrino e oficiais russos liderados pela sua contraparte Ministro Shoigu Fot Mil Ru

Militares venezuelanos viajaram para a Rússia, China, Irã, Belarus e Cazaquistão para participar de competições em que sã testadas as habilidades militares, tais como: pilotar carros de combate, artilharia antiaérea, ações aerotransportadas, operações especiais. A Venezuela é o único país latino-americano que participa dessas competições militares.

 

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A Conferência Internacional sobre a Democracia na Venezuela, organizada pelo governo peruano, mostrou que a crise venezuelana é um problema de impacto global. As 60 delegações presente, em Lima, no dia 06AGO2019, foram: as da Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Azerbaijão, Brasil, Bélgica, Canadá, Chile, Colômbia, Coréia, Costa Rica, Croácia, Dinamarca, Equador, El Salvador, Emirados Árabes Unidos, Eslováquia. Eslovénia, Espanha, EUA, Finlândia, França, Geórgia, Grécia, Guatemala, Haiti, Honduras, Hungria, Índia, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Letónia, Lituânia, Malásia, Marrocos, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Panamá, Paraguai, Peru como anfitrião, Polónia, Portugal, Reino Unido, R. Checa, República Dominicana, Roménia, São Cristóvão e Névis, Santa Sé, Sérvia, África do Sul e Suécia.

Além do ministro das Relações Exteriores do Peru, Nestor Popolizio, oito outros ministros lideraram suas respectivas delegações: Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, EUA, Finlândia e Paraguai. Três delegações foram comandadas por vice-chanceleres. Os EUA enviaram três altos funcionários liderando sua representação: o secretário de Comércio Wilbur Ross, o chefe do Conselho de Segurança John Bolton e o enviado especial para a Venezuela do Departamento de Estado Elliott Abrams.

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O governo russo emitiu em 30JUL19 uma declaração anunciando que se absteria de participar da Conferência sobre a Venezuela e mostrando que havia coordenação entre vários aliados de Maduro. “Analisamos cuidadosamente os objetivos e tarefas levantadas pelos organizadores antes da conferência em Lima, discutimos com nossos parceiros na América Latina e os representantes de vários outros países. O lado russo tem sérias dúvidas. Acima de tudo, não estamos convencidos de que uma abordagem que pretenda abordar "problemas democráticos" na Venezuela sem os venezuelanos representados pelo governo de Nicolás Maduro e outras forças políticas esteja correta."

No dia 08AGO2019, depois que o governo Maduro anunciou sua decisão de não participar de uma nova rodada das negociações de Guaidó-Maduro, em Barbados no dia anterior, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia divulgou um comunicado defendendo seus parceiros e culpando os EUA pela situação: independente de quem seja o responsável desta decisão, a causa fundamental da frustração do processo de negociação é evidente e está na política desenfreada praticada por Washington em relação à Venezuela.

”Em suas declarações de 15AGO18, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia atuou como porta-voz do governo Maduro, declarando que "a retomada das negociações entre oponentes políticos é impossível sem o entendimento e a moderação dos membros responsáveis da comunidade internacional". Setores da imprensa e círculos opositores favoráveis à negociação acreditam que Maduro está blefando, e os apoiadores internacionais inclusive Moscou  o obrigarão a retornar à mesa de negociações.

De qualquer forma, a ausência da Rússia na Conferência de Lima comprovou a ação coordenada da diplomacia russa com Cuba e Maduro diante da crise venezuelana.

 

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Do total de governos que receberam um convite para a Conferência de Lima, quarenta e seis não enviaram uma delegação: Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Cuba, Dominica, Granada, Guiana, Jamaica, México, Nicarágua, São Vicente e Granadinas, Suriname, Santa Lúcia, Trindade e Tobago, Uruguai, Albânia, Andorra, Bulgária, Chipre, Estônia, Luxemburgo, Macedônia Norte, Malta, Montenegro, Rússia, Turquia, Arábia Saudita, Catar, China, Filipinas, Indonésia, Islândia, Jordânia, Kuwait, Cingapura, Tailândia, Vietnã, Argélia, Costa do Marfim, Egito, Etiópia, Gana, Guiné Equatorial e Tunísia. Os governos do México e do Uruguai que confirmaram sua assistência escolheram "último minuto" para não comparecer.

 

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Horas antes da realização da Conferência, realizou-se uma reunião qualificada “em apoio ao Presidente Juan Guaidó”, na qual participaram 44 delegações presentes em Lima. Representantes da Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Coréia, Costa Rica, Croácia, Dinamarca, Equador, El Salvador, Eslovênia, Espanha, EUA, Finlândia, França, Geórgia participaram da reunião. Grécia, Guatemala, Haiti, Honduras, Hungria, Irlanda, Israel, Japão, Letónia, Marrocos, Holanda, Panamá, Paraguai, Peru, Polónia, Portugal, Reino Unido, R. Checa, República Dominicana, Roménia, Suécia, Suíça, Ucrânia e Julio Borges em nome de Juan Guaidó.

 

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Dado o grande número de países participantes e sua heterogeneidade de posições, o pouco tempo do evento e a disparidade de postos entre os participantes (de ministros do exterior a cônsules honorários), a Conferência de Lima sobre Democracia na Venezuela não aspirou a emitir uma declaração conjunta. . No final do evento, o ministro das Relações Exteriores do Peru, Néstor Popolizio, apresentou uma síntese do que considerou serem as posições comuns dos sessenta participantes: “Os países que participaram desse diálogo concordaram que a realização de eleições na Venezuela é o ponto de partida para a solução da crise que está ocorrendo.

 

Para isso é fundamental o papel da comunidade internacional para apoyar que o processo eleitora seja livre, justo e transparente. Temos compartilhado, e é nossa convicção de que o respeito aos direitos humanos e as liberdades fundamentais de todos os venezuelanos deve ser garantido (…) coincidimos, também em ressaltar a urgente necessidade de atender de maneira efetiva a situação humanitária na Venezuela, assim como êxodo que a mesma tem gerado par às mais de 4 milhões de pessoas, e que não tem precedentes na região”.

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