O Paradoxo Nuclear

Leonam dos Santos Guimarães
Doutor em engenharia, assistente da presidência da Eletronuclear e membro do Grupo Permanente de Assessoria da Agência Internacional de Energia Atômica
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Na Cúpula da OTAN, que teve lugar de 20 a 21 de maio em Chicago, a aliança reafirmou a importância das armas nucleares para a estratégia de defesa do bloco ocidental e garantiu aos membros europeus que o escudo de defesa antimíssil, atualmente em desenvolvimento, não presidente tomar o lugar dessas armas.

Os EUA mantiveram, sob o “guarda-chuva” da OTAN, até 7.000 armas nucleares no território de países da Europa durante a Guerra Fria. Embora a Guerra Fria tenha terminado há 20 anos, os EUA continuam a manter cerca de 200 armas nucleares táticas em cinco países europeus: Bélgica, Alemanha, Itália, Holanda e Turquia. Além disso, dois membros da OTAN, a França e o Reino Unido, possuem armas nucleares próprias.

Os Estados Unidos planejam gastar pelo menos US$ 6 bilhões para modernizar as bombas nucleares B-61 que estão em solo europeu. Essas bombas, lançadas por aviões bombardeiros, não teriam nenhum emprego concebível pois seu desenvolvimento, décadas atrás, era justificado pelas preocupações ocidentais sobre a superioridade militar convencional soviética na Europa. Parece que essas preocupações permanecem apesar do fim da Guerra Fria, ou os alvos atuais seriam outros.

Dos cinco países europeus que abrigam armas nucleares americanas, dois (Alemanha e Itália) proscreveram um uso pacífico da energia nuclear, a geração elétrica, e um terceiro (Bélgica) tem declarado que segura esse mesmo caminho. É paradoxal o fato de que nesses países não se percebe nenhum movimeto político ou da sociedade civil significado no sentido de proscrever essas armas de seu território, apesar de todos serem membros do tratado de não proliferação nuclear.

Com a proximidade de conferência Rio+20 da ONU, diversas personalidades políticas e do movimento ambientalista vêm se posicionando de forma radicalmente contrária ao uso pacífico da energia nuclear, que é a geração elétrica. O “ensurdecedor” silêncio quanto às armas nucleares é surpreendente. Mais ainda quando se leem as recentes notícias sobre os desdobramentos possíveis da crise nuclear no Irã, da nova constituição da Coreia do Norte, promulgada em 13 abril passado, que assume ser o país nuclearmente armado, o recente recrudescimento das tensões políticas em torno da soberania das Ilhas Malvinas, que trouxe ao Atlântico Sul submarinos britânicos potencialmente dotados de armas nucleares, e que a Alemanha participa do esforço bélico de Israel, supostamente voltado contra o Irã, fornecendo-lhe submarinos capazes de lançar mísseis nucleares.

Mudanças climáticas e proliferação de armas nucleares são os dois fatores que representam a maior ameaça à paz e à segurança internacional, senão à própria sobrevivência da civilização. Mas enquanto a ameaça das mudanças climáticas se coloca no longo prazo, as armas nucleares são uma ameaça que pode se concretizar a qualquer momento pelo uso proposital por Estados que as possuem, por terroristas que as desviem ou pela ocorrência de acidentes.

A maneira eficaz de afastar a ameaça imediata das armas seria a eliminação total e irreversível de todos os arsenais nucleares e a proscrição de produção, uso e armazenagem de urânio altamente enriquecido e de plutônio em “grau de arma”, materiais que não existem em território brasileiro. A mitigação de ameaça das mudanças climáticas inclui necessariamente o desenvolvimento em ampla escala da geração elétrica nuclear.

Assim como do aço, do nuclear podem ser feitos lanças e arados. A sustentabilidade pede a proscrição das lanças e a proliferação dos arados. Mas não se ouvirá isso na Rio+20, infelizmente.

Leonam dos Santos Guimarães é doutor em engenharia, assistente da presidência da Eletronuclear e membro do Grupo Permanente de Assessoria da Agência Internacional de Energia Atômica.

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