Idéias para Discussão Relativas às Operações das FA Contra o Crime Organizado


Carlos Alberto Pinto Silva
General-de-Exército da Reserva, ex-comandante de
Operações Terrestres (COTer), do Comando Militar do Sul,
do Comando Militar do Oeste,
e Membro da Academia Brasileira de Defesa.

 


Nas operações das Forças Armadas (FA) contra o crime organizado não existem normas de emprego, regras, e regulamentos imutáveis que atravessem o tempo e o espaço. A área de operações é normalmente um laboratório, o sucesso não é garantido a uma força somente pela experiência, pelo trabalho de inteligência, pela posse de armas, e disponibilidade de tecnologias modernas.

Nesse tipo de intervenções é muito verdadeira a citação abaixo:

“Apenas o leigo vê na trajetória de uma campanha a execução coerente de um conceito original preconcebido, pormenorizado e fielmente levado até o fim… Ao longo da campanha o Comandante terá de tomar uma série de decisões alicerçadas em situações que não poderiam ser previstas… Tudo depende de se penetrar a incerteza de situações veladas para avaliar os fatos, esclarecer o desconhecido, tomar decisões rápidas e, então, leva-las adiante com força e constância”. 1

Os poderes públicos federal, estadual e municipal possuem importantes capacidades ao seu inteiro dispor. Assim, os problemas graves existentes, principalmente nas áreas de risco, devem ser tratados e solucionados antes que se tornem casos de Segurança Pública ou de Defesa.

Ideias para discussão relativas às operações das FA contra o crime organizado:

Centro de Gravidade

A população é o centro de gravidade da luta contra o crime organizado e o objetivo principal deve ser a sua proteção. A influência da opinião pública e a presença física da população nas áreas onde serão desencadeadas as ações, entre outros fatores, impedirão o emprego de meios considerados “maiores que os admitidos” e que possam produzir efeitos prejudiciais aos habitantes locais. A força que pretende contar com o apoio da opinião pública e que está altamente compromissada com a solução do problema deverá manter e externar essa preocupação, para que suas ações contra o crime não produzam, como consequência, danos colaterais indesejáveis à população.

O objetivo principal é manter o apoio da população da área. O êxito final depende, em grande parte, dos lideres da comunidade. É essencial, portanto, para o sucesso, aumentar o número de pessoas da comunidade interessadas em cooperar e participar do esforço comum na luta contra a criminalidade.

Devemos mudar, deste modo, o enfoque do criminoso para a proteção da população, porém, conservar e perseguir o princípio operacional de manter os criminosos sob pressão.

Ser capaz de criar um nível de confiança

A Comunidade tem que confiar na Força, na sua capacidade de proporcionar segurança e de resolver necessidades civis urgentes com um mínimo de burocracia.

Deve-se realizar reuniões periódicas de integração dos participantes da operação para poder proporcionar apoio estruturado ao planejamento, organização e execução das operações, e das atividades para atender as necessidades civis, assegurando que as atuações diárias permaneçam coordenadas e mutuamente apoiadas.

Muitas das nossas importantes capacidades são implantadas com velocidade burocrática e não com a velocidade requerida pela população da área, os usufrutuários da segurança e dos serviços.

É uma grande falha, nas operações das FA contra o crime organizado, a inabilidade de organizar e reunir esforços de todos os elementos do poder, como um todo unificado, visando o correto cumprimento da missão.

No fim de cada dia o Comando deve realizar uma análise para verificar o sucesso ou o fracasso das operações, que só poderá significar um resultado de sucesso de longo prazo para a Comunidade, e a construção, a cada dia, de uma base sólida de esperança num futuro melhor.

Sem esperança disseminada na população, operação contra o crime organizado eventualmente fracassará.

Planejamento

Numa democracia não se pode ganhar a luta contra o crime organizado sem o apoio popular, ou seja, sem o respaldado do consenso no seio da sociedade ameaçada.

As FA tem que agir com rapidez para satisfazer, no menor tempo possível, as expectativas da comunidade. O sucesso deve ser obtido com rapidez, às operações devem ter vida curta, além da qual a tropa se torna uma Força de Ocupação. A duração dessa vida curta está ligada às percepções da comunidade sobre o impacto das atividades das operações, que deverá ser substituída por um policiamento comunitário (Proximidade) o mais rápido possível.

A definição da situação final desejada é parte fundamental do planejamento da ação para a pacificação da área em crise por força da ação de criminosos.
O Comandante deve ter autoridade para buscar resultados, bem como devem ser previstos, já no planejamento, recursos para respostas de emergência para resolver necessidades prementes de serviços.

Recurso disponível, rapidez e capacidade para gastar adequadamente, e flexibilidade para atender as necessidades da população da área de operações contra o crime organizado, são armas que não ferem e nem matam.

A posse da área é uma extensão da unidade de comando. Comandantes devem ser donos de sua área: zona de ação estabelecida, objetivos a serem atingidos bem definidos, e responsabilidade direta pelos resultados em longo prazo.

As autoridades precisam ser cautelosas, para não prepararem “armadilhas éticas” para as Forças, pedindo muito com pouco.

Uma “estratégia de incursões” combinada com pequeno número de tropa, em relação à área e número de habitantes, leva geralmente a distanciar a Força da comunidade.

Os Comandantes também precisam ser cautelosos para não preparar ”armadilhas” para seus subordinados no combate ao crime organizado. Uma das maiores forças do nosso militar é o comprometimento, que aliado à autoconfiança pode ser um risco levando nossa força a pegar atalhos operacionais e éticos para cumprir a missão.

Precisamos reforçar a importância da conduta ética e justa em nossas organizações em todas as oportunidades.

Emprego

O emprego das FA em operações de guerra é mais fácil de ser entendido e executado pelos militares, traduzido em escolha de organizações militares, equipamento, e adestramento, e finalmente concluído pelo emprego da tropa nas operações planejadas, visando destruir ou retirar a capacidade de combate do inimigo.

As FA, no combate ao crime organizado, são os atores mais fracos e não os mais fortes, já que não podem usar livremente o seu poder, em face da presença física da população. Eventuais danos aos habitantes, que podem comprometer seriamente o andamento e/ou o sucesso da operação, devem ser evitados a todo custo.

Antes da execução de cada operação contra o crime organizado devemos analisar seu custo benefício e avaliar: A maneira como será conduzida? Esta operação reduzirá o número de criminosos na rua? Haverá algum efeito colateral?

A ideia é terminar cada dia como menos problemas de segurança pública do que quando começamos.

O emprego das FA no combate ao crime organizado é feito num terreno mal definido e multidimensional no qual a habilidade das FA em aplicar meios não cinéticos de poder (Federal, Estadual, Municipal) é tão importante para a vitória quanto à aplicação da capacidade de fogo.

Em contraste com a ideia de que no final a força sempre vence, nem todos os problemas no emprego que envolva população (Civis) podem ser resolvidos com armas.

É preciso que as FA sejam capazes de oferecer às populações das comunidades afetadas pelo emprego da tropa a esperança de que a vida se tornará melhor para eles e seus filhos por causa e não apesar de sua presença.

O êxito de uma pacificação de uma área requer mais que operações militares – fatores políticos, econômicos, sociais (Educação, saúde, segurança, infraestrutura sanitária), e recursos, valem tanto quanto as operações militares.
Efeito Tático Versus Consequências Estratégicas.

Quando as autoridades são obrigadas a se desculpar através da imprensa e/ou a convidar pessoas da comunidade para serem recebidas pela mais alta autoridade política envolvida, é porque as consequências da ação tática foram nefastas e causaram péssimo resultado estratégico.

Lembrar sempre dos subalternos e praças táticos nas ações e estratégicos nos resultados.

É importante o treinamento e meios adequados para as operações em que os subordinados são empregados isolados, e tenham que decidir com rapidez.

Subalternos e praças carregam o fardo mais pesado na luta contra a criminalidade, por ter que tomar, no contato com os criminosos, as decisões táticas mais difíceis e com consequências estratégicas, daí a importância do seu preparo para o emprego.

São militares relativamente novos (Tenentes, sargentos, cabos, e soldados), que nas suas ações táticas normalmente agem isolados e por iniciativa própria, e num pequeno espaço de tempo tem que ordenar ações, que na maioria das vezes produzem consequências estratégicas.

É uma tarefa difícil para um Comandante estabelecer o tom adequado, comunicar e se fazer entender em todos os níveis.

Inteligência

O emprego da inteligência precisa potencializar todas as fontes de informação, sendo conveniente montar ações de alcance variável e com a finalidade primordial de se manter informado para planejar operações. Nesse sentido, é imprescindível a colaboração das agências de inteligência federais e estaduais.
A valorização correta da ameaça e o controle do emprego da força no combate às atividades criminosas são de suma importância. A História demonstra que as represálias precipitadas e as ações violentas superiores ao necessário, longe de conseguir demover os criminosos, geram a reação negativa da opinião pública, influenciada pelos meios de comunicação.

As forças empregadas deverão conhecer a componente cultural da população (é um fator multiplicador da força). Entender os aspectos culturais da comunidade é essencial para ajudar na melhoria política, social e de segurança pública local. Isso é conseguido por intermédio da Inteligência Cultural.

Integrando-se à população, as forças poderão tomar conhecimento sobre o que está acontecendo. Essa integração gera a simpatia da população e favorece a proteção das forças empregadas.

A probabilidade de a população cooperar com a FA no combate ao crime organizado numa determinada área será maior se for respeitada a sua cultura e o seu modo de vida.

O desenvolvimento de redes de inteligência humanas facilitará obtenção de conhecimento importante para a operação.

Usar a inteligência tecnológica para acompanhamento e vigilância dos criminosos.

Propaganda

É preciso lutar contra a publicidade adversa e a desinformação, lançando mão de uma intensa campanha de propaganda, que tenha repercussão positiva na opinião pública da comunidade local, regional e mesmo nacional.

A informação, a prevenção e o controle da população permitem conhecer a comunidade e seus atores mais importantes, para se antecipar às necessidades locais e evitar eventuais ações contrárias ao trabalho das forças empregadas.

É essencial para o êxito a participação da população, o que pode ser conseguido pelo emprego de ações de propaganda capazes de fazer aumentar o número de pessoas interessadas em participar, com suas experiências específicas, dos trabalhos de pacificação e melhoria da comunidade.

A propaganda em apoio às operações deve ser realizada por grupos operacionais especializados. Tais grupos se aproveitam do fato mediático para, por intermédio do emprego planejado da propaganda e da ação psicológica, direcionar condutas, sem recorrer ao uso de armas.

Aspectos muito importantes a considerar:
 

– definir se a ameaça constitui um problema que justifique o emprego legal das FA;
– estabelecer a população como Centro de Gravidade;
– manter bem capacitadas as estruturas de Defesa (FA) e Segurança Pública;
– integrar, e manter sob comando único, a ação dos órgãos operacionais e de serviços federais e estaduais;
– definir, claramente, os objetivos da operação, que devem ser compatíveis com a capacidade dos meios disponíveis;
– agir sempre com moderação, aplicando prudentemente a força;
– planejar e executar operações de propaganda;
– apoiar e organizar da população residente nas áreas de operações; e
– após o fim das operações, permanecer nas áreas pacificadas com um policiamento comunitário de proximidade (Segurança Pública).


Bibliografia

1 –  Penetrando a Incerteza – Helmuth von Moltke em Da Estratégia.

Referências;

1. Aprendendo sobre as Operações de Contra-Inssureição – General David H. Petraeus.
2. Aprendendo com as Guerras Modernas: Os Imperativos de Preparação para um Futuro Perigoso – General Peter W. Chiarelli.
3. Travando “A Outra Guerra”. – Gen R/1 David w. Barno.
4. Lições Aprendidas na Recente Guerra do Líbano – Gn de Bda R/1 Elia Hanna, Exército do Líbano.

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