Guerra Irregular: Bda Inf Pqd do Exército Brasileiro na pacificação das favelas do RJ

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General de Brigada Roberto Escoto
 

“A lthough differences between gangs and insurgents regarding motives and modes of operations exist, this linkage infers that third generation gangs (3G2) are mutated forms of urban insurgency.” [I]

Max G. Manwaring (Ph.D. in Political Science), U.S. Army War College.


A Brigada de Infantaria Paraquedista – Bda Inf Pqdt e a 12ª Brigada de Infantaria Leve Aeromóvel – 12ª Bda Inf L (Amv) são as Brigadas de Infantaria do Exército Brasileiro que, além de integrarem as Forças de Atuação Estratégicas (FAE), também constituem as Forças de Ação Rápida Estratégicas (FAR-E), pois possuem capacidade de pronta resposta e de projeção de força em qualquer parte do território brasileiro e no entorno estratégico do país. É por estas mesmas razões que, nos melhores exércitos do mundo, tropas paraquedistas e aeromóveis são as primeiras a serem empregadas como forças expedicionárias.

Nos conflitos irregulares assimétricos do século XXI, o emprego de forças de operações especiais (FOpEsp) e de forças convencionais (F Convl) paraquedistas e aeromóveis aptas a intervir, com rapidez e eficácia, como forças de contingência em situações de crise e de conflito, tem sido cada vez mais frequente. A 82nd Airborne Division , a 101st Airborne Division e a 173rd Airborne Brigade , dos EUA, e a 16th Air Assault Brigade , do Reino Unido, tiveram papel preponderante nas operações de combate a grupos de violência extremista no Afeganistão e no Iraque, assim como a 11e Brigade Parachutiste , da França, no Afeganistão e no Mali.

A violência extremista é o resultado de crenças e ações de indivíduos ou grupos que empregam a violência para a consecução de objetivos de natureza política, ideológica, social, étnica ou religiosa. Inclui a insurgência, a subversão, o terrorismo e outras formas de violência comum. [II] As forças irregulares constituem o braço armado desses grupos que recorrem à guerra irregular para alcançar seus objetivos.

O mesmo papel preponderante coube às tropas paraquedistas quando o Exército Brasileiro foi empregado no combate à violência extremista nos anos 60 e 70 e nas situações de crise na segurança pública em diversos Estados da federação, provocadas por inexistência, insuficiência ou indisponibilidade dos órgãos de segurança pública estaduais. Historicamente, a Bda Inf Pqdt tem sido a primeira tropa a ser empregada para cumprir estas missões previstas na Constituição da República Federativa do Brasil.

Em 94 e 95, a Bda Inf Pqdt, reforçada por batalhões de infantaria do Exército e da Força Aérea, foi empregada na Operação Rio, devido ao aumento da violência nos morros e sua extensão para outros bairros da cidade, que criou um clima de insegurança implantado pelos narcotraficantes e as diversas gangues frequentadoras de bailes funk, consumidoras de drogas e promotoras de arrastões.

De novembro de 2010 a fevereiro de 2011, diante de mais uma crise de segurança pública na cidade do Rio de Janeiro, que sediaria uma sucessão de grandes eventos de repercussão internacional, a Bda Inf Pqdt foi a primeira tropa a ser empregada na Operação Arcanjo, nos complexos de favelas do Alemão e da Penha, numa operação de pacificação (Op Pac) que duraria 583 dias.

Em abril de 2014, após diversos ataques às Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que causaram inúmeras mortes de policiais militares e danos às suas instalações, material e viaturas, uma vez mais a tropa paraquedista foi a primeira a ser empregada na difícil missão de pacificar o maior complexo de favelas do RJ, com 15 comunidades e uma população de cerca de 140.000 habitantes, equivalente a uma cidade brasileira de médio porte, aterrorizada pela ação violenta de três facções criminosas rivais que utilizam táticas, técnicas e procedimentos de grupos de violência extremista – o Comando Vermelho (CV), o Terceiro Comando Puro (TCP) e as milícias.

A raiz histórica disso é a origem do Comando Vermelho, organização criminosa que descende da Falange Vermelha, criada em 1979 na prisão Cândido Mendes , na Ilha Grande , em Angra dos Reis . No início dos anos 80 , após anos de convivência com terroristas, os presos foragidos da Ilha Grande começaram a realizar numerosos assaltos a bancos, empresas e joalherias, colocando em prática os ensinamentos do Minimanual do Guerrilheiro Urbano, do terrorista Carlos Marighella[]realizar.

Ainda no início da década de 90 , o Comando Vermelho influenciou a criação do Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo , organização criminosa cujo envolvimento com o grupo terrorista Hezbollah desde 2006, na região da tríplice fronteira Brasil – Argentina – Paraguai, tem ficado cada dia mais evidente após novas investigações da Polícia Federal. [III]

Outro forte indício da associação do crime organizado e do narcotráfico com grupos de violência extremista é que, em abril de 2001, o traficante Luiz Fernando da Costa, mais conhecido como Fernandinho Beira-Mar, líder do Comando Vermelho, foi preso na Colômbia onde, segundo investigações, negociava a troca de armas por cocaína com guerrilheiros das FARC. [IV]

Este artigo analisa as fases de planejamento, preparo e emprego da Bda Inf Pqdt na pacificação do complexo de favelas da Maré, na cidade do Rio de Janeiro, e apresenta as principais lições aprendidas e os resultados da operação. Examina, ainda, seus reflexos para a organização, o equipamento e a doutrina de emprego das Brigadas de Infantaria do Exército Brasileiro, destacando a importância do preparo para operações contra forças irregulares em ambiente urbano e rural.
 

PLANEJAMENTO DA OPERAÇÃO

A pacificação do complexo da Maré foi planejada e executada como uma operação no amplo espectro, dentro de um ambiente operacional bastante complexo, instável e incerto. O planejamento deu ênfase às operações de inteligência, às operações especiais, às operações de informação, às operações interagências e às operações contra forças irregulares em ambiente urbano.

A missão da Força de Pacificação (F Pac) MARÉ foi, a partir de 05 Abr 14, realizar a interdição e o investimento a pé, motorizado e mecanizado sobre toda área de operações Maré (A Op MARÉ); substituir as tropas da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) que estavam operando na área; e conduzir operações para pacificar a A Op MARÉ, em conjunto com os Órgãos de Segurança e Ordem Pública (OSOP) e outras agências civis (governamentais e não governamentais). Para isso, proteger a população; impedir e reprimir as ações das facções criminosas; prender seus integrantes; e apreender armamento, munição, drogas e outros materiais ilícitos. [V]

A intenção do Comandante da Brigada era explorar ao máximo a inteligência, as operações especiais, as operações de informação; a ofensiva, a surpresa e a massa; estabelecer pontos fortes; realizar operações de saturação de patrulhamento a pé, motorizado e mecanizado; vasculhamento; busca e apreensão; e conquistar o apoio da população da área – centro de gravidade da operação – num esforço integrado, coordenado e sincronizado de operações interagências. Tudo com a finalidade de suprimir ou reduzir a liberdade de ação das facções criminosas e estabelecer e manter um ambiente seguro e estável para a população da área. [VI]

O estado final desejado (EFD) era a conquista do apoio ativo da população e a desarticulação das facções criminosas no interior da A Op. Isto contribuiria para assegurar um ambiente seguro e estável (objetivo estratégico) e para criar as condições adequadas para a instalação de UPPs na A Op MARÉ (objetivo político).

A escolha do apoio da população como centro de gravidade significa que a F Pac enfatizou as operações centradas na população (population-centric operations) , nas quais há preponderância do estudo e aproveitamento do terreno humano sobre o terreno físico.

Dentre os fatores da decisão, as considerações civis tiveram altíssima prioridade. Além disso, as operações de inteligência não se limitaram ao levantamento de informações sobre as forças oponentes, como ocorre em conflitos convencionais entre atores estatais. A inteligência também priorizou a coleta e a busca de informações sobre a população – centro de gravidade dos conflitos irregulares assimétricos do século XXI.

De acordo com o Gen. Stanley McChrystal, Comandante da International Security Assistance Force (ISAF) no Afeganistão, de 2009 a 2010, “ protecting the people is the mission. The conflict will be won by persuading the population, not by destroying the enemy.” [VII]

PREPARO DA TROPA

Há que se destacar que os primeiros cursos operacionais do Exército Brasileiro – precursor paraquedista, operações especiais e ações de comandos – nasceram na Bda Inf Pqdt nas décadas de 50 e 60. Além disso, em 1964, foi criado o Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) e, em 1967, a Seção de Instrução Especial (SIEsp) da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), ambos com a participação de oficiais paraquedistas como instrutores. Diante disso, a Bda Inf Pqdt pode ser considerada pioneira das operações especiais no Exército Brasileiro, particularmente das táticas, técnicas e procedimentos (TTP) das operações contraguerrilha que foram difundidas para o restante da Força Terrestre (F Ter).

O novo manual de operações de pacificação do Exército Brasileiro (EB20-MC-10.217) estabelece três fases para o emprego da F Ter nas Op Pac: a intervenção, a estabilização e a normalização ( clear, hold and build phases[VIII]). A fase de intervenção tem foco principal nas ações coercitivas, em ambiente urbano ou rural. Na fase de estabilização existe um equilíbrio de ações coercitivas e construtivas, enquanto que na fase de normalização predominam as ações construtivas para o desenvolvimento de um ambiente favorável à retomada do controle do Estado sobre a área de pacificação. [IX]

Para conduzir ações coercitivas com a aplicação do poder de combate terrestre, normalmente em ações conjuntas para neutralizar as forças oponentes, é imperioso que a F Pac esteja apta a planejar e executar operações contra forças irregulares em ambiente urbano e rural.

As operações contra forças irregulares (Op C F Irreg) incluem: operações de interdição de apoio externo; operações de controle da população e dos recursos locais; operações tipo polícia; operações de recuperação das infraestruturas básicas e de assistência humanitária; e operações de combate – contraguerrilha, antiterrorismo (ações defensivas de caráter preventivo) e contraterrorismo (ações ofensivas de caráter repressivo realizadas exclusivamente por FOpEsp).

Não se pode ignorar o fato de que grupos de violência extremista associados a organizações criminosas, tais como as FARC, o Sendero Luminoso, o Exército do Povo Paraguaio (EPP) e o Hezbollah atuam em países fronteiriços e constituem uma ameaça à paz e à segurança nacional por meio da violação de nossas fronteiras para o contrabando e o tráfico de armas, drogas e pessoas ou, na pior das hipóteses, por meio da execução de ações terroristas no interior do território brasileiro. A conjuntura atual ressalta a importância do preparo das Brigadas de Infantaria para Op C F Irreg.

As operações no amplo espectro, especialmente as Op C F Irreg, com maior foco na contraguerrilha e no antiterrorismo, têm recebido grande ênfase no adestramento da tropa paraquedista brasileira. Nos anos de 2012, 2013 e 2014, a Operação Saci, tradicional exercício do programa de adestramento avançado, foi planejada e executada com tropa, dentro de um quadro de conflito irregular assimétrico extrarregional, no qual a Bda fazia parte da força militar de uma coalizão multinacional e iniciava seu desdobramento estratégico por meio de uma incursão aeroterrestre na A Op.
 

EMPREGO DA TROPA

Inteligência

Um acurado e eficaz sistema de inteligência é condição imprescindível para o êxito das Op Pac. Para isso, foi estabelecida uma central de inteligência, chefiada pelo oficial de inteligência (D/2) e constituída pelo pessoal da Seção de Inteligência da Bda Inf Pqdt e reforçada por elementos de inteligência e contrainteligência do Centro de Inteligência do Exército (CIE).

Foi fundamental a realização de reuniões periódicas do comando da F Pac com representantes dos órgãos de inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Estado do RJ, da Polícia Federal, da Polícia Civil e da Polícia Militar, a fim de estabelecer laços pessoais de confiança mútua e canais técnicos para o compartilhamento, análise e difusão de informações.

O planejamento e a condução das operações da F Pac MARÉ foram bastante facilitados, tendo em vista o levantamento estratégico de área elaborado e atualizado em anos anteriores diante da hipótese de emprego da Bda Inf Pqdt naquela A Op. Entretanto, a falta de um estudo prévio do terreno humano, em virtude da cultura do combate convencional da inteligência focada no inimigo ( enemy-centric intelligence ), teve que ser compensada, após o início das operações, pelas operações de reconhecimento especial da Força Tarefa de Operações Especiais (FTOpEsp) e pelo trabalho do Destacamento de Operações de Apoio à Informação (DOAI), da Célula de Cooperação Civil-Militar ( CIMIC ) e das Seções de Inteligência da F Pac, das Forças-Tarefa Batalhão de Infantaria Paraquedista (FT BIPqdt) e do Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais (GptOpFuzNav). Avulta de importância a necessidade de contar com equipes de terreno humano, integradas por especialistas civis e subordinadas à Célula de Operações de Informação.

Em 2011, após o início da Op Pac dos complexos de favelas do Alemão e da Penha, o CIE incluiu na preparação dos contingentes as orientações para a constituição e o funcionamento de Células de Inteligência de Companhia ( Company-Level Intelligence Cells ) [X] , explorando lições aprendidas do Exército e dos Fuzileiros Navais dos EUA na guerra do Afeganistão. [XI]

Aproveitando a experiência brasileira em Op Pac da Operação Arcanjo, a Bda Inf Pqdt determinou o emprego dessas células em todas as companhias operacionais da F Pac Maré, pois são as pequenas frações que, imersas no terreno humano, têm melhores condições para a obtenção de dados.

À Célula de Inteligência, constituída pelo Subcomandante de Companhia (SCmt Cia) e os sargentos da seção de comando, cabia coordenar os esforços de coleta de dados por parte dos pelotões e grupos de combate, realizando briefings na partida e no retorno das patrulhas à base da Cia, ficando em condições de apresentar regularmente ao Cmt Cia e ao S/2 uma atualização sucinta do cenário de inteligência no seu subsetor. [XII]

Diferentemente das operações de combate convencional, nas Op Pac não existe uma dependência muito grande das agências de inteligência dos escalões superiores da Força Terrestre. A F Pac recebia cerca de 90% da inteligência válida dos escalões subordinados, dos dados obtidos pelas Células de Inteligência das Cia. Outra fonte importante eram os informantes, que se comunicavam por contatos pessoais, pelo aplicativo WhatsApp ou pelo disque-pacificação implantado pela F Pac.

A inteligência de imagens ( IMINT ) foi obtida por meio de imagens satelitais, por meio da vigilância por helicópteros e por um sistema de aeronave remotamente pilotada (SARP) do GptOpFuzNav, o CARCARÁ II, de fabricação brasileira. A inteligência de sinais ( SIGINT ) foi obtida por meio da interceptação de sinais pela Célula de Guerra Eletrônica da F Pac e pelas patrulhas que apreendiam equipamentos rádio dos “olheiros” [XIII] e monitoravam as comunicações das facções, permitindo o levantamento de valiosas informações, tais como: suas posições, rotinas, intenções, formas de atuação e sinais de alerta sobre a aproximação da tropa.

A utilização do sistema olho da águia (FLIR), da Aviação do Exército (Av Ex), possibilitou monitorar em tempo real, na base de operações da F Pac, diversas operações executadas pela tropa, garantindo consciência situacional e facilitando a tomada de decisões do comando da F Pac. A capacidade de gerar imagens termais das aeronaves HS-1 Seahawk , da Marinha, e HA-1 Esquilo, do Exército, permitiu identificar nitidamente indivíduos armados de fuzil e pistola em deslocamento noturno no interior da A Op.

Embora a IMINT e a SIGINT tenham sido muito importantes, nada substitui a inteligência humana ( HUMINT ) obtida no contato diário com a população local. Para isso, foi preciso que a população da Maré se sentisse segura o bastante para fornecer informações, sem medo de represálias do tráfico ou das milícias. O ponto chave para isso consistia em tratar a população local com dignidade e respeito, dentro dos preceitos da lei e dos direitos humanos, com a finalidade de atenuar as reações negativas resultantes das operações de vasculhamento (ação exploratória) e de busca e apreensão (ação direcionada).

Manobra

Nas Op C F Irreg, um dos objetivos principais consiste em proporcionar segurança à população para separá-la das forças oponentes e assegurar um ambiente livre da violência e do terror. As pessoas não são o meio de conquistar o objetivo – elas são o objetivo.

Esse tipo de operação emprega grandes efetivos de tropa. Embora as necessidades variem de acordo com o ambiente operacional e as circunstâncias, uma regra empírica, fundamentada na média de militares desdobrados no primeiro ano de oito operações robustas de imposição da paz [XIV] , diz que, para ser bem-sucedida, a operação precisa de 13 integrantes das forças de segurança (forças armadas, polícia e outras instituições semelhantes) para cada 1.000 habitantes. [XV]

O manual do Exército Norte-americano de operações de contrainsurgência, também baseado em dados históricos, estabelece o efetivo de 20 a 25 combatentes para cada 1.000 hab. [XVI] A F Pac Maré empregou 18 militares para cada 1.000 hab – um efetivo compatível para a natureza da missão.

A operação iniciou com a interdição de todas as vias de acesso no perímetro da A Op pela instalação de pontos de bloqueio; seguida do investimento com o restante da tropa percorrendo, a pé e com viaturas, todas as ruas, becos e vielas; a substituição dos efetivos da PMERJ e a efetiva ocupação da A Op pela F Pac.

A fim de explorar a surpresa, a ofensiva e a dissuasão – características peculiares das tropas paraquedistas –, estava planejada uma ação preliminar noturna com a infiltração aeroterrestre, por salto livre operacional (HALO), de uma equipe de precursores no interior da favela da Maré, mas não houve condições para sua execução.

Uma força militar não pode ser obrigada a deslocar-se diariamente para a área sob sua proteção – ao contrário, ela deve viver inserida na população a quem deve defender. Para isso, a situação ideal seria o desdobramento das bases de operações das companhias dentro dos seus subsetores. Devido à dificuldade de obterem-se instalações apropriadas cujos proprietários não tivessem medo de represálias, a F Pac conseguiu desdobrar apenas uma companhia de fuzileiros dentro do seu subsetor. No entanto, a existência de quartéis do Exército e da Força Aérea no interior e nas proximidades da A Op facilitaram a ocupação de bases com segurança e relativo conforto para a tropa.

A partir da ocupação de seus setores de responsabilidade, cada peça de manobra desencadeou um intenso patrulhamento diurno e noturno a pé, motorizado e mecanizado; a instalação de pontos fortes em locais estratégicos e de checkpoints para a revista de pessoas e veículos. A alteração constante dos itinerários e horários das patrulhas e a combinação com outras ações táticas visavam evitar o estabelecimento de rotinas e obter a iniciativa e a surpresa.

No limite leste da A Op, a 1ª Companhia de Engenharia de Combate Paraquedista (1ª Cia E Cmb Pqdt) e a FTOpEsp, utilizando botes pneumáticos, mantiveram permanente vigilância e patrulhamento marítimo do canal que dá acesso à Baía da Guanabara, com a finalidade de reprimir a entrada de armas e drogas.

A presença constante e a atitude dissuasória da tropa nas ruas, com predominância do patrulhamento a pé, além de reduzir a liberdade de ação das facções, contribuíram para a conquista do apoio da população e, consequentemente, para a obtenção de informes. Para atenuar a desconfiança e o descontentamento inicial da população local com a presença da tropa foram realizadas várias ações cívico-sociais (ACISO).

Em diversas operações de vasculhamento foram utilizados cães farejadores da Bda Inf Pqdt ou do Batalhão de Ações com Cães da PMERJ, a fim de localizar cachês de armamento e de drogas. Cães de ataque também foram empregados para obter efeito dissuasório em operações de controle de distúrbios.

O emprego do 1º Esquadrão de Cavalaria Paraquedista (1º Esqd C Pqdt), reserva da F Pac, no patrulhamento de toda a A Op, manteve a reserva apta a atuar em todos os setores com adequado conhecimento dos terrenos físico e humano e alta capacidade de pronta resposta.

A utilização de motocicletas trail , guarnecidas por motorista e atirador equipados com câmeras táticas tipo Go Pro , aumentou significativamente a mobilidade e a capacidade de reconhecimento num ambiente urbano com predominância de becos e vielas.

Baseado no êxito das ações do Destacamento de Operações Especiais em Missões de Paz (DOPaz) do Batalhão Brasileiro de Força de Paz (BRABAT) no Haiti, pela primeira vez, empregou-se uma FTOpEsp constituindo uma F Pac, o que somente confirmou o adequado preparo técnico-profissional e o efeito multiplicador de força desses especialistas em guerra irregular. Comandada pelo próprio Comandante do 1º Batalhão de Forças Especiais (1º BFEsp) e integrada por operadores de forças especiais, comandos, caçadores ( snipers ), especialistas em operações de apoio à informação e precursores paraquedistas ( pathfinders ), a FTOpEsp realizou ações diretas e indiretas para cumprir sua missão.

Um exemplo de ação direta muito bem-sucedida foi a operação interagências de busca e apreensão para a captura de um dos mais procurados líderes de facção. Obtida sua localização precisa por meio de um informante, a F Pac, numa ação rápida e cirúrgica, empregou o Esqd C Mec para cercar uma área de prédios, enquanto uma equipe tática da FTOpEsp, reforçada por policiais federais do Comando de Operações Táticas (COT), invadiu o apartamento e efetuou a prisão de dois criminosos armados, sem causar danos colaterais às duas menores que os acompanhavam.

À semelhança do emprego heterodoxo do Team Tank – um esquadrão de carros de combate M1 Abrams que apoiou as ações de FOpEsp norte-americanas no oeste do Iraque em 2003 [XVII] –, o apoio do Esqd C Mec à FTOpEsp demonstrou a perfeita integração, coordenação e sincronização que devem existir entre F Convl e FOpEsp.

Há que ser ressaltada a importância das ações indiretas – típicas dos operadores de FEsp – na conquista do apoio ativo da população. Entre essas ações, destaca-se o assessoramento do Destacamento Operacional de Forças Especiais (DOFEsp) e do DOAI ao Comando da F Pac e aos comandantes de setor na ligação com as diversas agências civis e na realização de reuniões de comando de área. Os líderes locais sabem quem está no comando e se sentiriam desprestigiados se um comandante habitualmente mandasse subordinados conversarem com eles. Pelo contato pessoal, os comandantes puderam compreender melhor os costumes, as tendências, as aspirações e o comportamento da população e, assim, prever suas ações. Frequentemente, esses contatos também forneciam valiosos informes.

Outra ação indireta muito eficaz foi a atuação do DOAI na disseminação de mensagens por alto-falantes (AF) e por panfletos. Durante a missão, a viatura leve AF teve que ser substituída por uma viatura blindada de transporte de pessoal (VBTP) porque estava sendo alvo frequente de disparos das facções.

Segundo Mark Moyar (Ph.D. em História), da Joint Special Operations University (JSOU) , “in achieving stability, Village Stability Operations (VSO) demonstrated convincingly the value of the indirect approach as a necessary complement to direct action.” [XVIII]

Um dos grandes desafios são as operações interagências, que embora exijam unidade de esforços não podem prescindir da unidade de comando dentro da A Op, onde as forças de segurança estão subordinadas a uma única autoridade militar – o Comandante da F Pac.

O terreno informacional é tão importante quanto os terrenos físico e humano. A percepção que a população tem da realidade é de suma importância. Controlar a narrativa é não apenas comunicar bem, mas comunicar primeiro. [XIX]

Diante disso, os comandantes devem ser proativos e não podem ser restringidos no seu contato com a mídia, cuja presença constante e capacidade de difusão imediata influenciam marcantemente as operações militares contemporâneas. Na visão do Cel Mansoor, Cmt Bda Ready First no Iraque, “solicitar aprovação para toda e qualquer mensagem, fazendo-a percorrer a cadeia de comando para cima e para baixo é receita certa para o fracasso.” [XX]

O Comandante da F Pac, o oficial de operações de informação e o oficial de comunicação social participavam semanalmente num programa de uma rádio comunitária local, no qual interagiam ao vivo com os ouvintes, respondendo a perguntas e informando sobre as atividades da F Pac, a fim de conquistar a confiança e o apoio da população local e da opinião pública. A conquista dos corações e mentes é absolutamente fundamental nas Op Pac.
 

RESULTADOS DA OPERAÇÃO

Em Op C F Irreg, os resultados não são medidos pela quantidade de insurgentes mortos ou capturados. O mesmo se aplica às Op Pac, nas quais a quantidade de prisões e apreensões de armas, drogas e veículos roubados são apenas indicadores das ações realizadas.

O resultado mais importante na pacificação do complexo da Maré era alcançar o estado final desejado – a conquista do apoio ativo da população e a desarticulação das facções criminosas – e os objetivos estratégico e político da operação – assegurar um ambiente seguro e estável e criar as condições adequadas para a instalação de UPPs.

Após dois meses de atuação da F Pac MARÉ e diante da comparação com a situação no início da operação, é possível afirmar que o estado final desejado foi parcialmente atingido e o ambiente tornou-se relativamente seguro e estável. Em consequência disso, já existiam as condições mínimas de segurança para a instalação de UPPs pelo governo do Estado do Rio de Janeiro.
 

REFLEXOS DA OPERAÇÃO

Organização

Além de suas unidades e subunidades orgânicas, a estrutura modular de uma Brigada de Infantaria empregada como F Pac deve incluir infantaria e/ou cavalaria embarcada em viaturas blindadas de rodas e/ou de lagartas; uma FTOpEsp com destacamentos de FEsp, de comandos, de caçadores, de operações de apoio à informação e de precursores paraquedistas; uma seção de inteligência ampliada, com um grupo de operações de inteligência orgânico, com significativa capacidade analítica e estruturada especialmente em torno de fontes humanas e de sinais; uma companhia de polícia do exército; um destacamento de apoio administrativo com uma seção de aquisições, licitações e contratos reforçada; uma companhia ou batalhão de polícia militar sob controle operacional; células de especialistas em assuntos civis, de operações de informação, de comunicação social, de cooperação civil-militar, de assessoria jurídica, de guerra eletrônica e de guerra cibernética; equipes de especialistas civis no terreno humano específico da missão; e meios de inteligência, vigilância e reconhecimento, particularmente helicópteros equipados com sistema olho da águia, sistemas de aeronaves remotamente pilotadas, câmeras táticas para o combatente individual e sensores terrestres, todos com capacidade de detecção e visão noturna.

Equipamento

O emprego de VBTP de lagartas M113 e de modernas VBTP 6×6 GUARANI, de fabricação brasileira, em acréscimo às VBTP URUTU foi uma grande evolução. Nesse ambiente operacional de favelas há severa vulnerabilidade a atiradores de tocaia, dada a existência de muitas lajes sobre as edificações. Além disso, viaturas equipadas com GPS veicular facilitam a orientação e aumentam a consciência situacional.

O incremento do grau de precisão do atirador equipado com miras holográficas, lunetas e óculos de visão noturna, além da utilização de armamento calibre 5,56 mm, como o novo fuzil de assalto IMBEL IA2, de fabricação brasileira, aumentaram o poder de combate das tropas e reduziram os riscos de indesejáveis danos colaterais à população.

A utilização de espingardas calibre 12 e de lançadores de granadas 38.1 mm proporcionaram flexibilidade na utilização de munições não letais, particularmente em operações de controle de distúrbios, que ocorriam frequentemente quando se efetuavam prisões na presença da população.

Doutrina de emprego

Na atualidade, na qual o conflito irregular assimétrico é a maior ameaça à paz e à segurança internacionais, aumenta de importância a revisão e atualização de manuais de campanha que orientam a organização, o preparo e o emprego das Bda Inf em Op C F Irreg e que aproveitam a bem-sucedida experiência brasileira nessas operações, pois, nas décadas de 60 e 70, o Exército Brasileiro combateu e derrotou a subversão e o terrorismo urbano e rural sem a presença de tropas ou de assessores estrangeiros em seu território. Destacam-se como outras fontes de consulta os manuais do Exército Norte-americano FM 3-24 Counterinsurgency , FM 3-24.2 Tactics in Counterinsurgency e FM 3-06 Urban Operations , que reúnem lições aprendidas e aspectos doutrinários valiosos e atuais sobre esse tipo de operação.
 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil, hoje, a participação protagonista, e não mais coadjuvante, das Forças Armadas, principalmente do Exército Brasileiro, na sempre muito bem-sucedida pacificação de favelas completamente dominadas pelo narcotráfico, demonstra, inequivocamente, que este problema deixou de ser de segurança e ordem pública e passou a ser de segurança nacional. [XXI]

Por outro lado, é preciso evitar a banalização do emprego do Exército Brasileiro em operações tipo polícia de garantia da lei e da ordem (GLO), desvirtuando-o de sua competência essencial como Força Armada – executar operações de combate. É a capacidade de conduzir operações contra forças irregulares que diferencia o Exército das polícias e que garante o êxito das operações de pacificação.

É possível questionar doutrinariamente se as facções criminosas brasileiras – que aparentemente não possuem motivações político-ideológicas – podem ser consideradas forças irregulares, mas é impossível negar que elas atuam com as mesmas táticas, técnicas e procedimentos de guerrilheiros e terroristas. Diante disso, quando a F Ter for empregada em Op Pac, é necessário enfrentá-las e vencê-las executando operações de combate contra F Irreg.

Atuando em ambiente operacional complexo e hostil, a tropa paraquedista do Exército Brasileiro cumpriu muito bem a missão recebida. Seus combatentes profissionais impuseram e mantiveram a lei e a ordem, conquistaram o apoio da população local e desarticularam facções criminosas fortemente armadas, criando um ambiente seguro e estável que permitia a livre circulação e atuação de pessoas e agências civis.

O êxito da operação de pacificação da favela da Maré, conduzida pela Bda Inf Pqdt em abril e maio de 2014, foi consequência da audácia, coragem, determinação e agressividade do soldado paraquedista; da iniciativa e liderança dos comandantes em todos os níveis; e da coesão e adestramento dessa tropa que, desde as bem-sucedidas operações contra a subversão e o terrorismo rural e urbano nas décadas de 60 e 70, foi consagrada como A ELITE DO COMBATE CONTRA FORÇAS IRREGULARES !

 

BRASIL ACIMA DE TUDO!
(Lema da tropa paraquedista do Exército Brasileiro)

 

[I] MANWARING, Max G. Street gangs: the new urban insurgency. Strategic Studies Institute, U.S. Army War College, March 2005.

[II] PINHEIRO, Gen Bda Alvaro de Souza. As ambiguidades estratégicas da violência extremista e do conflito irregular assimétrico do século 21. Estado-Maior do Exército. Doutrina Militar Terrestre em revista. 3.ed., Jul a Set 2013. p. 45.

[III] LEALI, Francisco. Conexão Líbano-Brasil: traficantes ligados ao Hezbollah se associaram à facção que atua em presídios paulistas. O Globo , Rio de Janeiro, Domingo 09 Nov, 2014. p. 3.

[IV] PINHEIRO, Gen Bda Alvaro de Souza. Irregular Warfare: Brazil’s fight against criminal urban guerrillas. Joint Special Operations University (JSOU) Report 09-8, September 2009. p. 17.

[V] Ibid.

[VI] Ibid.

[VII] WEST, Bing. The wrong war: grit, strategy and the way out of Afghanistan. Random House, Inc., New York, 2011. p. 110.

[VIII] U.S. Department of the Army. Field Manual 3-24.2. Tactics in Counterinsurgency. Washington, D.C., 2009. p. 3-17.

[IX] BRASIL. Estado-Maior do Exército. Manual de Campanha EB20-MC-10.217. Operações de Pacificação. 1.ed., 2015. p. 2-10, 2-11 e 5-19.

[X] Denominação utilizada pelos Fuzileiros Navais norte-americanos. O Exército dos EUA usa o nome de Company Intelligence Support Teams .

[XI] FLYNN, Michael T. et al. Fixing Intel: a blueprint for making intelligence relevant in Afeghanistan. Center for a New American Security. Jan 2010.

[XII] FERREIRA, Cap Inf Alexandre da Silva. O emprego da Célula de Inteligência da SU durante as operações da Força de Pacificação Maré. Trabalho premiado no concurso literário do Simpósio de Operações Aeroterrestres da Bda Inf Pqdt. 2014. p. 3.

[XIII] Olheiros são os informantes das facções criminosas, normalmente menores de idade pagos pelo narcotráfico para transmitir informações por rádio e telefones celulares.

[XIV] As oito operações de imposição da paz foram: Japão (1945), Somália (1992), Haiti (1994), Bósnia (1995), Eslovênia Oriental (1996), Timor Leste (1999), Kosovo (2000) e Iraque (2003).

[XV] DOBBINS, James et al. The beginner’s guide to nation-building. RAND Corporation, 2007. p. 41.

[XVI] U.S. Department of the Army. Field Manual 3-24. Counterinsurgency. Washington, D.C., 2006. p. 1-13.

[XVII] JONES, Robert W. Team Tank Armor in support of Special Operations. Veritas: Journal of Army Special Forces History, Winter 2005. p. 69-73. In: GORDON, Michael R.; TRAINOR, Bernard E. Iraque: um conflito polêmico. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2010. p. 446.

[XVIII] MOYAR, Mark. Joint Special Operations University (JSOU) Report 14-7. Village Stability Operations and the Afghan Police. October 2014. p. 86.

[XIX] BRASIL. Estado-Maior do Exército. Manual de Campanha EB20-MC-10.213. Operações de Informação. 1.ed., 2014. p. 2-6, par. 2.3.4.

[XX] MANSOOR, Peter R. Bagdá ao alvorecer: a guerra de um comandante no Iraque. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2011. p. 392.

[XXI] PINHEIRO, Gen Bda Alvaro de Souza. As ambiguidades estratégicas da violência extremista e do conflito irregular assimétrico do século 21. Estado-Maior do Exército. Doutrina Militar Terrestre em revista. 3.ed., Jul a Set 2013. p. 46.

 

*O General de Brigada Roberto Escoto serve atualmente no Estado-Maior do Exército. Graduou-se como oficial de infantaria na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1982. Possui os cursos de paraquedista, mestre salto, salto livre, comandos, forças especiais e o mestrado em relações internacionais pela Universidade de Brasília (UnB).

Foi assessor de operações especiais no Paraguai, observador militar da missão de paz no Equador e Peru (MOMEP), oficial de operações do contingente brasileiro da missão de paz no Haiti (MINUSTAH), chefe da Comissão do Exército Brasileiro em Washington e oficial de ligação no DPKO da ONU, em Nova York. Comandou o 6º Batalhão de Infantaria Leve Aeromóvel (2003-2004) e a Brigada de Infantaria Paraquedista (2012-2014).

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