Vanessa Neumann – Elo entre crime e terror é perigo em dobro

Cristiano Dias

No início de dezembro, o Exército israelense lançou uma operação para destruir túneis cavados do Líbano até Israel. Em uma dessas galerias, os militares prenderam Imad Fahs, membro do Hezbollah, formado em engenharia mecânica na Universidade de Tecnologia de Teerã. Segundo os militares israelenses, Fahs foi treinado por cartéis mexicanos perto da fronteira com os EUA.

A ligação entre crime organizado e terrorismo não é mais um mito explorado em filmes de Hollywood. Esta é uma das especialidades da venezuelana Vanessa Neumann, fundadora da Asymmetrica, empresa de consultoria de risco político com sede em Washington, nos EUA. “A convergência entre crime e terrorismo acelera o aprendizado dos dois grupos”, disse.

Na última semana de novembro, ela esteve em São Paulo para lançar seu livro, Lucros de Sangue (Matrix Editora), que conta sua experiência pessoal em correr atrás do dinheiro que circula entre bandidos, traficantes, terroristas e políticos corruptos. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estado.

O que mais chama sua atenção na relação entre crime organizado e Estado?

O mais interessante é que o crime organizado age lentamente. Não é como o terrorismo, que explode uma bomba e chama a atenção. É um negócio que vai castigando pouco a pouco. As pessoas não se dão conta, não reagem, se acostumam à situação. De repente, você acorda e pergunta: ‘O que houve?’

Qual é a maior dificuldade em combater o crime organizado?

É a própria natureza humana. Temos uma capacidade de adaptação muito grande. Somos como os sapos. Se você coloca um sapo na água quente, ele pula. Mas se colocamos na água fria e vamos subindo a temperatura, ele fica ali até ficar cozido. Temos uma tendência à inércia. Os governos corruptos e o crime organizado se aproveitam disso.

Alguns observadores notam a aproximação entre crime organizado e terrorismo. Como começou esta história?

Com o fim da Guerra Fria, a capacidade dos Estados de financiar organizações terroristas ficou muito reduzida. Por isso, os terroristas se meteram em outros negócios, como tráfico de drogas, de pessoas, sequestro e extorsão. Antes, o dinheiro sujo era usado para financiar a compra de armas. Hoje, são as armas que protegem a circulação desse dinheiro.

Qual foi o papel da globalização nesta relação?

O lado mais sombrio da globalização é que tanto criminosos quanto terroristas se aproveitam do livre-comércio, que faz as mercadorias atravessarem as fronteiras com uma facilidade que nunca se viu.

O avanço tecnológico também facilitou o mercado ilícito?

A tecnologia acelerou o acesso a know-how, dinheiro, bens e serviços. Tanto legais quanto ilegais.

Como eles entram em contato uns com os outros?

Por meio dos prestadores de serviços, que são os mesmos. São falsificadores de documentos, funcionários corruptos das alfândegas, mas principalmente banqueiros e advogados, que funcionam como elos entre as diversas redes. O melhor jeito de desmontar uma organização criminosa não é derrubando o topo ou atacando a base. É investir contra este centro de equilíbrio, contra os prestadores de serviço. Tanto os terroristas quanto os narcotraficantes dependem desses facilitadores para operar de maneira eficaz.

Quais os exemplos mais visíveis deste intercâmbio?

Hoje, os contrabandistas mexicanos escavam túneis nos moldes dos vistos na Faixa de Gaza, por baixo da fronteira entre México e EUA, e os cartéis adotaram o hábito de decapitar oponentes e postar vídeos na internet, como fazem os terroristas islâmicos. Outro exemplo foi a tentativa do Irã de assassinar o embaixador saudita em Washington, em 2011. A DEA (agência antidrogas dos EUA) prendeu o iraniano Mansor Arbabsiar quando ele tentava recrutar o assassino no México.

O uso recente de carros-bomba no México tem relação com esse contato?

Ainda não há conexão irrefutável, mas o uso de carros-bomba no México marca uma mudança nas táticas empregadas pelos cartéis. A convergência entre crime e terrorismo acelera o aprendizado dos dois grupos. Com o passar do tempo, eles adotam as técnicas mais eficientes uns dos outros. A conexão entre crime e terror é um perigo em dobro.

Alguns cartéis mexicanos, como a Família Michoacana, usam a religião para recrutamento. É a mesma lógica?

Como escrevi no livro, a religião é o pretexto. O medo, o método. O Estado Islâmico se parece com muitos cartéis mexicanos, porque usa o medo para consolidar seu poder. Ambos tentam controlar território, matam os inimigos, gravam vídeos de decapitações e usam propaganda para fins de recrutamento. No México, muitos cartéis também utilizam símbolos religiosos para demarcar território e legitimar seu poder.

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