A Europa vive uma guerra por outros meios

Patrono do moderno pensamento militar, o barão austríaco Carl Von Clausewitz (1780-1831) produziu uma definição célebre e precisa: “A guerra é a continuação da política por outros meios”. O foco das preocupações de Clausewitz eram as guerras na Europa, continente que, muito antes e muito tempo depois de sua morte, abrigou os mais terríveis morticínios produzidos pela humanidade.

Quase dois séculos depois, o pensamento de Clausewitz mantém-se atual, embora seja preciso mudar o sujeito da frase clássica. Quem visitar o Velho Continente, hoje, não verá tanques que atravessam fronteiras nem bombardeios que ameaçam populações civis. Mas o impasse profundo gerado pela crise de sua moeda única, o euro, revela que a Europa vive uma guerra por outros meios.

Em 1957, quando seis países se uniram sob a liderança da Alemanha e da França para criar a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, embrião da União Europeia de nossos dias, os líderes do Velho Mundo alimentavam um projeto político admirável: usar a pujança econômica do Velho Mundo para transformá-lo numa região de paz e bem-estar. Sob vários aspectos, o projeto europeu é um sucesso.

Desde que os alemães se renderam aos aliados, em 1945, não há guerras entre os membros da União Europeia. Sua criação foi acompanhada por um período de prosperidade que envolveu mesmo nações menos desenvolvidas.

Mas o prolongado conflito em torno do euro demonstra que os europeus continuam divididos em nações soberanas e são leais a seus próprios países e àquilo que, em cada um deles, se entende por interesse nacional. Na superfície, é correto dizer que o impasse tem uma origem institucional.

O Banco Central Europeu não tem apoio nem força política para tomar medidas capazes de tranquilizar o sistema financeiro. Na raiz do problema, encontra-se uma questão mais profunda. A unificação da moeda europeia não criou uma estrutura de governança política capaz de se sobrepor aos interesses nacionais para defender o bem comum. E isso abre espaço a conflitos entre Estados-membros.

Alavanca da União Europeia, a Alemanha é contra toda medida que possa ameaçar o bem-estar de sua população. Não quer, portanto, que o dinheiro do contribuinte alemão seja usado para financiar a gastança de outros governos. O vice-rei Nicolas Sarkozy mantém postura idêntica, pelo menos enquanto não chegar à conclusão de que a economia francesa corre mais riscos do que aparenta. Como é previsível, tal postura provoca reações de inconformismo e indignação entre italianos, espanhóis, portugueses, gregos e irlandeses.

Todos os lados têm seus argumentos e suas razões. Proteger a população de sacrifícios desnecessários é a essência de toda liderança política. Nascida sob a égide da globalização e da formação dos blocos regionais, a União Europeia foi a iniciativa mais ambiciosa entre tantas outras. Além de abrir fronteiras, eliminou as moedas nacionais, passo tão ousado que dez, entre 27 países-membros, preferiram conservá-las como parte de sua soberania.

Antes de completar dez anos de existência, o euro desafia os governos europeus a negociar uma saída equilibrada para 17 partes. Nunca se fez isso antes. A alternativa é a ruína de países e povos, saldo inevitável das guerras que todos queriam evitar em 1957.

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