Guerra Fria 2.0


Leonam dos Santos Guimarães


As relações entre a Rússia e o Ocidente tem se degradado nos últimos anos a níveis históricos da Guerra Fria. As esperanças de uma cooperação sustentada e abrangente têm diminuído significativamente. A concorrência e a cooperação seletiva se tornaram o atual padrão de relacionamento. O principal objetivo para os próximos anos deveria ser limitar o potencial de incidentes militares perigosos que podem escalar fora de controle.

A Rússia e o Ocidente devem se afastar da beira do precipício em que se encontram. Esses países precisam gerenciar melhor seu relacionamento conflituoso. A contenção e o diálogo são agora mais necessários do que nunca.

Comentando sobre o acúmulo de forças da OTAN nas fronteiras da Rússia e o aumento da frequência e escala de exercícios militares, a jornalista francesa Christine Bierre, editora-chefe do jornal Solidarite & Progres, alertou que a situação atual é uma reminiscência de um conflito da Guerra Fria que levou o mundo à beira da aniquilação nuclear, uma repetição da crise dos mísseis de Cuba ao inverso.

Cerca de 60.000 soldados da OTAN participaram de quatro séries de manobras nos países Bálticos, Roménia e Polónia. O exercício, cujo caráter é de longe o mais provocativo, foi o Anakonda 16, que acaba de ocorrer na Polónia. Mobilizou 31 000 soldados de 24 países, sendo o maior exercício organizado no país desde a queda do Pacto de Varsóvia em 1991. Ocorreram ainda o BALTOPS 16 no mar Báltico e os seus arredores, o Saber Strike 16, nos três Estados bálticos e Swift Response 16, envolvendo Alemanha e Polónia.

Mas é no Mediterrâneo Oriental e do mar Negro que russos e americanos podem se encontrar cara a cara. Em 6 de Junho, o destróier norte-americano USS Porter entrou no Mar Negro e atracou em Varna, Bulgária. Ao mesmo tempo, o porta-aviões USS Dwight D. Eisenhowerentrou no Mediterrâneo por Gibraltar, juntamente com a USS Harry Truman, que inesperadamente chegou no Mediterrâneo em 3 de junho através do Canal de Suez.

Este de demonstração de força antecede a próxima reunião de Cúpula em Varsóvia, onde a OTAN tem a intenção de obter a concordância dos seus aliados europeus em reforçar em homens e equipamentos seu destacamento avançado nos países bálticos, Roménia e Polónia. Quanto à Rússia, ela tem tomado contramedidas, incluindo a previsão de implantação de novos mísseis balísticos intercontinentais RS 28 hipersônico Sarmat, em 2018-2020. Com dez a quinze ogivas nucleares e sistemas eletrônicos avançados, o objetivo do Sarmat é romper o escudo antimísseis implantado pelos EUA na Europa.

Nesse contexto, foi lançado o terceiro relatório da Comissão “Deep Cuts, querecomenda ao Ocidente e à Rússia uma série de medidas de controle de armas e de construção de confiança, a fim de evitar uma exacerbação ainda maior da situação. Ele contém quinze recomendações fundamentais e identifica uma série de medidas adicionais que poderiam ajudar a resolver os problemas de segurança mais graves na Europa, sobretudo ao longo da fronteira entre a Rússia e os estados membros da OTAN na área do Báltico, a fim de evitar uma maior exacerbação da cada vez mais tensa e perigosa relação entre a Rússia e o Ocidente.

Este relatório apresenta 15 recomendações para ajudar a resolver os problemas de segurança mais graves na Europa, aumentando a transparência e previsibilidade nuclear dos EUA e Rússia. As recomendações incluem:
 

– A fim de reduzir as preocupações de segurança atuais na área do Báltico, a OTAN e a Rússia deveriam iniciar um diálogo sobre possíveis medidas de mútua restrição. Todos os Estados deveriam aderir ao Ato Fundador OTAN-Rússia. O diálogo OTAN-Rússia deve ter por objetivo reforçar a segurança de todos os estados da região do Báltico, abrangendo compromissos recíprocos e verificáveis. Um regime de controle de armas sub-regional poderia consistir de elementos de intertravamento, como compromissos com restrições e limitações, bem como e um mecanismo de resposta e prevenção de incidentes sub-regional.

– À luz dos perigos crescentes de incidentes militares entre a Rússia, os Estados Unidos e outros países membros da OTAN, os Estados Unidos e a Rússia devem reavivar um diálogo sobre medidas de redução de riscos nucleares, capazes de enfrentar em tempo real os riscos colocados pelos diferentes tipos de emergências. Os Estados Unidos e a Rússia poderiam considerar a criação de uma Célula Conjunta de Prevenção e Comunicações de Incidentes Militares, com uma ligação telefónica direta entre os Estados-Maiores dos EUA, Rússia e o Quartel-General Supremo das Potências Aliadas na Europa da OTAN. Tal célula poderia estar ligada a uma novo Centro Europeu de Redução Riscos, a ser estabelecido em paralelo.

– Os Estados participantes do Tratado “Open Skies” devem prestar mais atenção ao seu funcionamento contínuo. Eles devem reforçar a sua operação, dedicando recursos equivalentes à atualização dos equipamentos de observação.

– Os Estados participantes da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) devem considerar medidas para a aplicação do princípio da não intervenção nos assuntos internos. Para este efeito, a OSCE poderia criar uma comissão que analisasse cuidadosamente a questão de um ponto de vista legal e explorasse as possibilidades de um novo mecanismo baseado nessa própria organização. Além disso, os Estados participantes da OSCE deve se preparar para um esforço de longo prazo levando a uma conferência de como a de Helsinki com o objetivo de revigorar e fortalecer os princípios orientadores da segurança da Europa.

– Os Estados Unidos e a Rússia devem se comprometer a tentar resolver as questões de conformidade das partes com o Tratado sobre Forças Nucleares de alcance intermediário (INF), completando o diálogo diplomático em curso com conhecimentos técnicos, seja por convocação da Comissão de Verificação Especial ou de um grupo de peritos bilateral. Mais adiante, os Estados Unidos e a Rússia devem abordar a questão de complementar o tratado, tendo em conta os desenvolvimentos tecnológicos e políticos que ocorreram desde sua entrada em vigor.

– Os Estados Unidos e a Rússia devem abordar os efeitos desestabilizadores da proliferação de mísseis de cruzeiro com armas nucleares acordando medidas específicas de fortalecimento da confiança. Juntamente com outras nações, eles devem enfrentar os desafios da proliferação horizontal de mísseis de cruzeiro, reforçando as restrições do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis e endossando a inclusão de mísseis de cruzeiro de ataque terrestre e veículos aéreos de combate não tripulado no Código de Conduta contra a Proliferação de Mísseis Balísticos.

– Moscou e Washington deve exercer conter seus programas de modernização de suas forças nucleares, mantendo-se dentro dos limites do novo START e agir de acordo com a intenção do tratado. Os Estados Unidos devem renunciar desenvolvimento do LRSO e a Rússia deveriam retribuir, desativando novos ALCMs com armas nucleares. Os Estados Unidos devem mostrar moderação nas novas implantações de mísseis balísticos, que devem ser consistentes com a sua política de defesa contra ameaças limitadas. A OTAN deve seguir com seu compromisso de adaptar as suas implantações de mísseis balísticos de acordo com a redução das ameaças de proliferação.

– A Rússia e os Estados Unidos devem trabalhar para as primeiras discussões sobre uma possível extensão do tratado de redução de armas estratégicas. Eles devem ser capazes de prever reduções a um nível de 500 veículos de lançamento posicionados e 1.000 ogivas estratégicas durante a próxima década. Estes debates devem explorar opções para a troca de medidas de contenção recíproca e procuram abordar outras questões de interesse mútuo no âmbito de um amplo debate combinado sobre a estabilidade estratégica.
 

Além destas recomendações, os peritos identificam uma série de medidas adicionais que possam promover a confiança e manter o foco no objetivo de um maior desarmamento nuclear.


O relatório completo está disponível online.

 

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