Brasil e EUA ‘congelam’ acordo sobre adesão ao Global Entry

Daniel Rittner

O esfriamento das relações entre Brasil e Estados Unidos colocou na geladeira, sem perspectiva concreta de retomada, um acordo que estava prestes a ser celebrado para facilitar a entrada de cidadãos brasileiros em território americano. A expectativa dos dois países era anunciar em outubro, durante visita da presidente Dilma Rousseff a Washington, uma espécie de contrato de adesão do Brasil ao Global Entry.

O programa, que já beneficia cidadãos de países como Alemanha e Coreia do Sul, dispensa viajantes frequentes aos Estados Unidos de procedimentos lentos e filas demoradas em postos de imigração. Quem viaja com assiduidade – principalmente homens e mulheres de negócios – pode se cadastrar no programa e recebe uma pré-aprovação das autoridades americanas para entrar no país.

Com isso, em vez de esperar um agente de imigração e explicar os motivos de cada visita, os participantes podem "driblar" as filas e submeter seus passaportes à leitura eletrônica em quiosques instalados em 44 aeroportos. A experiência demonstra que o tempo médio de liberação diminui para menos de um minuto. Os terminais que mais recebem voos do Brasil, como Miami e John F. Kennedy (Nova York), estão incluídos na lista.

A adesão do Brasil ao Global Entry deu um passo importante em outubro de 2012. Na ocasião, autoridades dos dois países abriram caminho para um acordo, que avançou nas áreas técnicas ao longo deste ano. Uma reunião de "alto nível" havia sido planejada, às vésperas da visita de Dilma, para fechar os termos de uma "declaração" que pudesse ser feita, em Washington, ao lado do presidente Barack Obama.

No início das negociações, previa-se a entrada de até 5 mil viajantes frequentes em um projeto-piloto do Global Entry com o Brasil. Depois, a dimensão foi reduzida e esperava-se contemplar cerca de 1,5 mil brasileiros. O prazo de implantação não seria imediato e havia requisitos a cumprir. No caso do México, por exemplo, houve o intervalo de um ano entre o anúncio e a implantação. Aqui, restavam indefinições sobre quais aeroportos brasileiros poderiam ter sistema equivalente ao Global Entry e como funcionaria, na prática.

O programa não tem relação com a necessidade de vistos. Requer uma inscrição, no valor de US$ 100, e entrevista em um consulado americano. Quem é aprovado obtém o benefício por um período de cinco anos, mas continua precisando de visto, caso não haja acordo de dispensa entre os países. A vantagem é a rapidez nos procedimentos imigratórios. A mais recente adesão ao programa foi do Panamá, no mês passado.

Apesar da necessidade de acertar os últimos detalhes, as negociações já estavam tão azeitadas que o secretário americano de Estado, John Kerry, e o então chanceler Antônio Patriota chegaram a dar um acordo como certo, durante entrevista conjunta em Brasília, em agosto. Logo depois, no entanto, o escândalo de espionagem eletrônica dos Estados Unidos ganhou novos contornos e a viagem de Dilma foi cancelada.

Desde então, não há mais perspectiva para concluir as negociações em torno da adesão do Brasil. Na linguagem diplomática, "perdeu-se o sentido de urgência". Em termos concretos, nenhuma reunião foi remarcada para fechar o acordo e a hipótese mais otimista é que ele volte à agenda em algum momento de 2014. Mas até isso é incerto.

Nos Estados Unidos, as discussões são conduzidas pelo Departamento de Estado e pelo Departamento de Segurança Nacional (Homeland Security). Do lado brasileiro, o núcleo de negociadores é composto por Itamaraty, Ministério da Justiça, Polícia Federal e Receita Federal. Há acompanhamento direto da Casa Civil.

Um funcionário do governo americano com conhecimento das negociações diz que elas estão "paradas" atualmente, pelo menos nos níveis "mais altos", mas podem ser retomadas "a qualquer momento". "Estamos prontos para voltar à mesa e discutir especificidades técnicas", afirma.

Em Washington, embora se entenda a postura política de congelar esse tipo de conversa após o escândalo de espionagem, cresce um sentimento na administração Obama de que já chegou a hora de separar as coisas e retomar negociações em estágio avançado e mutuamente benéficas, como o caso do Global Entry.

A comunidade de negócios está ansiosa pelo desfecho das discussões sobre o programa. "Ele diminui o tempo de fila e facilita a viagem", frisa Michelle Shayo Tchernobilsky, gerente de relações governamentais da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos (Amcham). Segundo ela, o Global Entry é "um símbolo importante" para os empresários, mas "não necessariamente uma prioridade" para os governos.

No setor privado, a percepção é de que o cancelamento da visita de Dilma "deu uma esfriada" nas conversas, mas que elas serão retomadas em breve. "Todo mundo entende que a tramitação usual das coisas continuará avançando. O importante é que há boa disposição de ambos os lados."

Para o cientista político João Augusto de Castro Neves, analista-sênior da consultoria Eurasia Group, o governo brasileiro ainda está em "período de observação" dos desdobramentos do escândalo de espionagem. "O cancelamento atrapalha e esfria um pouco a agenda, mas não vai arruinar ou tirar dos trilhos a maioria das negociações. O setor privado dos dois lados tem enorme interesse nas discussões e isso gera uma dinâmica própria nas relações bilaterais", afirma Neves.

O analista da Eurasia acredita que a velocidade na retomada da agenda depende muito da postura da Casa Branca. "O ideal seria um pedido de desculpas ou um gesto concreto de Obama para aumentar o nível de confiança. Sem isso, é uma questão de tempo, mas é certo que a poeira tende a assentar nos próximos meses."

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