C&T – A caminho do caos


 

Pedro Paulo Rezende
Especial para o DefesaNet


Brasília — A absorção do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação pela pasta das Comunicações, determinada pelo presidente Michel Temer, é um retrocesso e deveria ser revista. Ela caminha na contramão das ações das principais economias globais e dos países que pretendem se tornar major players no futuro. Nos Estados Unidos, sete em cada dez alunos que se candidatam a cursos de mestrado e doutorado são chineses e indianos. O esforço não se limita a matricular no exterior os alunos mais promissores vindos da graduação. Há uma grande ênfase no desenvolvimento de grandes complexos de pesquisa aplicada.

O modelo segue uma proposta desenvolvida, na década de 1970, em Taiwan com o Parque de Ciências de Kaohsiung. É a soma de esforços do governo, que providencia a infraestrutura, com a universidade e as indústrias. As empresas solicitam desenvolvimentos para as instituições educacionais que entregam os produtos prontos para fabricação seriada. Na ilha, há cinco deles trabalhando nas áreas de desenvolvimento agrícola, de química, de eletrônica e de biotecnologia. Só em Kaohsiung, 200 mil pessoas vivem da simbiose entre a academia e a indústria.

A República Popular da China, no momento, executa um programa iniciado em 2009 para a criação de 21 parques similares. Em um deles, há espaço para 600 mil pesquisadores, alunos e empregados das empresas. As áreas de pesquisa consideradas prioritárias nestes centros vão de nanotecnologia à manipulação genética e de células-tronco, passando pela eletrônica e robótica.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) teve excelente resultados. Um estudo do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos revelou que, entre 1996 e 2014, o número de doutores no Brasil aumentou 486%. No caso da titulação de mestre, o crescimento foi de 379%. O relatório revela ainda que o número de programas de mestrado e doutorado cresceu 205% e 210%, respectivamente, no mesmo período. Apesar disto, o estudo demonstra que há uma grande distância em relação aos países desenvolvidos.

Segundo a pesquisa, em 2013 o Brasil ainda registrava média de 7,6 doutores para cada 100 mil habitantes. Nesse quesito, apenas México e Chile, entre os 28 países membros ou parceiros OCDE avaliados, possuíam resultado menor com 4,2 e 3,4, respectivamente. Apesar disto, cientistas foram convocados do exterior e bolsas no Brasil foram canceladas pela CAPES.

Massa crítica

Houve grande euforia quando o ex-ministro Mangabeira Unger anunciou as bases da Estratégia Nacional de Defesa. A ideia de estabelecer três áreas de desenvolvimento científico —a nuclear, sob responsabilidade da Marinha; a cibernética, a cargo do Exército, e a espacial, sob controle da Aeronáutica — prometia impulsionar a pesquisa no Brasil, mas trouxe poucos resultados práticos por falta de coragem na escolha de parcerias.

Apesar dos grandes avanços brasileiros na área de enriquecimento de urânio, falta massa crítica de especialistas para o desenvolvimento e construção de reatores para uso civil. O projeto de desenvolvimento de um reator nacional, a cargo da Marinha, também sofre de fortes restrições orçamentárias. Apesar de ter construído todos os componentes, o reator ainda não foi montado em função de atrasos na construção do prédio em Aramar.

Na área espacial, chegou o momento de escolher qual o caminho que iremos seguir. Podemos nos transformar em usuários de sistemas de lançamento de satélite, a exemplo do Reino Unido, ou perseguir o desafio de montar uma missão completa, como foi estabelecido ao final da década de 1980 com a proposta de construir o VLS. É preciso lembrar que este programa foi duramente afetado pela explosão de um VLS em 22 de agosto de 2003, matando 21 integrantes da equipe.

Há duas propostas na mesa. Os Estados Unidos da América querem arrendar serviços do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) para lançar microssatélites a partir de foguetes desenvolvidos pela iniciativa privada norte-americana. Um acordo, similar ao que foi rejeitado ao final do governo de Fernando Henrique Cardoso, está em discussão no momento.

A outra proposição é da Russian Space Systems. A ideia é substituir a Alcântara Cyclone Space (ACS), parceria malsucedida entre o Brasil e Ucrânia, para explorar o CLA com um projeto de foguete construído em parceria com o Centro Tecnológico Aeroespacial. Dentro desta cooperação, se desenvolveria um novo VLS com o primeiro estágio a combustível líquido.

Devemos lembrar que o sonho de transformar Alcântara em uma nova Kourrou já custou ao Brasil mais de R$ 1 bilhão, apenas para cumprir os termos do acordo espacial entre Brasil e Ucrânia, assinado em 2002 e denunciado em 2015. Parte desse dinheiro foi empregada como contrapartida no desenvolvimento do Cyclone 4. O local é considerado privilegiado por estar próximo à linha do Equador, o que garante boas condições climáticas e um menor custo para impulsionar o foguete até a órbita.

Amazônia

O Brasil também necessita de serviços de satélites de sensoriamento remoto com varredura radar nas bandas K e X para controle ambiental da Amazônia. No passado, em convênio com a Japan International Agency (JICA) e com a Japan Aerospace Exploration Agency (JAXA), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) empregou o satélite HALOS I, que está inativo, com notável sucesso.

Em função da cobertura florestal, os satélites de varredura visual não avaliam corretamente o desmatamento. Com o uso de varredura eletrônica verificou-se que o fenômeno era dez vezes superior ao que se pensava. O Brasil tentou adquirir imagens do HALOS II, mas esbarrou nos altos preços do serviço.

Enfatizei a área espacial e nuclear para mostrar os enormes desafios que teremos de enfrentar no futuro se quisermos, realmente, colocar o Brasil na ponta do desenvolvimento tecnológico. Há outros casos que devem ser lembrados, como a questão da biotecnologia aplicada ao uso agrícola, a pesquisa de doenças tropicais e de células-tronco.

Na nova configuração, a ciência e tecnologia viraram meros apêndices da área de comunicações, problemática e com grandes desafios para solucionar uma difícil relação usuário-concessionárias. Quando a reforma ministerial extinguiu o Ministério da Cultura, os artistas se uniram em grande movimento e conseguiram reverter a decisão, igualmente desastrosa. Resta saber porque a comunidade científica não se une. Talvez as picuinhas pessoais e as vaidades extremas impeçam, o que nos levará a um futuro sem brilho.

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