GUERRA HÍBRIDA – EMPREGO pela RÚSSIA Parte II

“GUERRA HÍBRIDA” EMPREGO pela RÚSSIA

  LITTLE GREEN MEN / POLITE PEOPLE (1)

Parte II

Parte I   Parte II 

 

Frederico Aranha

Pesquisador Independente.

aranha.frederico@outlook.com

Advertência: tradução livre.

      

A “GUERRA IRRESTRITA” – Perspectiva Chinesa.

 

Tradicionalmente, o Exército Popular de Libertação (PLA) da China adota a doutrina da “Guerra Popular”, com ênfase na vantagem numérica de forças convencionais para derrotar os oponentes que gozam de superioridade tecnológica. A partir da década 80/90 do século passado, os chineses se aperceberam da necessidade de modernizar a doutrina e estrutura das suas forças armadas. A rápida e decisiva vitória da coalizão liderada pelos americanos na Iª Guerra do Golfo contra o Iraque, proporcionou aos chineses a oportunidade de estudar as melhores práticas das modernas operações militares.

Pela perspectiva do PLA, o conflito demonstrou que o equilíbrio na guerra havia pendido fortemente em favor de forças menores, altamente tecnológicas.  Ficaram particularmente impressionados com o empego pelos americanos de novas tecnologias, tais como rede de computadores (Network), munição guiada de precisão (PGM), Global Positioning System (GPS), telecomunicações globais e Drones (Veículos Aéreos não Tripulados – VANTs). Concluíram que o conjunto dessas técnicas deu aos americanos um nível de informações sem precedentes acerca das forças adversárias e isso foi fundamental para sua subsequente destruição.

O PLA realizou um majestoso desfile para comemorar os seus 90 anos em Agostos 2017.

Os analistas do PLA, então, iniciaram estudos para dominar essa vantagem informacional. Essa iniciativa originou um processo em duas etapas. Primeiro, ativaram um programa de caráter tecnológico, adquirindo equipamentos e sistemas de armas avançadas. Outrossim, iniciaram altos estudos em busca de opções para mitigar a desvantagem perante um inimigo dotado de alta tecnologia. Nasceu daí, em fevereiro de 1999, a publicação do livro Unsrestricted Warfare, da autoria de dois Coronéis da Força Aérea do PLA, Qiao Liang e Wang Xiangsui (http://www.c4i.org/unrestricted.pdf). A tese exposta na obra baseia-se na ideia de que é contraproducente confrontar a alta capacidade operacional dos americanos no campo de batalha, de modo que é preciso afastar o foco do conflito da arte da guerra convencional. Eles deduziram que isso pode ser feito ampliando o domínio da conflagração, para incluir vários elementos do poder nacional.

Os autores concluíram que os avanços dos sistemas de armas e da tecnologia, a globalização e a maior difusão do poder estatal combinaram-se para criar a conjuntura de uma nova forma de guerra.  Além do mais, sugerem que aqueles envolvidos no planejamento e condução da guerra entreveem, equivocadamente, as alçadas não-militares como meros acessórios que servem às requisições militares. O resultado é que o desenvolvimento do moderno campo de batalha, com possíveis alterações na estratégia e na tática, ficou limitado a um único campo de conhecimento.

                  

Os autores entendem que elaborar uma estratégia compreendendo diferentes abordagens, requer um conjunto complexo de informações e recursos integrados. Se estendem longamente sobre questões ideológicas, filosóficas e políticas, que levam à teoria da criação do “campo de batalha” composto de vários campos de batalha.  Resumidamente, se trata de reduzir o impacto da superioridade num campo de batalha (militar) forçando o oponente a confrontar vários campos de batalha, simultaneamente.

Eles classificaram a síntese dessas ideias como “guerra total modificada que vai além dos limites”. O pilar chave desse conceito é explorar os benefícios de “combinações” dos tipos de organizações entre os vários domínios do poder nacional.  De acordo com Balacevicius (cit.), os autores concebem que a chave da vitória no “campo de batalha” de campos de batalha é compreender e coordenar o emprego efetivo de quatro tipos específicos de composições:

                    

Supra-National Combinations’ (integração de organizações nacionais, internacionais e não-estatais em benefício do país); ‘Supra-Domain Combinations’ (articulação de vários campos de batalha, elegendo como prioritário o mais favorável); ‘Supra-Means Combinations’ (eleição dos melhores instrumentos ou medidas, militares e não-militares, para executar as operações); e ‘Supra-Tier Combinations’ (combinação de todos os níveis de conflito em cada campanha). Imbricado na ideia das combinações está o uso de oito princípios delineados como segue:

 

  Omnidirecionalidade;

  Sincronia;

  Objetivos limitados;

–  Ações ilimitadas;

  Assimetria;

  Economia de meios;

  Coordenação multidimensional; e

–  Ajustamentos e Controle de Todo o Processo                                                                                                                                                                   

Três desses princípios são de especial interesse do Ocidente para entender a “guerra híbrida” em nível estatal. Incluem a Omnidirecionalidade, Sincronia e Assimetria.

                 

Omnidirecionalidade – é o ponto de partida da ideologia da ‘unrestricted war’ e ao mesmo tempo uma cobertura para esta ideologia …, há muito não há distinção entre o que é e o que não é o campo de batalha. Os espaços naturais, o terrestre, os mares, o ar e o espacial são campos de batalha, mas as esferas sociais, tais como a militar, política, econômica, cultural e a psicológica também o são. E o domínio tecnológico, unindo esses dois grandes campos, sobressai sobre o campo de batalha, no qual todos os antagonistas não poupam esforços em pugnar. A guerra pode ser militar ou quase-militar, ou pode ser não-militar. Ela pode empregar violência, ou pode ser não-violenta.  

                                              

Sincronia – (significa)conduzir operações em diferentes teatros de operações no mesmo período de tempo …. Muitos objetivos que no passado exigiam acompanhamento em etapas, em razão da cumulação de batalhas e campanhas, podem ser agora monitorados rapidamente como se fossem ocorrências simultâneas, ações simultâneas e sofressem desfechos simultâneos. Dessa forma, a ênfase na sincronia das operações de combate excede a importância da execução. 

                 

Assimetria– a assimetria se manifesta por si só e em alguma extensão em todos os aspectos da guerra, seja como um estratagema, seja como um princípio para conduzir operações de combate. Entender e empregar os princípios da assimetria, sempre permite identificar e explorar um ponto fraco do inimigo. As forças combatentes de países pobres, de países subdesenvolvidos e de entes não-estatais têm usado métodos de combate do tipo “briga gato e rato” contra seus adversários, empregando a guerra de guerrilha (sobremodo a guerrilha urbana), o terrorismo, a guerra religiosa, guerra permanente, a guerra cibernética e outras formas de combate.  

                 

A percepção fundamental derivada da ideia da combinação desses princípios é que não há contraste entre o que é ou o que não é um campo de batalha. A par dos campos de batalha tradicionais normalmente associados às operações militares (Ar, Terra, Mar, Cibernético, Espacial), o universo relacionado com a política, a economia, a cultura e opinião pública pode vir a ser hoje (e já é) um possível campo de batalha. A questão chave desse tipo de guerra é a habilidade para conduzir, coordenar e sincronizar ações nesses diferentes campos de batalha, os quais, potencialmente, podem ocorrer e em muitas instâncias ocorrem ao mesmo tempo. Para enfatizar a ideia de atividades conjugadas em múltiplos campos de batalha, introduzem o conceito da “simultaneidade”, destacando que poderá representar importante elemento nas futuras operações. Explicam que se um Estado puder sincronizar uma única operação em profundidade por entre todos os campos de batalha, a paralisia causada ao inimigo poderá ser suficiente para decidir antecipadamente o eventual conflito. Os autores fornecem um exemplo de como tal operação, inspirada no conceito das combinações, pode ocorrer:

                 

(…) Com o emprego do método das combinações, podem ser criados cenários e disputas completamente diferentes: se o lado atacante concentrar grandes capitais sem que a nação inimiga tenha conhecimento, e lança um súbito ataque ao seu mercado financeiro e, depois de causar uma crise econômica, implanta um vírus no seu sistema de computadores que permita a invasão e manipulação de dados, ao mesmo tempo que ataca a infraestrutura de forma que a rede nacional de eletricidade, os correios, a malha de transações financeiras, as comunicações telefônicas e telemáticas, e a mídia de massa entrem em colapso, causará o pânico na população, distúrbios generalizados e crise política (…).            

                 

Na sua análise, Liang e Xiangsui divisam o centro de gravidade da ação focado em criar o caos social, sucedendo-se a crise política. Uma vez que a crise tenha evoluído suficientemente, as forças militares convencionais podem ser empregadas, mas somente o necessário para garantir a autoridade do novo status quo.Ao imprimir essa feição assimétrica, os autores concluem que a assimetria, núcleo desse tipo de guerra, pode ser empregada para identificar e explorar pontos fracos do inimigo. Eles sustentam que países pobres, países debilitados e não-Estados têm usado algum tipo de método de combate assimétrico contra adversários poderosos, como meio para equilibrar o confronto. Isto é, quando uma nação enfrenta um inimigo dotado de tecnologia superior, a chave para o sucesso consiste em mover a luta da operação puramente militar, para uma mais ampla interpretação da guerra, uma que especificamente inclua Guerra Financeira, Guerra Cultural, Guerra Midiática, Guerra Tecnológica, Guerra Psicológica e Guerra Cibernética, para apontar apenas algumas.

Empregando esses métodos uma nação ou uma entidade não-estatal pode minimizar o impacto de superioridade tecnológica e o consequente incremento no poder de combate que tal vantagem pode proporcionar a uma força militar convencional. Assim agindo, o país pode forçar o inimigo a lutar numa guerra de tipo particular, a qual, se aplicada corretamente, ocorreria num número de campos de batalha diferentes e mais complexos do que seriam previamente. É exatamente o que a Rússia está fazendo agora na Europa Oriental.

                  

É difícil dizer o quanto os russos foram influenciados pelo enfoque chinês da guerra híbrida. É flagrante que muitos dos conceitos chaves sustentando a filosofia daUnrestricted Warfare, particularmente as ideias de coordenação, sincronia, o “campo de batalha” constituído de vários campos de batalha, criando o pânico social e a crise política, e o judicioso emprego da força militar, caracterizaram recentes operações levadas a efeito pela Rússia. Da mesma forma, muito dessa filosofia tem sido articulada em pronunciamentos públicos de oficiais superiores, acerca da visão russa do futuro conflito no contexto da “Guerra de Nova geração”.

 

A Doutrina Russa da “Guerra de Nova Geração” e o Futuro da Arte da Guerra.

 

O conceito da “Guerra de Nova Geração” foi abordado publicamente pela primeira vez num artigo de autoria do General de Exército Valery Gerasimov intitulado Tsennost’ nauki v predvidenii (‘The Value of Science Is in the Foresigth’), publicado em 27 de fevereiro de 2013 na revista eletrônica russa Voenno-promyshlennyi kur’er (‘Military Industrial Courier’)(5).  Nele, Gerasimov alinha uma série de princípios-chaves que embasam o pensamento russo do emprego da moderna/híbrida arte da guerra, ao mesmo tempo que incentiva a Academia de Ciências Militares da Rússia (sucessora da renomada Academia de Ciências da União Soviética) (6) para que pesquise e estude a matéria. O primeiro princípio é que o mundo agora está em permanente estado de guerra. Ele assevera que (…) no século XXI temos visto uma tendência no sentido de borrar a linha divisória entre o estado de Guerra e o de paz. Explica que a condução das guerras se alterou profundamente, pois não são mais declaradas e uma vez iniciadas tomam rumos diversos e não-familiares. Prossegue, esclarecendo: essa faceta ‘não-familiar’ reflete operações assimétricas empregando um conjunto de habilidades (estratégicas) para ‘anular as vantagens do inimigo num conflito armado’.

                   

Gerasimov acredita que medidas específicas necessárias para implantar as mudanças incluirão o emprego de Forças Especiais ligadas a grupos internos de oposição do Estado-alvo, a fim de criar uma frente operacional estendendo-se profundamente pelo território do inimigo. Essas ações serão associadas com operações de informação, guerra cibernética, guerra jurídica, guerra econômica e qualquer outra atividade ligada diretamente à estratégia selecionada. Salienta que inicialmente todas essas ações poderão ser adotadas, porém modificadas constantemente para atender exigências peculiares de uma situação em constante alteração (7). Os russos confiam que tais métodos, empregados apropriadamente em sequência, podem num curto período de tempo lançar um Estado próspero e estável numa condição de caos, crise social e guerra civil, tornando-o suscetível à intervenção estrangeira. Em que pese Gerasimov reconheça que tais eventos não sejam, do ponto de vista ortodoxo, parte do que se consideraria situações de guerra, acredita que se tornarão típicos dos conflitos do século XXI.  

                  

A ideia de implodir um Estado via convulsão social, ainda que antes da declaração de guerra, é uma prescrição importante da metodologia da “Guerra de Nova Geração”. A esse respeito, Gerasimov considera que (…) as rígidas regras da guerra mudaram …. (assim) o foco dos métodos de conflito se alterou em direção ao amplo emprego de medidas de caráter político, econômico, informacional, humanitário e outras tipicamente não-militares … aplicadas em coordenação com o potencial dos protestos da população alvo.  O exemplo que usa para ilustrar seu ponto de vista é a intervenção da NATO na Líbia, onde uma zona de exclusão aérea e um bloqueio naval combinaram-se com o emprego de operadores privados lutando ao lado de formações armadas da oposição.                                                   

                   

Gerasimov entende que as novas tecnologias da informação permitiram que muitas dessas mudanças fossem possíveis, abrindo as portas para o amplo uso de ações assimétricas visando reduzir o potencial de combate do inimigo, particularmente por meio de “Operações de Influência” (8).

 

                          

Jänis Bërzins (referido por Balecevicius, cit.) – Managing Director for the Center for Security and Strategic Research at the National Defense Academy of Latvia – autordoPolicy Paper nº 02, 2014 – Russia’s New Generation Warfare in Ukraine: Implications for Latvian Defense Policy (9), enfatiza esse ponto. Ele sustenta: Os russos adotam a ideia das                                                                   

“Operações de Influência” como o item mais importante dos seus planos operacionais e usam todos os níveis do poder nacional para torna-las possível. Acrescenta: Essas competências incluem proficientes comunicações internas, operações indiretas, operações psicológicas e comunicações externas eficientes. Explica que os russos (…)tem demonstrado uma compreensão inata dos alvos-chave e sua possível reação …. Armados com essas informações eles sabem o que fazer, quando fazer e que consequências poderão advir.  

 

Os russos pensam que todas essas mudanças na condução de conflitos reduziram a importância dos engajamentos diretos por grandes formações militares convencionais, os quais acreditam se tornarão gradativamente coisa do passado. No caso de ser necessário uma operação convencional para “acabar” com o inimigo, acreditam que possam ser empregadas ações do tipo standoff (i.e., fogo indireto e/ou de precisão em profundidade a partir de várias plataformas) através de todo o território de adversário (para mais informações sobre este tema, ver Gareev,If the War Come Tomorrow?…, nota 5). De acordo com Bërzins (cit.) os russos percebem que esse câmbio em direção à guerra irregular e às operações ‘standoff’ borra o traçado entre os níveis estratégicos, operacionais e táticos do conflito, bem como entre operações ofensivas e defensivas. Essas ideias acerca do conflito futuro estão formalmente articuladas no que se conhece como as oito fases da ‘Guerra de Nova Geração’. Essas fases proporcionam um paradigma para compreender como os russos podem conduzir uma guerra híbrida estatal. Conforme Bërzins (cit.), são elas:

 

1ª Fase: adoção da guerra assimétrica não-militar (conciliando medidas diplomáticas, ideológicas, psicológicas, econômicas, de informação e midiáticas, como parte de um plano para estabelecer um clima político, econômico e militar favorável);

2ª Fase: operações especiais (específicas) são empregadas para confundir líderes políticos e militares, por meio de canais diplomáticos, mídia, e agências governamentais e militares. Isto é feito mediante a divulgação de informes, ordens, diretivas e instruções falsas;

3ª Fase: focada na dissimulação, intimidação e ameaça de oficiais governamentais e militares, com o objetivo de fazê-los descumprir seus deveres;

4ª Fase: propaganda desestabilizadora direta e de alta intensidade para disseminar o descontentamento entre a população ampliado pela chegada de bandos de militantes russos, escalando a subversão;

5ª Fase: estabelecimento de zonas de exclusão aérea sobre o país a ser atacado, imposição de bloqueios e emprego extensivo de companhias privadas de militares em estreita cooperação com unidades armadas de oposição; 

6ª Fase: esta inclui o começo da ação militar, a qual é precedida por missões de reconhecimento e subversivas em larga escala. Comporta todos os tipos, formas, métodos e forças, tais como forças especiais, equipes aerotransportadas, espaço, rádio, eletrônica, diplomática, inteligência, serviço secreto e espionagem industrial;

7ª Fase: combinaçãode operações de informação dirigidas de guerra eletrônica,operaçõesaeroespaciais, operações aéreas hostis continuadas, combinadas com o emprego de armas de precisão lançadas de variadas plataformas, incluindo (artilhariade longo-alcance e armas baseadas em novos princípios físicos, tais como micro-ondas, raios laser, radiação, armas biológicas não-letais); e

8ª Fase: avanço sobre os pontos de resistência remanescentes e destruição das unidades inimigas sobreviventes por operações conduzidas por unidades de reconhecimento para identificar qual unidade inimiga sobreviveu, transmitindo suas coordenadas para as unidades atacantes de artilharia e mísseis; fogo de barragem por armas avançadas será usado para submeter pontos de resistência; e a limpeza do território por forças terrestres.

                                           

Cada uma dessas fases pode ocorrer gradativa ou simultaneamente, dependendo de situação específica. De acordo com Gerasimov (cit.), essa nova doutrina manifesta-se no emprego de métodos indiretos e assimétricos, a par do manejo das tropas numa esfera informacional unificada. Se o conflito escalar, essas atividades poderão ser seguidas pelo maciço emprego de armas de alta precisão, forças de operações especiais e robótica. Se necessário, a próxima etapa poderá envolver ataques simultâneos a unidades e instalações inimigas, bem como batalha em terra, ar, mar e no espaço informacional.

 

 

Pensamento Estratégico e a Coordenação do Emprego dos Recursos Estatais

Cúpula militar da Rússia: Esquerda – General de Exército Valery Gerasimov, Chefe do Estado-Maior da Forças Armadas da Rússia e Vice-Ministro da Defesa; Direita – General de Exército (Hon.) Sergey Shoygu, Ministro da Defesa da Federação Russa; Centro – Tenente General Mizintsev Mikhail Evgenyevich, Chefe do Centro de Coordenação da Defesa Nacional. ITAR/TASS.

                

Não obstante o fato de existir um certo número de similitudes entre a filosofia daUnrestricted Warfare e a doutrina da “Guerra de Nova Geração”, é claro que os russos avançaram significativamente criando o “campo de batalha de campos de batalha”. Subtrair as linhas divisórias entre operações nos níveis estratégico, operacional e tático, e manter uma network unificada é quase impossível sem a habilidade para conduzir e coordenar os vários eventos nos diferentes campos de batalha de modo estrategicamente efetivo. De fato, alguns acreditam que essa habilidade para sincronizar constitui a maior mudança nas recentes operações russas. Kristin Vem Bruusgaard, Research Fellow at the Norwegian Institute for Defense Studies (IFS) (10), lembrada por Bërzins (cit.), afirma: 

 

Especialistas têm focado nas novidades militares da abordagem russa – o uso de assimetria, operações encobertas e outras ferramentas militares inovadoras. Todavia, a verdadeira novidade na Criméia não foi o modo como a Rússia usou seu poderio (em termos de uma nova doutrina militar), mas sim como combinou o emprego de força militares com as ferramentas tipicamente de Estado. Belacevicius (cit.) atesta que (…) foi essa integração e coordenação inovadora das ferramentas militares e de Estado, que permitiu aos russos passar sem tropeços da paz para o conflito. Importante, senão significativamente, muito poucos ‘players’ internacionais compreenderam exatamente o que estava ocorrendo até que tudo estivesse concluido. Ven Bruusgaard (cit.) acredita que esse talento para coordenar foi a chave do sucesso russo. Ela precisa: Desde que Putin assumiu o poder tem crescido o debate acadêmico e político sobre o emprego coordenado das potencialidades do Estado para alcançar os objetivos formulados. Essa percepção tem levado a uma elaboração de estratégias em larga escala e de como perseguir as metas políticas e, mais recentemente, a mudanças na burocracia estatal que permitiram aperfeiçoar a capacidade da Rússia em usar as ferramentas políticas de modo integrado.                  

                

Uma das mais importantes alterações na estrutura burocrática estatal russa foi a criação do Centro de Coordenação da Defesa Nacional, cujas atividades iniciaram em dezembro de 2014. O Centro tem a tarefa de coordenar 52 autoridades executivas e três corporações estatais engajadas na defesa da Rússia. Incluem as forças armadas, o Ministério do Interior, o Serviço Federal de Segurança (FSB – sucessor da KGB) e o Ministério das Emergências.

Alguém pode perguntar se o conceito do Centro remete à ideia chinesa de criar o “domínio ampliado”, integrando os diversos interesses nacionais e as exigências nacionais de segurança no grande mapa da situação estratégica. Se esse é o caso, a Rússia pode agora criar e simultaneamente coordenar sua versão do “campo de batalha” composto de diversos campos de batalha”. Mais do que isso, entende-se que os russos mudaram as regras do “Jogo da Guerra”.

 

Conclusão

                  

A adoção e emprego pela Rússia da “Guerra de Nova Geração” validou as teorias chaves da “Guerra Híbrida”. As operações na Ucrânia mostraram que os russos deslocaram com maestria o centro de gravidade do conflito do nível operacional, quando as forças militares convencionais cumprem a ação predominante, para a esfera estratégica, em que a integração do planejamento estratégico e a coordenação das ferramentas de Estado torna-se o denominador crítico.  Balacevisius (cit.) enfatiza que (…) a eficiência devastadora desse tipo de Guerra pode ser constatada no seio da NATO hoje em dia. Mais de dois anos após a anexação da Criméia, a aliança não desenvolveu ainda uma estratégia coerente para se contrapor às atividades de guerra híbrida da Rússia na Ucrânia. Esta inércia gerou entre alguns membros da NATO apoio ao objetivo da aliança de simples proteção, ao passo que outros questionaram abertamente a capacidade de enfrentar os russos. O sucesso russo com a ‘Guerra de Nova Geração’ significa que eles vão continuar a refinar e empregar essa doutrina para alcançar seus alvos estratégicos. Mais do que isso, ao longo do tempo eles vão se tornar mais eficientes, à medida que a experiência cria sofisticação tanto no processo como na reação (…).

 

Com base em tudo o que foi exposto, esboça-se a convicção de que não é mais possível confiar em soluções convencionais para problemas não-convencionais, como tem sucedido.

 

 

NOTAS

 

(5) http://vpk-news.ru/sites/default/files/pdf/VPK_08_476.pdf(Acesso em 07/2014). Para mais informações, ver tambémhttps://inmoscowsshadows.wordpress.com/2014/07/06/the-gerasimov-doctrine-and-russian-non-linear-war/(Acesso em 08/2014);http://www.defesanet.com.br/doutrina/noticia/18978/GUERRA-HIBRIDA-–-Breve-Ensaio-/(Diversos); http://blog.berzins.eu/gerasimov-syria/(Acesso em 12/2016) ehttps://jamestown.org/program/gerasimov-revamps-russian-military-hard-power-based-syria-lessons/(Acesso em 02/2017).

(6) O idealizador e Presidente da novel Academia é o General de Exército Makhmunt Gareev reputado cientista militar e historiador, último Vice Chefe de Estado-Maior da União Soviética. Autor prestigiado de inúmeras obras sobre estratégia, questões militares em geral e história militar. Dentre elas se destaca If War Comes Tomorrow?: The Contours of Future Armed Conflict (Soviet, Russian Military Theory and Practice, 1998 (Disponível na Amazon/Kindle).

(7) Esses eventos caracterizaram-se por operações cinéticas e acinéticas, com prevalência destas últimas. As operações cinéticas indicam a movimentação de elementos físicos e as forças e energia associadas a eles, ao passo que operações não-cinéticas se relacionam com a ação para influenciar determinada audiência, mediante mídia impressa ou eletrônica, operações cibernéticas, guerra eletrônica … etc. Estrategistas e teoristas de defesa e da segurança vêm discutindo há décadas o surgimento de “guerras novas”, juntamente com outras nomenclaturas associadas, sendo que a essência dessas discussões assemelha-se à evolução apontada por Gerasimov. Está muito claro que guerras do passado, por exemplo, entre as forças “azul” e “vermelha”, num campo de batalha definido, são exatamente isto – guerras do passado.

(8) De acordo com o AFDD 2-5 (US Air Force Doctrine Document), “Operações de Influência” são aquelas focadas em intervir nas percepções e condutas de líderes, grupos ou populações inteiras. São empregadas habilidades para acometer ações, operações de proteção, ordens de comando e, ao mesmo tempo, lançar informações precisas para obter efeitos por todo o plano cognitivo. Esses efeitos podem resultar em ações contaminadas ou em alterações no ciclo de decisões do adversário. As competências militares das “operações de influência” são as operações psicológicas (PYSOP), ações diversionárias (MILDEC), operações de segurança (OPSEC), operações de contra inteligência (CI), operações de affaires civis (PA) e operações de contrapropaganda.  (…) Essas atividades das “operações de influência” permitem ao Comando preparar e delinear o campo de batalha, transmitindo informações e indicativos selecionados para os ouvintes-alvo e configurando as percepções dos tomadores de decisão, colhendo informações amigáveis, defendendo contra sabotagem, protegendo contra a espionagem, reunindo informes e comunicando informação selecionada sobre atividades militares para a audiência global.

(9) http://www.sldinfo.com/wp-content/uploads/2014/05/New-Generation-Warfare.pdf

(10) http://www.iiss.org/en/publications/survival/sections/2016-5e13/survival–global-politics-and-strategy-august-september-2016-2d3c/58-4-02-ven-bruusgaard-45ec

 

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