Vitimização é eixo da diplomacia de populistas latino-americanos

FEDERICO FINCHELSTEIN
ESPECIAL PARA A FOLHA

 
A presidente argentina, Cristina Kirchner, tentou recentemente estabelecer um diálogo via Twitter com o presidente Barack Obama.

Ela acusava Obama, que nunca respondeu, de nomear funcionários vinculados aos "fundos abutres" que levaram a Argentina à moratória. No ano passado, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, perguntou a Obama se ele sabia de planos para assassiná-lo. Da mesma forma, ficou sem resposta.

O populismo latino-americano se coloca como vítima e faz desse exercício o eixo de sua política externa. Maduro frequentemente retrata seu governo como vítima do imperialismo dos EUA e, com esse mesmo argumento, defende o governo sírio, segundo ele também vitimado.

O presidente do Equador, Rafael Correa, recentemente expressou uma ideia muito particular na RT (a rede russa de notícias para a América Latina) sobre a periculosidade de Obama e dos EUA, dizendo que parecem a retórica do nazismo.

A ideia de vitimação apocalíptica permite confundir democracias e ditaduras, e também, no caso de Correa, fundir fascismo com liberalismo. Permite ainda eliminar diferenças globais e inscrever a América Latina numa realidade como a do Oriente Médio, que na verdade lhe é muito alheia.

Esse tipo de argumento pitoresco deve ser visto no contexto de uma ideologia que funde os imperativos de sua realidade local com situações globais.

Na Argentina, Cristina também se descreve como potencial vítima do Estado Islâmico, a milícia terrorista que ocupa parte de Iraque e Síria. Terão as coordenadas geopolíticas argentinas mudado?
E, a partir dos argumentos de Maduro, que relação geopolítica pode existir entre a Venezuela e a ditadura síria?

Nessas colocações, a culpa sempre está fora do populismo governante e, mais ainda, fora do país. A mesma coisa se dá em países como Nicarágua e Equador. Os que se opõem ao governo são apresentados como participantes conscientes ou inconscientes de interesses externos.

Para os populismos latino-americanos, a autovitimação anda de mãos dadas com a paranoia. O espetáculo como política toma o lugar da falta de evidências da existência de supostos e espetaculares complôs globais.

FEDERICO FINCHELSTEIN é diretor do Departamento de História da New School For Social Research e do Lang College (NY)

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