À espera do tsunami digital

Paula Soprana

Em meados dos anos 1990, a empresa sueca Electrolux escolheu como base para sua expansão no Brasil a fabricante de eletrodomésticos paranaense Prosdócimo, fundada em 1949. A marca brasileira foi extinta em 1997, mas a estrutura se manteve em Curitiba, incluindo um centro de desenvolvimento de produtos. Foi nele que, a partir de 2011, a marca começou a mudar a forma de fabricar eletrodomésticos. No formato anterior, um profissional lidava com os projetos na tela do computador.

O arquvo era compartilhado entre diferentes setores, como engenharia e design. Depois, eram criados os protótipos, etapa demorada e custosa. A mudança ocorreu com a chegada da tecnologia 3-D e da realizade virtual. A prototipagem digital permite que, numa mesma sala, profissionais de diversas áreas, com óculos 3-D, analisem uma geladeira "virtual", nyma tela de 4 metors de largura por 2 metros de altura e sensação de profundidade. Os profissionais da Electrolux passaram a gastar metade do tempo que precisavam.

Adaptações que consumiam R$ 100 mil cada, ao longo do projeto, foram riscadas da conta. "Para conclui um refrigerador, criávamos de três a quatro modelos físicos. Hoje, apenas um. É mais barato, rápido e seguro", diz Julio Bertola, diretor de design da Electrolux para América Latina. A empresa não revela o custo do centro, mas assegura que o investimento se pagou em três anos.

O caso é um dos bons e raros exemplos no Brasil de empresas que abraçam a quarta revolução industrial (ou, como preferem alguns, a Indústroa 4.0 – leia mais a partir da página 52). O termo, criado em 2011 na Alemanha, refere-se a um conjunto de tecnologias, como robótica avançada, internet das coisas, big data e realidade aumentada, que melhoram a produtivaidade de quem trabalha fabricando qualquer coisa. Apesar de casos como o da Electrolux, o Brasil engatinha nessa áerea.

No setor privado, a falta de conhecimento preocupa. Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), de abril deste ano, mostra que 43% dos empresários não sabem nem identificar as novas tecnologias digitais fundamentais para impulsionar a competitividade.A maioris acredita que a digitalização tem um único objetivo: cortar custos. "É uma visão ultrapassada", diz João Emílio Gonçalves, gerente executivo de Política Industrial na CNI. "É preciso prestar atenção a outros ganhos, como inovação, eficiência e redução do prazo de lançamento de produtos."

Os casos de Estados Unidos e Alemanha mostram que o Poder Público pode auxiliar na difusão de novos jeitos de produzir. Entre outors papéis, O Estado pode istruir profissionais e empresários sobre quais são as tecnologias cruciais à sobrevivência industrial e abrir mais seu mercado ao comércio global, a fim de oxigená-lo com as melhores páticas e técnicas.  A economia brasileira é fechada. Desde os tempos do milagre econômico, na década de 1970, o país optou por um modelo de substituição de importações.

No lugar de criar um ambiente aberto a indústrias transnacionais, que favorece o desenvolvimento tecnológico, deu prioridade ao fortalecimento de empresas concentradas no grande mercado interno (ou ao uso de dinheiro público para escolher algumas poucas campeãs nacionais a tentar conquistar o mundo). Diante de companhias globais cada vez mais conectadas, o país ficou para trás. Rankings que avaliam o ambiente de negócios e a abertura econômica colocan o Brasil nas últimas posições. O país peca, já se sabe, pelo baixo investimento em inovação.

O Brasil aporta pouco mais de 1% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, em comparação com 3% na Alemanha e 4% na Coreia do Sul, segundo o Banco Mundial. Como resolver isso? "Temos carga tributária de 37%. Se baixássemos para 25%, a média dos países emergentes, com o incentivo correto às empresas, sobraria muito para investir em inivação", diz Marcos Troyjo, professor de relações públicas da Universidade Columbia, nos Estados Unidos.

Esse tipo de evoluçao não está próximo. No primeiro trimestre, a produção dos setores de alta tecnologia na indústria brasileira encolheu 26%, o pior resultado desde 2003, segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Foi a faixa mais atingida pela crise.

A adoção das novidades tecnológicas a usar na produção não é exclusividade desses setores, mas eles costumam ser os pioneiros, os mais abertos à mudança. A importação de máquinas e equipamentos, como robôs, também vem encolhendo.

O Brasil, entretanto, não é um caso perdido. A fabricante de aeronaves Embraer mostra que é prossível ser exportador competitivos e que não há contradição entre fabricar algo novo, sofisticado e de um jeito mais barato que o tradicional. A companhia preciso disso para disputar o mercado global com concorrentes maiores, apoiadas por governos mais ricos que o brasileiro. Tem de fazer apostas certeiras – ao identificar um nicho de mercado e um bom momento para avançar sobre a concorrência, passa velozmente pelas  etapas de sondar clientes, atrair parceiros, fazer o projeto e construir o avião,  explica Paulo Gastão Silva, coordenador do Programa KC-390, o primeiro cargueiro militar da Embraer.

Os projetos avançam sem consumir muito dinheiro porque a Embraer investe em modelagem digital, assim como a Electrolux. Antes de existir como modelos físicos, as partes da aeronave são criadas e testadas virtualmente. Quando construído, o avião já foi exaustivamente testado. O jato comercial E190-E2 voou pela primeira vez no fim de maio e, apenas 45 dias depois, fez seu primeiro transoceânico, para estrear numa feira no Reino Unido. Até a manhã de sexta-feira, dia 15, a Embraer recebeu encomendas de nove unidades, de companhia aéreas da Dinamarca e da Indonésia.

A busca por inovação não é tarefa só de empresa grande. A pequena Bratac, com fábricas no Paraná e em São Paulo, é a única fiadora de seda brasileira. Para aumentar a produtividade de um nicho que atua sozinha, desenvolve, em parceria com o Senai, o protótipo de um dispositivo de sensoriamento óptico capaz de controlar a qualidade da fibra em tempo real. Se conseguir aplicar a tecnologia, será possível  antecipar problemas de espessura e de nós nos fios. Assim, ficará mais bem posicionada na briga contra a seda da China, barata e de qualidade inferior.

É mais difícil pensar em inovação em meio a crise severa  como a atual – a produção insdustrial recuou 8% no Rio de Janeiro e 6% em São Paulo em maio, na comparação com 2015, segundo o IBGE. Mais há sinais de que a recessão perde folêgo. A perspectiva de crescimento do PIB em 2017 estimada pelo mercado financeiro passou de 0,3% no início de julho. Crises econômicas chegam ao fim.

Sabemos também que, após cada revolução industrial, formas de produção anteriores tornam-se obsoletas. O avanço é irreversível. Quando a crise cehagr ao fim no Brasil, a indústria terá condições de crescer e competir? "Mesmo diante da crise, não podemos perder o momento de transformação", diz Carlos Arruda, coordenador do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral. Cabe ao governo abrir caminho para o avanço dos negócios , e ao setor privado se preparar, já, para a mudança em andamento.

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