O reposicionamento da Arábia Saudita – Roberto Lopes

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O editor

O reposicionamento da Arábia Saudita

 
 

Roberto Lopes
Jornalista especializado em assuntos militares.
Em 2000 graduou-se em Gestão e Planejamento de Defesa
no Colégio de Estudos de Defesa Hemisférica da Universidade de Defesa Nacional
dos Estados Unidos, em Washington (Fort Leslie F. McNair).
É também pesquisador associado ao Laboratório de Estudos da Etnicidade,
Racismo e Discriminação da Universidade de São Paulo.
Autor de vários livros, em maio de 2001 publicou a monografia
“Oportunidade para Civis na Condução dos Assuntos da Defesa Nacional:
 o Caso do Brasil”.

 
 

A viagem de três dias do vice-ministro da Defesa da Arábia Saudita – acompanhado de 16 colaboradores de sua Pasta – ao Paquistão, na terceira semana de janeiro, no sentido de “identificar áreas de cooperação”, foi o sinal mais recente de que o governo de Riad, principal aliado dos Estados Unidos no mundo árabe, está buscando se reposicionar no plano estratégico-militar, depois da seqüência de frustrações experimentadas com as atitudes do governo democrata de Barack Obama no plano internacional.

Os sauditas se decepcionaram com os anúncios de retirada das tropas americanas do Iraque e do Afeganistão, com as negativas de Washington em atacar as instalações nucleares iranianas e em derrubar o governo de Bahar Al-Assad por meio de um bombardeio aéreo, como foi feito no caso da Líbia. A equipe liderada pelo vice-ministro príncipe Salman bin Abdulaziz bin Sultan al Saud, esteve no Paquistão como resultado de um processo de aproximação iniciado pela visita do chefe da diplomacia saudita, Saud al Faisal, a Islamabad em 2013.

No último dia da peregrinação do príncipe, a comitiva conheceu o Comando de Defesa Aérea da aviação militar paquistanesa. Um porta-voz revelou que os representantes de Riad mostraram interesse no caça sino-paquistanês JF-17 Thunder. Washington não despreza a desilusão dos sauditas.

A insistência do Secretário de Estado americano John Kerry em obter, pela via da negociação, uma fórmula de afastar Assad do poder em Damasco tem a ver, diretamente, com esse desagrado. Riad tem franqueado os portos e bases aéreas do seu território aos aviões e navios americanos.

O apoio da Família Real saudita revelou-se igualmente importante para que o governo do Reino de Bahrein decidisse manter em seu território, no Golfo Pérsico – bem defronte à costa iraniana –, o mais importante comando militar americano no Oriente Médio (à exceção do que está sendo extinto em Cabul, no Afeganistão).

Há mais de dois anos que a realeza saudita expressa a representantes civis e militares americanos sua preocupação com a possível volta do Talebã ao comando da política afegã; e também com o reinício dos experimentos nucleares iranianos, tão logo o regime de Teerã tenha obtido novo fôlego financeiro por meio do afrouxamento das sanções econômicas impostas pelo Ocidente.

Os 250.000 homens das Forças Armadas e dos corpos auxiliares sauditas são especialmente importantes para a estratégia de contenção dos inimigos dos Estados Unidos no Oriente Médio. Riad tem à sua disposição cerca de 300 aeronaves de combate distribuídas por 13 esquadrões, que podem ser deslocados por qualquer uma das 15 bases aéreas em funcionamento no país.

Mas, nesse momento, o que mais chama a atenção dos estrategistas é a forte expansão da Marinha saudita, que pretende reforçar a sua frota de 100 navios de superfície com uma flotilha de 25 submarinos (convencionais) – os oito primeiros, alemães. Dinheiro para isso, como se sabe, não falta. Analistas sediados no Oceano Índico enxergam a aproximação Riad- Islamabad como uma forma de os sauditas reduzirem a sua forte dependência dos equipamentos militares de origem ocidental (americana e europeia).

Por exemplo: todos os recursos do Comando de Defesa Aérea dos sauditas – subordinado ao Exército –, dispositivo que reúne 23 radares de longo alcance e de emprego tático, além de dezenas de bases de lançamento de mísseis antiaéreos Hawk, está ativo por conta da cooperação entre Washington e Riad.

Mas agora os sauditas falam em adquirir radares paquistaneses, desenvolvidos, em suas primeiras versões, com base nas tecnologias da China e da Rússia. O interesse pelo caça multifunção JF-17 também é uma novidade um tanto surpreendente. Os sauditas estão recebendo o caça-bombardeiro Eurofighter Typhoon, e a versão SA – sigla de Saudi Advanced (“Saudita Avançado”) – do jato F-15, ambos com tecnologias ainda inatingíveis para a cooperação sino-paquistanesa no campo aeronáutico.

Por quê, então, examinar a compra dos JF-17? Apenas para deixar seus aliados estadunidenses inquietos? Há um outro ponto que chama a atenção dos americanos. Sete meses atrás os militares sauditas inauguraram, num subúrbio de Riad, o novo quartel-general e a moderna academia de formação de pessoal da sua secretíssima Força de Mísseis Estratégicos.

Washington lida com a informação de que a Arábia Saudita possa estar negociando com a China a aquisição do míssil balístico Dong Feng (“Vento Leste”) 21, um vetor de quase 11 metros de comprimento e cerca de 15 toneladas, movido a propelente sólido, para uso de precisão contra alvos a até 1.700 quilômetros de distância – capaz de alcançar Teerã ou Bagdá a partir de bases no nordeste do território saudita.

É preciso notar que a indústria de material de Defesa do Brasil parece à margem desse esforço de Riad por diversificar as suas fontes estrangeiras de armamentos. O Exército saudita ainda usa sistema Astros 2 de foguetes de artilharia fabricado pela empresa paulista Avibras – e gosta do equipamento –, mas a embaixada brasileira e a própria indústria nacional parecem ter perdido a oportunidade política de participarem desse processo de reposicionamento estratégico do país mais rico em petróleo do mundo.

Seria necessário que, por meio de seu Ministério da Defesa, o governo Dilma Roussef se dispusesse a fazer um gesto, uma manobra institucional na direção de Riad. Mas, convenhamos, reunir os três comandantes das Forças Armadas e mais o chefe do Estado-Maior de Defesa, para uma sessão de blá-blá-blá com o Secretário da Defesa e do Desenvolvimento Urbano (?!) do Sri Lanka, como foi feito recentemente, é muito mais fácil. Ainda que, a rigor, não resulte em nada de útil. Nada.

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