Gen Pinto Silva – Ataque Americano no Iraque

ATAQUE AMERICANO NO IRAQUE

 

Possível campo de batalha, em que as atuais vantagens norte-americanas poderão se transformar em fraquezas, e os domínios nos quais eles têm superioridade poderão se converter em áreas de um violento embate.

 

Carlos Alberto Pinto Silva [1]

 

1. REFLEXÕES E PONDERAÇÕES INICIAIS

– A luta pelo Poder continua real e verdadeira no nosso mundo globalizado. Poder geopolítico das nações pressupõe potencial econômico, político, e estratégico militar. Países se movimentam conforme seus interesses e obtém sucesso em função de sua capacidade e vontade de exercer Poder.

– Para Max Weber o Poder é a capacidade de obrigar, o que implica a coação. Para Norberto Bobbio o Poder é a capacidade de influenciar, o que implica também meios de persuasão.

– Nas relações internacionais a função do Poder é fazer prevalecer o interesse nacional de um Estado sobre o dos outros. Na coação, limite máximo de utilização de poder, temos o recurso ao uso dos meios militares e, no caso, para se exercer o Poder é preciso ter Força Militar capacitada, preparada e pronta para o emprego.

O mundo vive, com a Guerra Híbrida, uma fase de Guerra Política Permanente: sem frente de batalha e sem regras de engajamento. Partimos do conceito de que guerra e paz são parte do mesmo fluxo das relações internacionais.

– O mundo agora está em um estado de luta incessante, a paz é relativa, não há inimigos e sim Estados e grupos empreendendo ações hostis em defesa dos seus interesses.

– É um novo campo de batalha, de modo que o foco do conflito foi afastado do domínio da arte da guerra convencional, e isso foi feito ampliando o espectro do conflito, para incluir vários elementos do poder nacional.

Significa que todos os meios estarão em prontidão [2], que a todos a informação estará onipresente e o campo de batalha será em qualquer lugar de interesse. Significa que todas as armas e tecnologia serão superpostas, e as fronteiras entre os dois mundos, guerra e não guerra, militar e não militar, serão totalmente eliminados.

– A doutrina "Responsabilidade de Proteger", estabelecida pela ONU em 2005, em que discorre sobre o dever da ONU de proteger civis, mesmo que armados, atacado pelas Forças Armadas do seu próprio país, ou seja, de tomar partido em conflitos internos nos Estados membros está em pleno vigor [3], pode servir para justificar o ataque dos Estados Unidos no Iraque.

– Estados devem proteger suas populações de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e todos os outros crimes contra a humanidade. Por tanto, quando o Estado não é capaz, ou não assume a responsabilidade de fazê-lo, essa ação recai sobre a comunidade internacional, poderão ser feitas em países onde a ordem pública tenha sido comprometida, onde haja repressão e violência, onde não haja mais diálogo entre governo e oposição, onde minorias estejam sendo ameaçadas pelo desrespeito aos direitos humanos.

 

2. CIRCUNSTÂNCIAS E POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS

a. IRÃ

O Irã, a despeito das pressões da comunidade internacional, permanece determinado a levar adiante seu programa nuclear. O governo teocrático de Teerã disputa com a dinastia wahabista da Arábia Saudita a hegemonia cultural sobre o mundo muçulmano.

Os conflitos no Afeganistão, Iraque e Síria permitiram-lhe ampliar sua influência sobre o chamado “arco xiita”, que se estende do oeste do Afeganistão ao sul do Líbano, passando pelos antigos territórios da Pérsia, Mesopotâmia e Síria. Seus estreitos vínculos com o Hezbollah no Líbano, com as milícias xiitas na Síria, no Líbano e no Iraque, com os houthis no Iêmen e, ainda, o suposto envolvimento com outras organizações extremistas denotam sua participação no terrorismo internacional.

Alguns especialistas advogam que a Guerra do Líbano de 2006, entre as Forças de Defesa de Israel e o Hezbollah, foi um laboratório, onde se testaram as táticas terrestres assimétricas desenvolvidas pelo Irã.

A estratégia iraniana foi construída com base na ideia de defesa avançada, que era afastar as ameaças da fronteira iraniana. Essa estratégia expandiu a influência do Irã de uma forma muito pouco convencional e desestabilizadora em toda a região, mas protegeu o Irã e fomentou a projeção de Teerã em diversos países.

Assim sendo, a conduta futura do Irã [4] tende a se subordinar, claramente, a quatro premissas:

 

– um embate direto contra as forças armadas dos EUA, o que seria extremamente desvantajoso e arriscado e, portanto, deve ser evitado;

– emprego de outros meios, que não as alternativas militares tradicionais, na consecução dos objetivos nacionais, particularmente na manutenção da coesão interna;

– dispor de poderio bélico convencional, apoiado por China e Rússia, que, embora não seja suficiente para lhes assegurar uma vitória militar definitiva sobre os EUA, permita-lhes manter a estabilidade de crise [5], e,

– envolver outros atores em ações militares limitadas contra instalações militares ou civis dos EUA e seus aliados, particularmente no Oriente Médio, e arrastar Israel para o epicentro da crise.

O Irã certamente, empenhar-se-á em empregar um conjunto de habilidades estratégicas (Ferramentas à disposição do Poder Nacional) [6] para anular as vantagens Americanas no conflito, e para manter o “Status quo”.

 

 

b. ESTADOS UNIDOS.

O fim da Guerra Fria promoveu a ideia de que o combate contra um inimigo de poder de conflito equivalente não mais ocorreria.

O país passou, então, a organizar-se para combater não mais um inimigo de poder de combate equiparado, mas sim forças de insurgência e organizações terroristas.

O ambiente estratégico mudou consideravelmente desde então. A agressão russa contra a Ucrânia e a conduta cada vez mais belicosa dos norte-coreanos e iranianos são excelentes exemplos. Tudo contribuiu para a impressão de que o Exército Americano precisava adaptar-se rapidamente a uma maior possibilidade de um combate terrestre de grande vulto contra adversários consideravelmente mais capazes que a Al Qaeda, os insurgentes iraquianos e o Talibã.

Em vista disso ocorreu uma mudança no ambiente operacional global [7].O provável inimigo adaptou-se ao modo americano de combater, buscou formas de sobrepor a superioridade tecnológica, passou a agir em domínios inovadores, em brechas que os EUA não exercem a supremacia de poder e passaram a usar os efeitos da Assimetria Reversa (efetiva limitação do emprego da superioridade militar no conflito ou em certo momento do conflito).

Além disso, surgiram ameaças, tais como a Rússia, a China, o Irã e a Coréia do Norte, que se concentraram nas vulnerabilidades americanas percebidas, modernizaram suas forças e expandiram suas capacidades e passaram a ser consideradas como Estados de Poder de Combate Regionalmente Equiparado [8]ao dos EUA [9].

Vale ressaltar que dia 30 de maio de 2000, o Pentágono lançou um documento intitulado “Visão Conjunta: 2020”, que visava explicitamente à Dominação de Espectro Total, que define como ser "Persuasivo na paz; Decisivo na guerra; Proeminente em qualquer forma de conflito".

O documento previa as ameaças militares que os Estados Unidos poderiam enfrentar no ano de 2020 e possíveis respostas a essas ameaças, isto é, "a capacidade de as forças dos EUA, operando sozinhas ou junto com aliados, derrotarem qualquer adversário e controlarem qualquer situação no espectro das operações militares"

Nesse sentido é importante chamar atenção para o Combate em Múltiplos Domínios [10], um conceito movido por uma escolha proativa, que leva em consideração a ameaça de insucesso. É uma resposta às observações dos acontecimentos no Mar do Sul da China, Guerra de Nova Geração da Rússia e desafios em curso no Oriente Médio.

Quando a nação convocar o Exército dos EUA a lutar e vencer sua próxima guerra, o ambiente operacional será diferente das circunstâncias de experiências recentes. Será definido por um inimigo que desafiará sua capacidade de manter a liberdade de manobra e superioridade nos domínios aéreo, cibernético, terrestre, marítimo e espacial e no espectro eletromagnético.

O Combate em Múltiplos Domínios está sendo desenvolvido para ajudar a preparar o Exército para esses possíveis campos de batalha futuros, em que as atuais vantagens norte-americanas poderão se transformar em fraquezas e os domínios nos quais os EUA têm superioridade, atualmente, poderão se converter em áreas de um violento embate.

Na atual, conjuntura ofuturo poderá ter chegado ao Oriente Médio. Com um conflito de Assimetria Reversa queé “todo e qualquer tipo de conflito bélico em que, pelo menos em algum momento, existe a efetiva limitação ou, em termos mais precisos, autolimitação do emprego da evidente superioridade militar e, particularmente, tecnológica no campo de batalha”.

Segundo Andrew Korybko [11], uma forma de proteger e projetar os seus interesses estratégicos e políticos na região seria a  "A Liderança por trás dos panos" que permitiria que os EUA terceirizem as operações de desestabilização contra o  Irã e seus apoiadores, para aliados regionais, com ideias afins, se a operação for considerada muito onerosa as suas forças militares, ou politicamente sensível para os EUA perseguirem de forma direta e unilateralmente.

Com a desestabilização do Irã e dos seus apoiadores na região, os EUA tentarão ganhar controle sobre aspectos intangíveis, tais como sociedade, ideologia, psicologia e informação, e a ação será complementada por uma Guerra Não Convencional, visando à dominação tangível e o controle de toda a região.

Acreditamos que o conflito permanecerá na “Zona Cinza”[12]:Que de acordo com Hal Brands “é uma atividade coercitiva e agressiva por natureza, mas deliberadamente concebida para permanecer abaixo dos limites de um conflito militar convencional”. Ou seja, “a Zona Cinzase caracteriza por uma intensa competição política, econômica, informacional e militar, mais acirrada que a diplomacia tradicional, porém inferior à guerra convencional”.

Resta a expectativa de que os líderes dos Estados e grupos não estatais envolvidos no longo conflito do Oriente Médio tenham sabedoria para evitar uma violenta Guerra Convencional.

 


[1] Carlos Alberto Pinto Silva / General de Exército da reserva / Ex-comandante do Comando Militar do Oeste, do Comando Militar do Sul, do Comando de Operações Terrestres, Ex-comandante do 2º BIS e da 17ª Bda Inf Sl, Chefe do EM do CMA, Membro da Academia de Defesa e do CEBRES.

 

[3] Como exemplo o episódio em que o Conselho de Segurança da ONU autorizou o ataque armado internacional à Líbia, “para proteção de civis” contra as forças de Muammar Gaddafi, manifesta a imposição por países proeminentes, a aceitação por estados secundários e, por que não? a omissão dos países emergentes, da chamada “Defesa Coletiva da Democracia”.

 

[4] “Estado com poder de combate regionalmente equiparado”

 

[5] Estabilidade de Crise – é o reconhecimento pelas nações que nenhuma delas pode tirar vantagem substancial sobre outra numa ação armada limitada.

[6] Emprego “agressivo” de meios não militares, apoiados por alternativas militares de efeito não cinético (não letais), sobretudo operações de informação e guerra cibernética, e emprego de meios militares para alcançar objetivos estratégicos, sem, contudo, provocar uma intervenção norte-americana.

[7] As rígidas regras de guerra mudaram… (assim) o foco dos métodos dos confrontos, “para um conflito de espectro ampliado em direção a um importante emprego de medidas de caráter Político, Econômico, Informacional, Humanitário e outras tipicamente não militares … aplicadas em coordenação com o potencial dos protestos da população alvo”.

 

[11] Livro Guerras Híbridas: A Abordagem Adaptativa Indireta Com Vistas à Troca De Regime

 

[12]  "Guerra Política".

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